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O cineasta italiano Gabriele Muccino está completando neste mês cinquenta anos. Neste meio século de vida, ele alcançou fama e sucesso tanto em sua terra natal como também em Hollywood, com filmes como O Último Beijo (2001) – vencedor do David di Donatello, o Oscar da Itália, que ganhou tanto uma refilmagem norte-americana (Um Beijo A Mais, 2006) quanto uma continuação assinada pelo próprio Muccino (Beije-me Outra Vez, 2010) – e À Procura da Felicidade (2006), que rendeu uma indicação ao Oscar para o protagonista Will Smith. Agora, no entanto, ele está recriando na ficção um processo que empreendeu na vida real: a saída de casa rumo a uma América cheia de promessas e sonhos. Pois é exatamente isso que acontece em Sobre Viagens e Amores, seu mais recente trabalho, que foi premiado no último Festival de Veneza e já está em cartaz nos cinemas brasileiros. Pois foi aproveitando esse lançamento que o diretor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!

 

Olá, Gabriele. Prazer falar com o senhor. Sobre Viagens e Amores estreou no Festival de Veneza, já sendo premiado. Você esperava por esse tipo de recepção?
Olá. O prazer é meu em estar conversando com você aí no Brasil. Pois então, foi uma grande surpresa, até porque o prêmio que ganhamos, o de melhor trilha sonora, não era algo que esperávamos. Mas até que fez sentido, pois a música do filme foi feita por Jovanotti, que é um compositor muito popular na Itália, todo mundo o conhece, então foi uma maneira de também o homenagearem. Mas, para nós, o que importa é que apresentamos um filme leve, sobre jovens que talvez não estejam preparados para o que a vida está lhes apresentando, mas que mesmo assim acreditam em si mesmos. Eles podem parecer vulneráveis em um momento ou outro, mas isso faz parte do processo de identificação com o público, afinal, todo mundo já se sentiu inseguro uma vez na vida.

 

Marco e a Maria, os dois protagonistas, são bem diferentes entre si…
Sim, com certeza. O Marco é muito inseguro, tem alguns pensamentos bem sombrios, e está lutando consigo próprio para se livrar disso, pois quer aproveitar o mundo e não se preocupar tanto. Paradoxalmente, quem está mais próximo de fazer isso é Maria, que acaba viajando com ele. Ela está mais preparada para encarar o mundo. Este é um filme sobre julgamentos e preconceitos, sobre o que pensamos que conhecemos e sobre quem não conhecemos ainda, mas queremos conhecer. E isso só pode acontecer quando estamos em um lugar novo, onde ninguém nos conhece, onde se é possível experimentar, com total liberdade.

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Muccino, no início das filmagens de Sobre Viagens e Amores

Você é também autor do roteiro, certo? O que lhe atraiu nessa história?
Sim, escrevi junto com um amigo, o Dale Nall, que nunca havia feito cinema antes. Tudo isso faz parte desse processo libertário. Queria proporcionar essa experiência para diferentes pessoas, com origens distintas, tudo em um momento histórico cultural tão diverso como o que vivemos hoje. Mostrar que tudo é possível, sem filtro, com muita honestidade. Crescer é importante, e passar por isso faz parte do processo. Talvez não necessariamente no verão logo após terminar às aulas, mas há sempre um momento na vida de revelações. O que há lá fora? Um novo mundo a ser descoberto!

 

Assim como Marco, que saiu de Roma para ter uma nova experiência de vida em São Francisco, você também saiu da Itália para trabalhar em Hollywood. Como você avalia esse processo?
Bom, não foi um acidente, foi algo muito planejado. Neste ponto, fui muito mais organizado do que o Marco, isso posso garantir. Quis fazer este filme porque estava um pouco cansado do sistema de Hollywood. O que não significa, também, que não quero voltar a trabalhar por lá – ainda farei outros, é claro. Mas, nesse momento da minha vida, queria falar do meu ponto de vista, mostrar como é a América e a Itália que eu conheço, criar uma experiência similar àquela que eu passei tantos anos atrás. Eu também sentia muitas saudades da minha casa, da minha cidade. Vou continuar aqui e lá, fazendo filmes onde me sentir mais à vontade, com todas as possibilidades sempre em aberto.

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Muccino (ao centro) nos bastidores das filmagens de Sobre Viagens e Amores

Um tema que Sobre Viagens e Amores aborda é a homofobia, pela reação de Maria ao se ver na casa de um casal gay, Matt e Paul. Era importante para você falar sobre isso?
O mundo está indo para trás hoje em dia, ao menos essa é a impressão que muitas vezes temos ao olhar o noticiário e o que está acontecendo ao nosso redor. Portanto, era muito importante para mim falar sobre isso, ainda que de uma foram mais subjetiva. O mundo, o terrorismo que está sendo criado em nossa existência, a fragilidade de hoje, que achávamos que não teríamos antes de 2001 e agora é realidade. O mundo está mais assustador do que nunca. Nunca fomos tão frágeis. Ao mesmo tempo, estamos vivendo tempos em que as pessoas cada vez pensam e sentem mais, elas querem estar nas ruas, se manifestar, ouvir e serem ouvidas. Estamos no meio de um grande debate, e é claro que é importante discutir temas como esse. Este filme fala também àqueles que ainda não estão prontos para lidar com a diversidade.

 

Você tem grandes filmes no currículo, tanto na Itália – como O Último Beijo (2001), que é sensacional – como nos Estados Unidos – À Procura da Felicidade (2006) chegou a ser indicado ao Oscar. Como você escolhe cada novo projeto? É melhor filmar em casa ou no exterior?
Quando estou filmando, estou sempre feliz. Não importa, para mim, se é na Itália ou nos Estados Unidos, me sinto sempre como um peixe na água. Sobre Viagens e Amores foi pensado para ser mais leve, que refletisse um momento em nossas vidas em que estamos nos colocando nos braços da sociedade. Sei que é uma expressão muito poética, mas é isso mesmo que sinto. Queria trazer algo mais leve, honesto, e com um significado que todos nós pudéssemos reconhecer.

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Gabriele Muccino em entrevista de divulgação de Sobre Viagens e Amores

O que você achou de Um Beijo a Mais, a refilmagem norte-americana de O Último Beijo? E da sequência, Beije-me Outra Vez? Foi como você esperava?
A refilmagem aconteceu porque muita gente gostou do filme original, e, acima de tudo, porque tínhamos em mãos um roteiro fantástico, escrito por Paul Haggis, vencedor do Oscar por Crash: No Limite (2004). Então, era algo que acreditávamos. No entanto, durante o processo de transformar aquilo que estava escrito em filme as coisas começaram a se complicar. Bagunçaram a ordem das coisas, escolheram um elenco errado, que não tinham química entre si, e, pior, mudaram justamente elementos que foram responsáveis por fazer de O Último Beijo o sucesso que foi. Os personagens, as motivações que os uniam, tudo isso se perdeu no remake. Já a sequência tinha grandes possibilidades, afinal todos os atores do primeiro capítulo estavam de volta. Mas fazer a continuação de um filme que havia dado tão certo nunca é fácil. Serviu para completarmos o arco desses personagens, mas erramos ao escrever um roteiro que procurava agradar a todos, e esse não é o jeito correto de se pensar. A trama era muito horizontal, enquanto que o anterior era mais na vertical. Isso não ajudou a chegar no coração da história. Mas eu queria fazer o filme, e aprendi a lição. Se algum dia eu for fazer uma nova sequência, vou me segurar nisso, sabendo que o importante é agradar a mim mesmo, e não aos atores. Foi uma experiência válida, mas da qual não guardo grandes memórias.

 

Stefano Accorsi e Will Smith parecem ser teus atores favoritos. Como foi trabalhar com cada um deles?
Fantástico, não poderia ser diferente. Ambos são grandes atores, verdadeiros profissionais. Trabalham duro, são espertos e é sempre um prazer estar ao lado deles. Mas já trabalhei com outros ótimos atores, como o Russell Crowe, por exemplo, em Pais e Filhas (2015). Sempre tive muita sorte neste quesito. O Will Smith é fantástico, acho que formamos um bom time nos dois filmes que fizemos juntos. Já o Accorsi é um amigo, quero fazer mais um filme com ele em breve. Tem um tema que vamos explorar juntos, uma história que estamos discutindo, que combina, inclusive, com sua vida pessoal. É mais ou menos sobre o que pensávamos da vida, sobre o futuro, e o que resultou de tudo isso.

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Muccino (ao centro) com o elenco de Sobre Viagens e Amores no Festival de Veneza

Já os protagonistas de Sobre Viagens e Amores, Brando Pacitto, Joseph Haro, Taylor Frey e Matilda Lutz, são verdadeiras revelações. Como você os encontrou?
Testes, como acontece na maioria das vezes. Não conhecia nenhum deles. Muitos mandaram fitas para o meu escritório, penso que é a maneira mais justa de se escolher atores. Tivemos que assistir a todas essas gravações, foi um trabalho árduo, não vou mentir. Tinha muita gente, mais de 200 pessoas se candidataram. E estava procurando pela química entre eles, e isso nunca é fácil de se encontrar. Haviam muitos bons atores, mas era preciso ter esses dois casais que funcionassem não apenas entre si, mas uns com os outros. Entre os dois e entre os quatro, entende? Certas coisas não podem ser recriadas, por melhor diretor que você seja. Temos que nos apegar ao que eles podem nos oferecer, e fazer o melhor a partir disso. Nenhum dos quatro se conhecia antes das filmagens, mas traziam cada um algo de diferente, e foram, sem dúvida alguma, as melhores opções que poderíamos ter encontrado.

 

Você já esteve no Brasil? Conhece o cinema brasileiro?
Não, nunca estive. É algo até triste de se confessar. Tenho amigos no Rio de Janeiro, em São Paulo, vivem me convidando, tenho um desejo antigo de visitá-los, mas nunca aconteceu de casar a agenda. É um país que desejo muito um dia conhecer. Do cinema brasileiro, creio que conheço pouca coisa. Lembro, claro, de Cidade de Deus (2002), que é um filme fantástico. Já está meio velho, acredito, mais de dez anos, mas foi muito marcante. Tem outro mais recente, não sei ao certo se é, de fato, brasileiro, mas com certeza se passa no Brasil, que é o Trash: A Esperança vem do Lixo (2014). Gostei muito desse, não tanto quanto Cidade de Deus, mas ainda assim achei muito bom. Mas é pouco, muito pouco. Tenho que conhecer mais.

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Muccino (ao centro) nos bastidores das filmagens de Sobre Viagens e Amores

Sobre Viagens e Amores está chegando agora aos cinemas brasileiros. O filme já foi exibido em outros países além da Itália? Quais suas expectativas aqui no Brasil?
É o primeiro país onde o filme será exibido depois da Itália. Ele já foi vendido também para a França, mas ainda não estreou por lá. Está começando agora a fazer sua carreira internacional. Queria ter uma ideia de como o espectador brasileiro irá reagir ao filme, mas não sei o que dizer. Espero, primeiro, que o público descubra o filme e vá vê-lo. Acho fantástica essa oportunidade de estar em contato com os brasileiros, e torço para que se identifiquem com os personagens. Outros filmes meus já viajaram por todo o mundo, e sempre somos surpreendidos. O Último Beijo, por exemplo, lembro que foi um grande sucesso na Argentina! Foi uma grande surpresa, e isso sempre é muito bom. Então, o que importa, primeiro, é ser descoberto. Espero que as pessoas queiram ver o filme, e pelas razões certas. Assumindo que queiram ver meu filme, já terei cumprido minha missão e ficarei muito feliz, é claro!

(Entrevista feita via Skype com o diretor direto de Roma em maio de 2017)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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