Independente do que aconteça em sua carreira, Dominga Sotomayor já entrou para a história como a primeira mulher a ser premiada na categoria de melhor direção no Festival de Locarno, em 72 anos de evento. A consagração veio graças ao trabalho no drama chileno Tarde para Morrer Jovem, no qual acompanha adultos, crianças e adolescentes que vivem à margem das grandes cidades, em uma localidade em plena floresta onde não há eletricidade. Neste ambiente, é preciso lidar com a ansiedade em crescer e os efeitos decorrentes do primeiro amor.
O Papo de Cinema conversou com a diretora sobre seu novo filme, que estreia em 27 de fevereiro nos cinemas brasileiros. Confira!
A ambientação de Tarde para Morrer Jovem é bastante interessante, especialmente pela divisão existente entre adultos, crianças e adolescentes. Por mais que todos morem juntos, há uma distância de convívio entre eles como se pertencessem a grupos distintos, que pouco se relacionam com os demais. Como foi lidar com esta proximidade física e distância emocional, dentro das características desta história?
É curiosa esta pergunta, pois sinto que as barreiras entre gerações não são tão claras. Por exemplo, nesta comunidade não há paredes nas casas, então as crianças ficam muito expostas. Queria fazer um filme com o olhar de um adolescente, mas com camadas distintas, de acordo com o que vivi em uma comunidade como esta. É claro que, em certos momentos, a forma como me relacionava com o espaço era bem diferente. Para as crianças há a ilusão deste lugar, tudo é muito incrível e há contato com a natureza. Os adolescentes querem sair daquele lugar, enquanto os adultos entendem melhor a situação e o que significava esta vida. Estava interessada em observar a distância existente entre gerações, o que também se refletiu na trilha sonora.
Tarde para Morrer Jovem é situado em 1990, ano em que terminou a ditadura militar no Chile, mas é bastante sutil sobre este fato. A questão política não surge de forma escancarada, apenas através de simbologias. Como você vê este diálogo, entre a história baseada nas suas experiências e o momento político que o país vivia?
Para mim, este é um filme sobre transições. Não apenas pelos jovens que são protagonistas, mas também por uma segunda camada envolvendo o Chile, que era um país na adolescência que precisava aprender a viver tanto com a dor do passado quanto com a nova liberdade. Sinto que aí havia uma conexão com estes personagens, pelo lado da ilusão. Era como a ilusão da democracia, mas construída em uma estrutura muito desigual e frágil. Queria fazer um filme em que a política ficava ausente, mas que seria inspirado por este processo.
Gosto quando o cinema é situado em um tempo indefinido e em um lugar pouco claro. Além disto, eu vivi assim. Quando a ditadura acabou, ninguém queria falar de política. Queria que o filme retratasse esta experiência. Mais do que documentar eventos políticos, queria retratar emoções e o que estava à margem deste processo histórico. O maior desafio era capturar este estado coletivo em um filme onde há alguns protagonistas, ressaltando este lado da transformação e da nostalgia.
Desde o início pode-se notar a sensualidade latente de Sofia (Demian Hernández), seja com Lucas (Antar Machado) ou Ignacio (Matías Oviedo), em um tema sempre delicado como a iniciação sexual. Como foi trabalhar esta questão em uma ambientação tão particular?
Quando comecei a pensar neste filme, o via como a conexão entre a morte decorrente da transformação e a sensação de estar apaixonado pela primeira vez. Esta foi minha motivação para escrever o roteiro. Para Sofia, a iniciação sexual é uma espécie de morte também, da sua infância. Não queria fazer um filme convencional do gênero e por isso era tão importante a ambientação, envolvendo Sofia e os demais personagens. A iniciação sexual fazia parte desta ilusão, em crescer, em sair daquele lugar, em lidar com o impossível. Sinto que o desfecho tem a ver com uma maior valorização daquele lugar e do que é mais real.
Seria possível comparar este processo da iniciação sexual com a própria redescoberta do Chile com a democracia, após tantas décadas?
Sim, queria ressaltar esta dupla camada da passagem da adolescência para a vida adulta. As crianças querendo ser adolescentes, os adolescentes querendo ser adultos, com o pano de fundo envolvendo a transição no Chile e a necessidade em lidar com o que aconteceu, em um ambiente sem estrutura. De certa forma, o momento atual no Chile se espelha um pouco no filme, no sentido da perda da ilusão. Havia esta ideia luminosa da democracia mas não era real, pois foi construída sob muita injustiça e com pouca dignidade. Crescemos com esta ilusão da democracia, mas parece que estamos em outro tipo de ditadura, do neoliberalismo e do dinheiro.
Um ponto interessante é como o filme insere o cigarro como elemento narrativo, seja para conter a ansiedade de Sofia ou mesmo como elo de transição para o amadurecimento. É claro que este é um filme situado em 1990, mas isto também chama a atenção porque, hoje em dia, mal se vê o cigarro no cinema contemporâneo, ele foi praticamente banido.
É louco, pois a meu ver tem esta sensação de sentir-se adulto quando jovem. Sempre pensava nisso, é como se fosse a vontade de crescer mesclado com o perigo, ainda mais no meio de uma floresta. Pensava neste filme como um acúmulo de tensões decorrentes da espera pelo impossível, até a explosão no desfecho. Não dá para dizer que o cigarro seja a causa, mas sua presença ronda aquele ambiente. E, claro, o cigarro é muito característico dos anos 90.
Você foi a primeira mulher a ganhar o prêmio de melhor direção no Festival de Locarno. A participação das mulheres em longa-metragens tem sido muito discutido, inclusive o Oscar deste ano foi muito questionado por não ter uma mulher entre os indicados desta categoria. Como você vê a presença feminina na direção de longas no cinema chileno?
Na verdade, há bastante diretoras no cinema chileno. O que me parece é que elas são bastante importantes no cinema autoral, no cinema comercial há uma maior dificuldade na presença de mulheres. Tenho uma boa experiência e várias amigas que admiro muito. Mas isto é algo claramente recente, também ao redor do mundo. Não gosto de pensar em cinema com algo de gênero, me sinto diretora antes de ser uma mulher dirigindo. Precisamos ficar atentos para apoiar a diversidade e todo tipo de cinema.