Gustavo Steinberg é um profissional experiente de cinema. Co-roteirista e produtor de Cronicamente Inviável (2000), de Sérgio Bianchi, foi também co-roteirista de Cama de Gato (2002), de Alexandre Stockler. Em 2008, lançou seu primeiro longa-metragem de ficção nas condições de roteirista e diretor, O Fim da Linha. Com Tito e os Pássaros, no qual desempenha a função de produtor, roteirista (com Eduardo Benaim) e diretor (com Gabriel Bitar e André Catoto), ele estreia em grande estilo na seara da animação. O filme foi exibido no Festival de Annecy, considerado o maior do mundo na área, fez parte de uma lista preliminar de postulantes ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, e agora concorre ao Annie Awards, tido como o Oscar da animação, cuja entrega acontece no dia 2 de fevereiro (todos de dedos cruzados). Conversamos por telefone com Gustavo, que já estava a postos, em Los Angeles, se preparando para participar da festividade ao lado dos bambas da animação mundial. Confira, então, o nosso Papo de Cinema com Gustavo Steinberg sobre a realização de Tito e os Pássaros.

 

Gustavo, gostaria de começar falando sobre a filiação do filme ao expressionismo. Para vocês isso era basilar, estava no projeto desde o princípio ou surgiu no processo?
Depende do que você chama de gênese. O expressionismo não estava presente desde o começo. O Gabriel Bitar realizou essa pesquisa e aí chegamos à estética. Ao todo, o projeto demorou oito anos para ser finalizado, mas de produção diária foram três anos. Gabriel deu a ideia de usar o expressionismo e todos a adoramos, principalmente porque é a corrente estética que explorou o medo, surgida no pré-guerra. Além disso, há algo que funciona super bem do ponto de vista de produção, pois chegamos a um visual único com técnicas relativamente simples. Foi uma escolha acertada, que apareceu na fase da produção. Conseguimos dar conta de outra dificuldade, que na verdade era uma preocupação, a questão de mostrar o medo. Se trata de um filme sobre a cultura do medo, mas com foco no público infantil. Não podíamos colocar medo demais, pois senão afastaríamos as crianças. Havia esse dilema.  O expressionismo foi uma boa escolha por isso, pois confere a atmosfera densa e sombria, mas não afasta as crianças.

 

A trilha do Ruben Feffer e Gustavo Kurlat é importante para instaurar esse clima de pesadelo e temor. Como foi o trabalho com eles?
Nesse filme a trilha é realmente imprescindível. É a soma dos cenários expressionistas com a música que leva ao medo. Eu tinha visto o trabalho deles em O Menino e o Mundo (2013) e, claro, achei incrível. Fui conversar com o Ruben e o Gustavo, dizendo que queria uma coisa totalmente diferente. E eles arrasaram, traduzindo, de uma maneira muito bonita, esse clima do medo. Não sou músico, portanto não entendo isto direito, mas o Ruben e o Gustavo disseram que fizeram toda a trilha em cima de um compasso que gera desconforto, mesmo nos momentos felizes. Começamos a desenvolver a trilha sonora antes do roteiro fechado, antes de ter o visual definido.  Trabalhamos o animatic pautado pela trilha sonora. Lógico, no começo era só um tema, mas foi super importante, pois construímos o filme com a música já inclusa, em vários momentos com ela vindo antes de qualquer coisa.

 

Há uma dura crítica à mídia, especialmente à utilização do medo como combustível de negócios. Ela faz, inclusive, parte de uma vontade de ser universal?
Acho que esse é um dos nós centrais da cultura do medo. Está bem no centro da discussão que queríamos travar com crianças. E elas compreendem a questão. Acho que o filme consegue trazer essa discussão para o universo infantil. É um grande tópico, sem dúvida. Desestruturamos a mídia tradicional e ela está buscando formas de vender. E o medo vende como nenhum outro componente. Pena que ele está sendo utilizado como motor político e econômico. 

Como se deu a escolha das vozes originais?
Trabalhei com uma diretora de casting e identificamos em conjunto as vozes que consideramos ideais para cada personagem. Tivemos a felicidade de que todos com quem desejávamos trabalhar aceitaram o convite. Esses atores são incríveis, vide o trabalho da Denise Fraga, do Matheus Nachtergaele, do Mateus Solano e do Otávio Augusto. Quanto às crianças, fizemos uma campanha de casting maior, com muitos testes. Os de maior destaque foram levados ao estúdio, até que chegamos à escolha das crianças que trabalharam no filme. Uma curiosidade interessante: o Pedro Henrique, que empresta sua voz ao Tito, dublou ele próprio na versão em inglês.

 

Como você percebe o atual momento da animação no Brasil? Acredita que o reconhecimento internacional é imprescindível para que esse cenário se firme?
Estamos na curva ascendente de um processo que se iniciou anos atrás, com Uma História de Amor e Fúria (2013), depois veio O Menino e o Mundo. Na televisão, há um monte de séries. Existe bastante simpatia e muitos resultados positivos para a animação. Todavia, nem sempre essa simpatia é refletida em apoio financeiro. Não há linhas específicas de fomento. É meio curioso o atual momento. Esse é meu filme de maior expressão e, mesmo assim, a incógnita é grande. Se não houver reconhecimento internacional não há como afirmar o crescimento da área. Como produtor, uma grande aposta que tinha era a possibilidade de internacionalização, já que a animação é bem mais exportável. Cinema sem internacionalizar é muito difícil. Agora tenho orgulho de fazer parte de processo de construção de uma solidez da reputação da produção brasileira. Não dá mais para dizer que é sorte. 

Qual a sua expectativa para o Annie Awards?
Só de estar aqui já é incrível. Me perguntavam sobre a expectativa para o Oscar, mas eu sabia que seria difícil, pois estamos num ano com muitos filmes de estúdio que foram bem recebidos pela critica. Mas, apenas de estar aqui, ao lado desses gigantes, é uma honra absurda. O filme estreou nos Estados Unidos e logo vai chegar a várias outras cidades estadunidense, totalizando 18. Para o tipo de cinema que faço, não é pouca coisa.

(Entrevista concedida por telefone, numa ponte Rio de Janeiro/Los Angeles, em janeiro de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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