Juliana Rojas é um dos novos talentos de destaque do cinema nacional. Realizadora de sucesso, foi premiada em festivais importantes no exterior, como o de Cannes, na França, Havana, em Cuba, Locarno, na Suíça, ou Oslo, na Noruega. Mas também é presença constante nos eventos do gênero no Brasil, tendo sido reconhecida no Festival de Gramado, no Cine Ceará, na Janela do Recife e no Festival do Rio, entre outros. Com duas indicações – e uma vitória – no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, construiu uma carreira em que chama atenção sua parceria com o cineasta Marco Dutra, com quem dividiu a direção do seu longa de estreia, Trabalhar Cansa (2011), e também no recente As Boas Maneiras (2017), com lançamento previsto para 2018. Com Sinfonia da Necrópole (2014), seu primeiro projeto solo, conquistou três indicações ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, nas categorias de Melhor Direção, Roteiro Original e Trilha Sonora. E foi sobre este trabalho que conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Como foi elaborar um filme tão diferente quanto Sinfonia da Necrópole?
Este é o primeiro filme que faço que tem um tom predominante de comédia, então sempre há essa preocupação se as pessoas irão comprar o que estamos propondo. Tinha também a preocupação por ser um musical, se iriam aceitar. Tem muita gente que não curte, e era preciso lidar com esse elemento como parte da narrativa. E o que percebemos é que a resposta, tanto do público quanto da crítica, foi muito positiva. As pessoas entenderam, se envolveram com a trama.
Teve coisas que você deixou de lado, ainda durante a elaboração do roteiro, por temer que o público não fosse compreender?
Você sabe, quando está escrevendo, quando algo precisa ou não ter uma função cômica. Quando você faz uma piada, você quer que as pessoas riam, sempre há aquele medo de não ser entendido. Mesmo coisas sutis, que não eram exatamente piada, mas trocadilhos, comentários, tiveram um bom retorno, então acho que seguimos o caminho certo.
Na sua filmografia consta um telefilme chamado A Ópera do Cemitério (2013). Qual a relação dele com o Sinfonia da Necrópole?
Acontece que as filmagens geraram duas obras diferentes. O filme foi viabilizado através de um edital de telefilme da Tv Cultura de São Paulo. Só que eu já tinha esse projeto, e o pensava, desde o início, como um longa. Então o que fiz? Filmei o longa, e primeiro gerei, na ilha de edição, esse média, que é o A Ópera do Cemitério. Ele teve uma exibição, apenas, na televisão. Ele é menor, não tem todos os personagens, a articulação da montagem é outra, não tem todas as músicas. Mas partiu do mesmo material bruto, mesmo elenco e equipe. O média tem outra abordagem narrativa porque não dava para contemplar tudo que eu imaginava em apenas 40 minutos. Ele existiu só para esse propósito, mas meu objetivo, desde o início, era o longa para o cinema.
O Sinfonia da Necrópole é um musical que se passa num cemitério. Parece uma proposta bem de nicho, mas é, em resumo, uma história de amor, que é um argumento universal. Como você percebeu a relação do público com o filme?
É difícil falar em comédia, ou musical, ou romance, porque o público, em geral, também considera o cinema nacional como um gênero. Essa é outra barreira que precisa ser superada. Precisamos ser vistos como um filme, e não somente como “um filme brasileiro”. Acho importante ter essa abertura, e também ter essa consciência que é legal ver filmes nacionais, se ver representado na tela. É importante semear isso nas pessoas. Valorizar nossa cultura, mas ir além. Um filme nacional pode ser de vários gêneros, assim como os de qualquer outra nacionalidade. Acho que o nosso filme, apesar de fazer uma mistura incomum de elementos, é bem acessível. Ok, se passa em um espaço inusitado, mas apresenta um universo de relações que estão no imaginário das pessoas, tanto nas questões de trabalho, de poder, no relacionamento amoroso. Isso é fácil de associar com a nossa vida. E também pelo fato de ser mais leve, lúdico, acho que consegue acessar mais as pessoas.
O Marco Dutra colabora nesse filme na composição das músicas. Vocês têm uma parceria muito positiva, que já rendeu bons frutos. Como é o trabalho com ele?
A gente sempre teve uma carreira independente e uma conjunta. Não é uma coisa de agora. Fiz muitos curtas sozinha, mas sempre intercalando com outros com ele. E ele também. Então, fiz esse longa, ele fez os dele, o primeiro, o Trabalhar Cansa (2011), foi em conjunto, e o que fizemos há pouco, o As Boas Maneiras (2017), foi de novo em dupla. É algo natural para nós, não chega a ser organizado, do tipo, um junto e um separado, sabe? Nos conhecemos há muito tempo, e temos prazer em trabalhar tanto em parceria como cada um com a sua história. Isso não é uma questão para a gente. Eu o conheço desde os 17 anos, do primeiro ano da faculdade. Ou seja, estamos juntos há mais tempo do que estivemos separados. Ele é o meu grande parceiro. Nesse filme, o que aconteceu é que nós sempre gostamos de musicais, desde os desenhos da Disney até os clássicos de Fred Astaire e Gene Kelly.
Tim Burton chegou a ser uma influência na composição de Sinfonia da Necrópole?
Na verdade, não. Gosto muito dos desenhos dele, como O Estranho Mundo de Jack (1993) e A Noiva Cadáver (2005) – esse último não tanto enquanto trama, mas mais pelas composições. O Sweeney Todd (2007) não sou muito fã, quem gosta mais é o Marco – ainda que eu também ache muito lindas as canções. Tem uma influência, claro, mas não foi algo consciente. Acontece que desde a faculdade a gente já compunha, então foi fácil criar as canções para o nosso filme.
O elenco de Sinfonia da Necrópole, imagino, não é formado por cantores profissionais.
As nossas canções possuem um pensamento dramatúrgico. Elas são temáticas, e cada uma possui uma função muito clara no filme. A Canção dos Coveiros, que é a primeira, serve para estabelecer o conflito do Deodato, por exemplo. Depois tem a Canção da Cidade, que é mais romântica, com a contraposição do ponto de vista do Deodato com a Jaqueline. Havia um pensamento a respeito de cada música, onde ela deveria se encaixar e o que precisaria dizer. E também que as canções precisariam ter um equilíbrio de ritmo, entre o filme narrativo e os momentos musicais. Tinha esse pensamento desde a construção do roteiro.
Como foi o preparo com os atores?
Os nossos atores variavam na experiência e na capacidade de cantar. A Luciana Paes e o Eduardo Gomes fizeram o EAD, que é a Escola de Artes Dramáticas da USP, e lá eles tem uma preparação de canto e voz, e muito teatro também. A Luciana tem uma voz muito bonita, acho que canta em bandas, também. De todos, é quem tinha a maior prática, a mais preparada. E o Edu, apesar de não estar no meio musical, era muito afinado e técnico. Então, com eles, foi fácil. Mas todos passaram por um laboratório de preparação vocal com a Cecília Spyer, que é a mesma que havia trabalhado no As Canções (2011), do Eduardo Coutinho. Tinha experiência nessa área, em preparar pessoas que não são cantoras para conseguir cantar dentro do seu potencial. Achava isso muito legal, pois não queria que cantassem como se estivessem na Broadway, queria algo mais na voz do personagem. Isso dava uma unidade. E era o que buscava.
Principalmente para quem é cinéfilo, o filme tem uma surpresa, que é a participação da produtora Sara Silveira como atriz. Como foi colocá-la diante das câmeras?
Gosto muito dela. Já havia feito uma participação no meu curta O Duplo (2012), também atuando, e achei muito boa, engraçada, sabe improvisar. Por isso quis trazê-la de novo, e ainda mais para essa sequência, que tem uma função dramática no filme, mas também tem uma importância pessoal, pois se passa num lugar que tem esse karaokê que frequento, faz parte da minha vida. Gosto de cantar lá. Queria ver isso, de você estar num lugar como esse e, quando menos espera, está cantando com uma pessoa que nem conhece. Queria esse sentimento de karaokê no filme. Fiquei muito feliz por ela ter aceitado. Ficou muito legal.
Quais são os teus filmes favoritos?
Pois então, não tenho isso do melhor filme, ou do cineasta preferido. Mas há alguns, até por uma relação afetiva, que acabo vendo sempre. Um deles é O Picolino (1935), com o Fred Astaire e a Ginger Rogers, que tenho uma proximidade afetiva muito grande, assisto desde criança. Não é um filme completo, tem uma trama até bem superficial, mas é um musical da época da depressão, cujo ponto principal era justamente te tirar daquela realidade infeliz e te transportar para um mundo mágico. Acho lindo, e as canções são maravilhosas. Mas tem também O Som ao Redor (2012), que acho muito bom. Trata de temas que me identifico, relações de classe, as pessoas habitando um espaço urbano com certas tensões. Tem uma construção de clima muito potente, mas também tem humor, com personagens muito bons. Dá margem à uma reflexão histórica concreta, e muito pertinente.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado, Rio Grande do Sul)
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