Melissa George é uma das grandes atrizes australianas a ter um espaço cativo na Hollywood atual. Com uma carreira de quase três décadas, já trabalhou sob o comando de nomes como David Lynch, Steven Soderbergh, Damien Chazelle e David Slade, participou de séries como Friends (2003), Alias (2003-2005), Grey’s Anatomy (2008-2009) e The Good Wife (2013-2014) e recebeu indicações ao Globo de Ouro, Australian Film Institute e Círculo dos Críticos de Cinema Australianos. Agora, pode ser vista em casa, no papel de Margot Fox, uma das protagonistas da série The Mosquito Coast, cuja segunda temporada acabou de estrear na plataforma AppleTV+, em episódios semanais. O programa é baseado no livro homônimo de Paul Theroux, que havia sido adaptado antes no filme A Costa do Mosquito (1986). O Papo de Cinema teve acesso antecipado a todos os dez capítulos desse novo ano, e teve a oportunidade de conversar com a artista sobre as mudanças de sua personagem, o que esperar das revelações que irão afetar o rumo da trama e até sobre sua relação com o Brasil. Confira!
Olá, Melissa. Quero começar essa conversa com uma curiosidade. Você já esteve no Brasil, certo?
Sim, é verdade (abre um sorriso). Estive em lugares absurdamente lindos do seu país. Um verdadeiro paraíso.
É verdade que você sabe falar português?
Então, tive algumas aulas para aprender português por causa de um filme que fiz (Turistas, 2006). Foi algo divertido, me aventurei um pouco para tentar entender essa sua língua que é tão linda.
Você entende o que eu falo (falando em português)?
Ah… um pouco (em português) (risos). Eu sei falar “gatinha” (em português essa última palavra apenas). Tudo bem, tudo ótimo (também em português).
Estive em Lençóis, na Bahia, certa vez, de férias. Vocês filmaram naquela região, não é mesmo?
Nossa, só de lembrar fico com água na boca. A comida por lá é muito boa.
Mas moro distante, em Porto Alegre, no sul do Brasil, próximo do Argentina e do Uruguai.
Você sabia que morei durante alguns anos na Argentina? É um lugar encantador, mas frio, se comparado com Lençóis. Por lá tudo é deslumbrante.
Bom, e que tal falarmos um pouco sobre The Mosquito Coast?
Ok, se você quiser (risos).
É por isso que estamos aqui, afinal. Você havia lido o livro ou visto o filme antes de ser convidada para a série?
Sabia pouco a respeito. Quando fui convidada para o programa, recebi o roteiro do primeiro episódio e li de uma só vez. Minha primeira impressão foi: “preciso fazer parte disso”. Só não fazia ideia de como ia convencer os produtores de que era a pessoa certa para o papel. Lembro, apenas, de ficar pensando: “nossa, The Mosquito Coast, que nome bacana”. Tempos depois, estava jantando com amigos em Paris, e comentei sobre o projeto, quando um deles me respondeu: “ah, uma versão do filme com Harrison Ford? O livro também é incrível”. E fiquei de queixo caído, pois nunca tinha ouvido falar a respeito. Paul Theroux, o autor, me deu uma cópia autografada da primeira edição, mas confesso que ainda não li. Mas lerei (risos). Acho que primeiro preciso dar adeus à Margot. Quando esse for um capítulo encerrado na minha vida, aí, sim, estarei pronta para lê-lo.
E não é apenas “o filme com Harrison Ford”, mas também “o filme com Helen Mirren”. Como tem sido interpretar essa mesma personagem?
Não penso como se a estivesse substituindo, sabe? Afinal, como substituir Helen Mirren, ela é uma das maiores de todos os tempos! Mas acho que tenho oferecido um toque pessoal à minha Margot. Ela, na série, é mais protagonista, é uma força condutora da história. Não faria sentido copiar algo do filme, portanto. São abordagens distintas. Tive a oportunidade de recriá-la desde o começo.
A primeira temporada termina com uma grande dúvida a respeito do drama dessa família: qual dos pais seria o responsável por estarem em fuga? Como a segunda temporada lida com essa questão?
A boa notícia é que começamos a segunda temporada respondendo porque a família está fugindo. Era exatamente isso o que queríamos, não havia porque enrolar com essa história. Era importante, na primeira temporada, manter esse mistério, até para ditar o tom da narrativa, ir aos poucos descobrindo que por trás de uma família tão amorosa havia problemas que precisavam ser enfrentados. Por quê deixaram tudo para trás? O que fizeram? Para onde estão indo? Uma vez que isso está posto, gosto da ideia de que a segunda temporada começa explicando o que aconteceu, pois a dúvida agora é mostrar como ela irá tirar sua família dessa situação.
Algo que se percebe nessa nova temporada é que Margot está ainda mais próxima dos filhos. No segundo episódio há uma conversa muito bonita entre ela e o filho, e no quinto capítulo, se não me engano, ela e a filha tem um forte acerto de contas. Como você vê essas relações?
Penso que, a partir das revelações do primeiro episódio, haviam dois caminhos possíveis: ou essa família se partia de vez, ou tudo o que foi dito a deixaria ainda mais unida. É sobre finalmente contar a verdade, algo que foi escondido por mais de uma década, que também os liberta. Sabe, uma vez que tudo é revelado, você pode aceitar ou não, mas não tem como voltar atrás. É isso a aproxima dos filhos. Adorei nessa segunda temporada explorar essa conexão da Margot com suas crianças. Ela pode ser a mãe deles, mas também comete erros. Conheci tanto a Logan como o Gabriel durante a mesa de leitura da primeira temporada, e hoje são os meus bebês. Só que cresceram muito! Ficamos um ano afastados entre as filmagens da primeira e da segunda temporada, e reencontrá-los tão maiores foi um susto!
Falando do elenco, você e Justin Theroux estiveram juntos em Cidade dos Sonhos (2001), que é um dos melhores filmes de todos os tempos. Como se deu esse reencontro agora em The Mosquito Coast?
Verdade, Cidade dos Sonhos é maravilhoso. Um filme que me dá orgulho ter participado, mesmo que num papel tão pequeno. Era o começo da minha carreira. Justin, no filme, diz aquela frase icônica pra mim: “é essa a garota”. Isso ficou marcado. Desde então, cheguei a encontrar com ele uma ou duas vezes em Nova York, mas foram momentos passageiros. Quando ele assumiu como protagonista masculino da série, foi quem teve a ideia de me chamar. Porém, fiquei com medo: “nem vou me candidatar, pois vá que não seja aceita”. Isso é tão errado, mas é uma insegurança que bate às vezes. Porém, deixou uma mensagem de voz no meu telefone, que acabei não vendo, até que meu agente me ligou avisando que o Justin estava querendo falar comigo. “Você vai ser incrível como a Margot, precisa ler o roteiro, vai dar tudo certo”. Estava mais empolgado do que eu mesma (risos). Sabe, foi uma longa jornada desde “é essa a garota” até estarmos casados no meio da floresta, mas tem sido maravilhoso. A gente nunca sabe o que pode acontecer em duas décadas!
Falando sobre filmar na floresta, no sexto episódio a Margot tem que se esconder dentro de uma árvore podre, com insetos por todos os lados. Quais as maiores dificuldades que enfrentaram nessas gravações?
Tudo foi um grande desafio. Ir buscar um copo d’água poderia significar ter que atravessar um rio e sabe-se lá o que encontrar no caminho. Enfim, você viu as locações, a maneira como tudo foi filmado, é muito realista. A gente realmente viveu aquela realidade. Tudo era excitante, mas também arriscado. Passávamos dias embrenhados na floresta, foi cansativo. Lembro desse dia, quando pediram que simplesmente me jogasse dentro dessa árvore, e os bichos começam a subir pelas minhas costas. Não é algo que queira fazer de novo (risos). Mas me conheço, se tiver que ser, vou lá e faço. Depois é que vou me preocupar. Adoro esse tipo de coisa, afinal, é o que fazemos: nós brincamos o tempo todo. Essa é a nossa ocupação.
The Mosquito Coast é uma série da AppleTV+. Como tem sido trabalhar com essa nova player e o que acredita serem as prioridades entre as produções originais da plataforma?
Até então, só havia feito projetos para a televisão e cinema, é minha estreia no streaming. A primeira coisa que percebi, portanto, foi a liberdade que deram aos criadores do programa pra fazer do melhor jeito possível. Tinham tanta confiança no instinto inicial que os levaram a apostar na proposta da série, que permitiram assumir todos os riscos para que o melhor possível fosse alcançado. Adoro esse sentimento, de poder explorar todas os caminhos que nos são apresentados. Estive em séries anteriores que o modo de agir era completamente diferente, muito vertical, de baixo para cima, só ordens a serem cumpridas, sem ouvir a opinião de ninguém. O stress provocado pelos índices de audiência, sabe? Quantos intervalos comerciais, quais seriam os anunciantes. Tudo isso mata a criatividade. Veja bem, não sou uma mulher de negócios, apenas a atriz que interpreta a Margot. Mas não tem como perceber que essa nova estratégia tem dado certo e alcançado resultados incríveis. É emocionante fazer parte desse movimento.
The Mosquito Coast fala bastante sobre a questão ambiental. Esse assunto, por sua vez, esteve no centro do debate da campanha presidencial aqui no Brasil. Como você espera que o espectador brasileiro perceba a abordagem que vocês dão a esse tema na série?
Acredito que o mundo inteiro concorde que esta é uma discussão urgente e que não pode ser ignorada. Não importa se for no socialismo ou capitalismo, os governos precisam estar atentos ao meio-ambiente. Em como fazer as coisas. O que tornam os seres humanos tão especiais é que temos sentimentos, certo? Pensamentos, ideias. Podemos decidir como queremos que os nossos governantes se comportem, quem irá nos representar. Muita gente gostaria de ser apenas a raposa, pra fugir quando a discussão esquenta. Mas a questão é que, você pode até pensar que está livre, mas não importa para onde vá, não tem como escapar desse problema. É isso que torna o que discutimos na série tão importante.
Entrevista feita via zoom entre Brasil e Europa em 01° de novembro de 2022