Talvez não lembre, mas você já viu Eduardo Gomes antes. Com mais de duas dezenas de curtas-metragens no currículo, é um ator com presença discreta na televisão, mas com uma frequência incrível na tela grande. No formato longa, sua estreia foi com o thriller Trabalhar Cansa (2011), em uma participação pequena, mas que serviu para lhe aproximar da diretora Juliana Rojas. Pois foi ela, afinal, quem lhe deu a oportunidade de aparecer pela primeira vez como protagonista em Sinfonia da Necrópole (2014), um misto de comédia, romance e musical que foi premiado nos festivais de Paulínia e Gramado, e somente dois anos depois chegou ao circuito exibidor. Ele já tem três novos filmes prontos – O Animal Cordial (2017), As Boas Maneiras (2017) e A Sombra do Pai (2017) – mas é de se perguntar se algum deles chamará mais atenção do que esse que lhe rendeu sua primeira indicação ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, justamente como Revelação do ano, ao lado de novatos como Naomi Nero (Mãe só há Uma, 2016) e Valentina Herszage (Mate-me por Favor, 2016). Foi sobre esse trabalho, aliás, que tivemos uma conversa inédita e exclusiva. Confira!
Como você percebeu a reação do público em relação ao Sinfonia da Necrópole?
É engraçado, pois cada lugar onde o filme foi exibido a plateia reagiu de um modo diferente. Ao menos foi o que senti. Nossa estreia foi no Festival de Paulínia, e lá foi uma coisa quase histérica, muito calorosa, rindo de tudo. Chegamos a pensar “será que o filme é tudo isso, mesmo?”. Depois fomos a Gramado, e a resposta já foi um pouco diferente, ainda que não menos boa. Para cada público, ele bate diferente. Tem gente que vê como uma comédia, para outros é um drama, ou musical. Até quem se foca no romance dos protagonistas. Ou seja, tem várias possibilidades de leitura.
E como você reagiu quando surgiu o convite e leu pela primeira vez o roteiro?
Achei que ia ser uma comédia lascada, que ninguém ia levar à sério. Mas, aos poucos, fomos descobrindo as sutilezas do humor. Não dá pra tratar de um tema desses de forma muito escrachada. Tem um limiar muito sutil sobre como tratar isso com leveza e como dar a devida profundidade ao assunto. Mas, quando li, achei muito difíceis as músicas, mais do que qualquer coisa. Duvidei da minha capacidade de cantar. A Juliana Rojas já vinha trabalhando esses elementos em outros filmes dela. Essa paquera com o cinema de gênero, de trazer o horror, o fantástico, do humor e, principalmente, o musical. Fizemos, antes, outros filmes, curtos, que brincavam com esses elementos. Então, foram quase como um ensaio, pois nos prepararam para o longa que inevitavelmente acabaria surgindo. A música é fundamental para compreender o universo daqueles personagens.
Você precisou ensaiar, fazer uma preparação especial para as cenas de música?
O meu histórico é como ator. No mundo da música, era zero. Canto quando é preciso, entende? Mas pra mim não basta abrir a boca e sair cantando, custo a achar a nota certa, preciso desse trabalho anterior. Ainda mais estas músicas do filme, que não são notas triviais, são estranhas, esquisitas, e pra achar o lugar disso dentro de você é difícil. Tivemos uma preparação musical forte, ficamos dias preparando cada uma delas, e isso foi fundamental pra entender o universo onde estes personagens transitam. As músicas são uma lente de aumento na reflexão destes personagens sobre o mundo.
Como foi pra ti construir o Deodato, um protagonista tão incomum?
Foi um desafio, de fato. O tempo todo ficava com medo dele não engatar. É preciso ter um certo tipo de empatia, pois ele fracassa em quase todas as cenas. Ele aparece pra não conseguir fazer o que era preciso. Tinha muito medo de como isso poderia ser lido. E muita coisa dependia do modo como iria conduzir o olhar do espectador sobre tudo aquilo. A gente trabalhou por camadas, ensaiamos, primeiro, só o Deodato e a Jaqueline (Luciana Paes) e a relação amorosa dos dois. Cena a cena, e a evolução disso. Depois o Deodato com o tio, como isso começa e se desenvolve. A gente foi fragmentando as várias trajetórias do Deodato, que são muitas: a relação com os mortos, com a incapacidade de fazer um ofício, o fato dele ser um artista sem espaço para se exercitar. Tem muitos pequenos conflitos nele, e por isso temi que o filme não fosse abrir espaço para aprofundar cada um deles. É um personagem com muitos caminhos possíveis.
Qual cena do filme você considera mais especial?
Acho que todos os números musicais. Entendo estes momentos como manifestações do ponto de vista do Deodato sobre o que está acontecendo. É como ele consegue transcender aquela difícil realidade, e com a música ele consegue ficar um degrau acima e observar com um certo distanciamento. Nas cenas musicais ele até fica um pouco mais livre, eram músicas que, de certa forma, ele estava criando naquele momento, e isso me ajudava a me livrar do medo, da insegurança.
E no filme, como um todo, qual foi o maior presente?
O que foi muito gostoso foi resgatar essas parcerias, como com a Luciana, que foi minha colega de muitos anos e a gente segue trabalhando juntos, temos uma relação afinada em cena. Nos sentimos à vontade um com o outro, e vemos, no outro, respostas a respeito do nosso próprio personagem. Você vai se alimentando a partir do modo como os outros personagens enxergam o seu.
Este é o seu primeiro trabalho como protagonista, certo?
Em longa-metragem, sim. Sou parceiro do pessoal dos Filmes do Caixote, como a Juliana Rojas, o Marco Dutra, o Caetano Gotardo, há um bom tempo. Já fizemos alguns curtas antes, mas este é o primeiro longa em que apareço como protagonista. E isso vem desde que a gente estava na faculdade, que foi quando nos conhecemos, fizemos os primeiros exercícios juntos. Eles precisavam de atores, né? Foi quando nos aproximamos, e não desgrudamos mais.
Quais são teus filmes favoritos?
Nossa, essa pergunta é difícil. Mas vou falar de dois da Catherine Deneuve que acho louquíssimos. Um é o Pele de Asno (1970), que também tem isso do universo fantástico e te obriga a buscar outras ferramentas para compreender tudo aquilo que está se passando. E Os Guarda-Chuvas do Amor (1964), que tem músicas tão incríveis que você esquece que o filme está sendo cantado o tempo inteiro! Você fica tão absorvido por aquela linguagem que é como se o mundo inteiro fosse cantado. Acho que, de certa forma, também são filmes que a Ju flertou para construir o Sinfonia da Necrópole.
E sobre o cinema brasileiro, tem algum em especial que você recomenda?
Com certeza. Um dos últimos a me marcar foi o Tatuagem (2013). Gosto muitíssimo, primeiro, por ser um filme sobre o teatro, e como sou um ator de teatro, antes de qualquer coisa, gosto da forma livre como eles resolveram fazer aquilo. O envolvimento dos atores com aquele filme é lindo. Filmes em que os atores se entregam completamente é o principal, para mim. Quando fica só na beleza, na estética, na foto bonita, na arte linda, acaba sendo superficial. Mas quando você percebe que o ator mergulhou de cabeça naquilo tudo, minha relação é completamente diferente. Outro que me surpreendeu também foi o Praia do Futuro (2014). Acho incrível o que o Wagner Moura faz naquele filme. Com toda aquela dignidade. É um filme duro, preciso. Gosto muito do Karim Ainouz, o diretor. A carreira toda dele. Filmes como O Céu de Suely (2006). Outro que amei foi O Homem das Multidões (2013). Nossa, estamos vivendo um momento incrível.
Pra terminar: se a tua vida fosse um filme, qual seria o título?
(risos) Putz, sério isso? Caramba… Se a minha vida fosse um filme? Agora você me pegou. Imagino que seria uma pergunta, como O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), sabe? Seria alguma coisa como O Que Estou Fazendo Aqui? (risos). Esse é o título!
(Entrevista feita ao vivo em Gramado, Rio Grande do Sul)
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