Um dos nomes mais influentes do cinema mineiro contemporâneo, André Novais Oliveira tem uma carreira relativamente recente – seu primeiro curta, Fantasmas (2010), foi lançado há menos de uma década. Mesmo assim, tem sido presença constante em festivais, mostras e programações culturais de destaque por todo o país. Premiado em Cannes, Buenos Aires, Lisboa, Brasília, Curitiba e Recife, entre tantos outros lugares, ele chega agora ao seu segundo longa-metragem, o drama Temporada, que passou pela capital federal em 2018 e de lá saiu com cinco candangos, entre eles os de Melhor Filme e o de Melhor Atriz, para a protagonista Grace Passô. O Papo de Cinema estava no mesmo evento, e aproveitou para conversar com o cineasta, que falou sobre o seu processo de criação, como é trabalhar em família e o que Temporada significa de avanço na sua forma de fazer cinema. Confira!
Olá, André. Grace Passô é, provavelmente, a primeira atriz profissional a estrelar um filme seu. Como chegaste ao nome dela?
A Grace foi indicada para a Filmes de Plástico, nossa produtora, pelo Adilson Marcelino, que é um crítico e pesquisador do cinema brasileiro de Belo Horizonte. Ele já conhecia o trabalho dela há muito tempo. Alguns de nós, inclusive, tinham até visto peças dela, sabíamos quem era, só que nunca havíamos feito essa conexão, da possibilidade de trabalhar com ela. E tinha tudo a ver, tanto pelo físico como pelas ideias. A Grace, antes do Temporada, filmou o novo longa do Gabriel Martins e do Maurilio Martins, que vai se chamar No Coração do Mundo, que agora se encontra em finalização e deve estrear em 2019. Quando a vi em cena, desde o primeiro ensaio, fiquei impressionado. Na mesma época estava escrevendo o roteiro, mudando algumas coisas, e foi quando veio a ideia de chamá-la para ser a protagonista. No entanto, sobre a formação de elenco, não vejo diferença. O Temporada, assim como meus outros filmes, tem essa questão de usar não-atores, ou melhor dizendo, atores não profissionais, ao lado de outros mais experientes. Isso é uma constante na nossa produtora, não apenas para mim. Só que, entre essas duas classificações, entre atores profissionais e não profissionais, existem também atores profissionais com e sem experiência, e atores não profissionais com e sem experiência também – incluindo, aí, a minha família. Eles tinham trabalhado em outros filmes, sabiam com funciona um set de filmagens, mesmo que nunca tenham pensado nisso como uma profissão.
O que mudou na dinâmica de trabalho com o elenco ter um nome como o de Grace Passô por perto?
Mudou, principalmente no sentido que Temporada tem mais gente no elenco. Deu mais vontade de testar, de ensaiar. No Ela Volta na Quinta (2015), por exemplo, não fizemos tantos ensaios. Era tudo meio que na hora, sem muito preparo. Mais familiar, mesmo. Dessa vez, até gravamos os ensaios. Ainda não foram tantos como seria ideal, mas foi um progresso em relação ao meu longa anterior.
E o resultado te deixou satisfeito? Acredita, agora, que é esse o caminho a ser seguido nos teus trabalhos?
É, sim. Tem uma coisa que envolve a Grace e outros atores profissionais que estão no filme que é isso de estar em cena todos com o mesmo tom. Tem um pouco a questão da naturalidade, do naturalismo em si, mas também os tempos de atuação que vem do teatro, mesmo. Cada um tem o seu ritmo.
O Temporada é um filme muito feminino. Como foi assumir esse discurso?
Isso começou a partir da escolha de uma protagonista feminina. Dentro da Filmes de Plástico é uma vontade que surgiu de forma bastante natural. Em outros trabalhos também temos personagens femininos – o próprio Ela Volta na Quinta, querendo ou não, tinha a minha mãe como protagonista! Ou seja, é uma constante da nossa parte. Mas, também, há um certo cuidado de como fazer esse retrato. Buscamos um olhar feminino também atrás das câmeras – a nossa diretora de fotografia, por exemplo, é uma mulher, a Wilssa Esser. A assistente de direção também. Ficamos todos muito unidos. Essa preocupação vinha desde o roteiro, estávamos sempre perguntando, curiosos se determinada situação seria mesmo daquele jeito. Essa coisa de estar atento e disposto a ouvir. Passamos o roteiro, depois de pronto, para que muita gente próxima, inclusive muitas mulheres, o lessem e dessem suas opiniões, para irmos incorporando na história a cada nova versão.
Você é aberto a improvisos no set? Enquanto diretor, é mais como um observador ou interfere diretamente no andamento das ações?
Ah, isso é algo que também vem dos outros filmes. Essa coisa de deixar a cena andar com um plano mais estático, talvez mais aberto, sem tanta interferência, em alguns casos. Nesse filme tem muito isso. Os improvisos surgiram, basicamente, durante os ensaios. Na hora de filmar eles até apareciam, vez que outra, mas em menor número. Mas estava sempre aberto.
Como você sabe a hora de cortar, de encerrar esse processo dos atores em cada cena?
O Temporada, em relação ao Ela Volta na Quinta, tem uma diferença, pois queria um filme um pouco mais controlado, em termos de cenas e de diálogos. Não haviam muitos casos em que as conversas se prolongavam além do esperado. Era dentro do que havia sido combinado previamente. Mas cada cena é um caso à parte. E tem também o momento da montagem. Vários diálogos que estavam bem maiores acabaram sendo reduzidos, outros foram cortados por completo. E ainda bem que tínhamos tempo de corte, para poder jogar desse jeito.
Mas isso ocorreu em nome dessa vontade em ter um filme mais preciso?
Sim, exatamente. Deixei um pouco solto ainda, pois de outra forma não seria eu. Mas não muito. Foi mais controlado, com certeza. Era esse o objetivo.
Uma coisa que chama atenção é o uso da trilha sonora, com canções que fogem do óbvio. Como foram essas escolhas?
Desde a filmagem, tinha uma ideia – e não sei de onde veio – que queria uma trilha com clarinete. Não sabia muito bem como seria. Mas, no meio da montagem, até para vermos como o filme estava andando até aquele ponto, comecei a imaginar uma trilha, ainda básica, mas que servisse de referência para aquela que fosse ser feita depois. E foi simples: fui no youtube e procurei por clarinete. Apareceram várias músicas, peças clássicas, e duas acabamos aproveitando no filme, que pegamos de vídeos do youtube: uma do Bach e outra que agora esqueci de quem é. No meio disso, entrou o Pedro Santiago, que é de São Paulo, e já tinha trabalhado conosco. Ele que fez a trilha original, tendo sempre em mente essa minha vontade de contar com o clarinete.
Mas o que o filme quer dizer através dessas músicas?
A música que começa o filme, que depois se repete mais no meio – que, nos créditos, chamamos simplesmente de ‘música divertida’ (risos) – vejo muito como algo coletivo. Tem cenas de filmes da Disney que indicam mudança, deslocamentos de animais. Tã-tã-tã-Tã… sabe? Imaginei um coisa desse tipo. Porém, de forma mais consciente, o que queria com a trilha do Pedro Santiago é que esses momentos apontassem para uma mudança na vida da Juliana, mas de forma sutil. Tem a trilha que entra na hora do corte de cabelo dela, ou quando surge algo meio onírico, dos fumaceiros do combate à dengue. Está sempre acompanhando esses passos.
Temporada saiu com cinco candangos do Festival de Brasília, inclusive com o de Melhor Filme. Foi uma consagração, certo?
Nossa, foi muita felicidade. Tenho uma admiração muito grande por esse festival. Sou formado em História, não sei se você sabe, e estudei muito a história do cinema brasileiro. E ficar ao lado de tantos realizadores e artistas que passaram por Brasília é uma emoção muito grande. Um pessoal que admiro muito. Foi muito doido. Dá uma coisa forte no peito, quase como se fosse um sonho.
O que o título Temporada quer dizer?
É essa questão de tempo, de mudança. De talvez pensar que esse momento da vida que ela está passando é apenas por um instante, só por uma temporada. Podem surgir mais coisas depois daquilo tudo, e serem diferentes do que ela imaginava. É algo temporal, mesmo.
O filme é dedicado a tua mãe, e ela faz uma participação singela, a última antes de falecer. Como foi lidar com essa questão em cena?
No início, fiquei pensando em chamar a minha família. Veio uma dúvida, mas, durante o casting, me dei conta que teria que ser eles mesmos. O Thiago Macêdo Correia, que é produtor, insistiu muito em tê-los conosco – principalmente a minha mãe. Isso me deixou relaxado com essa decisão, e também feliz. A relação da minha mãe, do meu pai, do meu irmão, com isso tudo, é muito louca. Falam muito da minha mãe, mas meu pai e irmão também estiveram em outros filmes meus. Se for colocar no currículo, o meu irmão já deve estar em mais de 20 produções diferentes, e não só assinadas por mim, mas de diretores diferentes. Dá um orgulho danado. Agora, estar no set e ver minha mãe contracenando com a Grace Passô, foi muito doido. A cena foi muito bonita. E acabou que adquiriu, depois, um significado diferente. Parece que a Grace tá emocionada pelo que viria a acontecer depois na vida real. É uma presença meio ausência, ela tá no ambiente, mas no cômodo ao lado, só ouvimos sua voz. E o texto da Grace, quando está conversando com a prima, diz que “perder mãe é algo muito difícil”. O filme, meio que inconsciente, acaba fazendo esse comentário.
(Entrevista feita ao vivo em Brasília em setembro de 2018)
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