Rômulo Braga é um cara tão querido, que já entrou na lista dos confirmados aqui do Papo de Cinema. Nós já o entrevistamos diversas vezes aqui para o site, ele foi um dos nossos convidados da série de “lives da pandemia”, entre 2020 e 2021, e toda vez que o encontramos em festivais ou sets de filmagens, a parceria se renova em genuína alegria e respeito, de ambas as partes. E agora que ele está com novo filme na praça, não seria diferente. Com a estreia recente de Sol, drama familiar pelo qual ele foi premiado como Melhor Ator no Festival do Rio, Rômulo volta às telas como um homem tentando se reconectar tanto com o pai, que há anos não encontra, como também com a própria filha, de quem vive afastado. No meio dessas relações em reconstrução, o interior de um Brasil imenso a ser descoberto. Confira!
Rômulo, quando foram as filmagens de Sol?
Então, foi em novembro de 2019, poucos meses antes do início da pandemia. Foi uma loucura esse período. Fiquei, para você ter uma ideia, exatamente um ano e meio sem trabalhar. Sem fazer nada. A minha parte nesse filme foi toda realizada antes da pandemia, só precisaram de mim para algumas dublagens. Esses áudios mandei pelo celular mesmo, acredita? Tudo muito simples. Apenas algumas correções de texto. O técnico de som encontrou um jeito que acabou funcionando.
Fala sobre esse processo de espera e como tá sendo acompanhar o lançamento do filme agora, tanto tempo depois?
O curioso em relação a isso é que, durante esse período, se deu o processo de montagem de Sol, como seria normalmente. Então, para eles, imagino que não tenha tido tanta dificuldade, pois era um ou dois montadores, mais a diretora, e ficaram na ilha de edição, sem grandes interferências. Eles seguiram trabalhando como se nada tivesse acontecido. Tanto que o filme acabou estreando em 2021, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Foi uma loucura. Poder voltar a uma sala de cinema e assistir a um filme após essa espera toda, foi um alívio. Parecia que estávamos em uma outra era. Só que, se não fosse esse caos pelo qual o mundo passou, se levou o que já seria normal para se fazer um filme, coisa de um a dois anos até estar pronto.
A pandemia que causou essa sensação, como se fosse algo muito maior.
Parece que foi muito mais. Tudo foi dilatado, de modo impressionante. Então, rolou uma efusão maior na hora da estreia. Eu estava hipernervoso, ansioso. Não conseguia nem conversar com as pessoas. Me chamaram para dar uma entrevista antes da sessão e não conseguia falar, só gaguejava. Completamente descontrolado, emocionado.
Bom, imagino que tenha sido um reflexo daquele momento específico. Ou foi esse personagem que provocou tal reação?
Acho que uma coisa completa a outra. A situação da pandemia potencializou essas outras questões que já são do Rômulo, sabe? O Rômulo é um cara mais tímido, mais reservado. Nos holofotes, quando estou diante do público, fico, de fato, intimidado. Mas acabo fazendo a função, afinal, faz parte do trabalho. Só que, com a pandemia, me vi ainda mais voltado para mim. Como se esses sentimentos que conheço há muito tempo tivessem aumentado de tamanho.
Nós fizemos uma live, aqui no Papo de Cinema, contigo, durante a pandemia, e lembro de você comentar a respeito desse sentimento e o quão difícil esse momento estava sendo.
Essa conversa que tivemos foi muito importante. Sabe, revi aquela nossa entrevista umas duas ou três vezes depois para tentar entender como eu estava me posicionando no mundo, no meu mundo, naquele momento. Me ajudou muito, até para me dar um norte.
Quem é o Theo e o que te atraiu nesse personagem?
Acho que é a questão central do filme. Esse homem, esse ser humano do gênero masculino, com uma posição social privilegiada, mas que, de repente, se vê em uma posição de questionamento e fragilidade. Justamente por causa de uma filha e de um pai. Esse homem que se vê rachado nessa situação. Ele tem todas as condições de exercer o pátrio poder social, mas se vê fissurado justamente por estar no centro desse contexto. Nesse paradoxo, o que mais o fortalece é também o que mais o enfraquece. E tem que ser assim para que ele possa se regenerar e ressurgir, como uma fênix, de uma maneira muito melhor, mais compreensiva, mais interessante.
Ao assistir ao Sol, lembrei de outros filmes recentes teus, como Valentina (2020) ou Carvão (2022), e como todos acabam girando sobre o mesmo assunto: a família. O quanto essa questão é importante para ti?
São chamados, né? Tenho, obviamente, as minhas questões familiares, assim como todos nós temos. Mas o que mais me desperta a atenção é que filmes sobre famílias continuam sendo filmados. Ou seja, é um assunto importante para todo mundo, e de maneiras diferentes. Você citou três filmes, e tem ainda O Rio do Desejo (2022), do Sergio Machado, que também é, de alguma maneira, familiar. E são quatro recortes diferentes e quatro personagens distintos sobre as questões familiares. Acho que isso é o mais interessante, essa profusão de personagens, e reflexões, e pensamentos, e questionamentos sobre recortes familiares. Talvez a gente esteja, mesmo, à beira de uma revolução a respeito dos posicionamentos familiares, sobre o nosso conservadorismo brasileiro. Principalmente a posição masculina, que tem sido colocada muito em cheque. A importância real dela nesse amálgama familiar.
Muito da atuação se dá também pelos parceiros de cena. Em Sol, no entanto, você tinha ao seu lado uma estreante e um veterano que passa a maior parte do tempo mudo. Como foi lidar com essas limitações?
Foi um desafio intenso, mas gratificante. O Everaldo Pontes é queridíssimo, sou fã dele desde o Piolim, o grupo de teatro lá da Paraíba. É um cara foda, maravilhoso, e incensadíssimo no nosso métier. Só que tem uma coisa engraçada: ele fala muito, e fala muito bem, e fala o tempo inteiro! Em cena podia estar mudo, mas antes, já havia falado um monte. Até o momento da “ação”, tinha ouvido bastante do Everaldo. Quando a gente entrava para trocar, sabia tudo o que ele pensava daquela cena e como a gente deveria fazer. Já tinha me dado a letra, entende? E a Malu Landim foi um presente. Pode ser uma estreante, mas é uma menina que vem com uma grande força, com esse DNA da presença. Traz consigo uma potência que não anula. Pelo contrário, ajuda na construção. Quando olhava para ela, me sentia alimentado. Tinha uma solidez na postura dela em cena que me deixava impressionado. Tá me trazendo alguma coisa, algum conflito, alguma dificuldade, e tudo contribuía para a cena. Se não ajudasse, talvez ficasse meio desesperado. Afinal, teria que construir outro caminho. Era meu dever ter que lidar com aquele olhar, com aquele outro corpo ao meu lado. Mas com ela isso não acontecia, pois tudo que trazia para mim me alimentava. As dificuldades, portanto, eram normais de um trabalho, de estar doze horas num set, do cansaço, do ponto emocional do personagem, e por aí vai. Mas, quanto à parceria dos dois, só acrescentaram, o tempo inteiro.
Sol é dirigido pela Lô Politi. Como foi esse trabalho com ela e qual a importância de contar com uma mulher na direção?
Tem muita diferença ser dirigido por uma mulher. Óbvio que tem. Afinal, por mais que os diretores homens estejam tentando se reorganizar no pensamento, sobre o posicionamento masculino social, ainda mais dentro do filtro de um personagem, o olhar feminino é ancestral. Vem de dois mil anos sobre essa postura. O que elas tem para contar e questionar é muito mais potente e desafiador do que nós, homens, temos. Muda muito. Mesmo o olhar masculino sensível, doce, questionador, reflexivo, ainda assim é, de alguma maneira, um pouco violento (ou muito violento). E o feminino, por mais agressivo, aguerrido, assertivo que seja, não sinto essa violência. É um negócio interessante como a mulher quer desconstruir e construir, propor novas coisas e pensamentos em relação ao homem. A mulher traz uma tentativa de equilíbrio, de ponderação. Posso estar equivocado, não tem problema. Mas, de uma maneira breve, é o que sinto. A Lo é assim, uma parceira de papo reto, vai direto ao ponto, não faz curva e sabe o que quer e como ouvir a proposta, seja subjetiva ou objetiva, do elenco.
Por Sol você ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival do Rio. Como vê esse tipo de reconhecimento e tem percebido a recepção do público e da crítica?
Confesso que sou meio desligado. Não li muitas críticas ao filme, admito. Na verdade, não li nenhuma. A Lo me mandou uma ou duas, dei uma olhada por cima, mas não me detive aos detalhes. Eu vi o filme uma vez, gostei, fiz as minhas críticas pessoais, da minha atuação, o que acho que poderia melhorar. O prêmio no Rio foi uma surpresa, não esperava mesmo. Não achei que pudesse acontecer, afinal, estava concorrido. Tinha gente foda nos outros filmes, com trabalhos incríveis. Fiquei surpreso. Estava em São Paulo quando a Lo me ligou e disse: “corre e vem pra cá, acho que vai rolar”. Mas, mesmo assim, não dei atenção, pois tinha que filmar no outro dia. Tava no meio das gravações do Rota 66 (2022), nem pensei em me ausentar. Precisava me concentrar. E, se não rolasse, seria uma frustração imensa, ia ser ainda pior. Quando veio a confirmação, porém, ela me ligou, na hora da premiação, e agradeci pelo telefone. Foi maravilhoso, bom demais!
(Entrevista feita via zoom em novembro de 2022)