Hugo Bonemer é um dos atores mais versáteis de sua geração – e o mundo ainda precisa descobrir isso. Apresentador do Canal Like e consagrado no teatro musical, tendo passado por espetáculos de sucesso como Hair (2010), Rock in Rio: O Musical (2012) e Ayrton Senna: O Musical (2017), ele tem se destacado cada vez mais como dublador, marcando presença nas versões em português do oscarizado Bohemian Rhapsody (2018) e o aguardado 007: Sem Tempo Para Morrer (2021) – em ambos substituindo a voz do ator Rami Malek – ou na animação Trolls (2016), na qual vez as vezes de Justin Timberlake, não só nos diálogos, mas também nas canções. Pois agora, após passagens discretas em filmes como Confissões de Adolescente (2014) e Minha Fama de Mau (2018), ele está mais uma vez na tela grande, novamente como o pequeno Tronco, um dos protagonistas de Trolls 2 (2020)! E foi sobre esse retorno ao universo cantante e multicolorido que o artista conversou com exclusividade com a gente. Confira!
Olá, Hugo. Como foi voltar ao papel do Tronco?
Cara, foi divertido de mais. Estava com saudades, preciso confessar. Não sabíamos se teria um segundo filme, então, quando veio a notícia que a sequência estava confirmada, fiquei nas nuvens. Adorei fazer parte do primeiro, pois foi um projeto muito estruturado, com o selo de qualidade da Dreamworks, e este é um reconhecimento muito importante. Além disso, era também uma história muito pensada em espelhar o que rola no mundo no momento em que o filme é feito. Antenado com os acontecimentos mundiais, quero dizer. E isso tudo é colocado nos filmes. Essa parceria, da qual faz parte ainda a Universal, é claro, me motiva muito. E o resultado é isso que a gente pode ver nos cinemas agora, tudo colocado de forma poética e lúdica.
Quando conversamos, no lançamento do primeiro Trolls (2016), você comentou que era a sua estreia como dublador. De lá pra cá, fez outros trabalhos no gênero?
Então, continuei ligado nessas oportunidades, claro. A primeiro deu tão certo, por quê não seguiria investindo nisso, não é mesmo? Hoje tem dublado o Rami Malek ,desde o Bohemian Rhapsody (2018). No novo filme dele também estou lá, que até já era pra ter sido lançado, se não fosse a pandemia. É o 007: Sem Tempo Para Morrer (2021), o novo James Bond, no qual ele faz o vilão! Como pra dublar a gente acaba assistindo ao filme, posso dizer que fui um dos primeiros – e, até agora, únicos – brasileiros a ter visto esse filme, e tá incrível! Vi muitas vezes, aliás. É um filmaço, tenho certeza que vai ser um estouro.
Como você se sente quando é apenas a sua voz que está em destaque?
De uma maneira tranquila e prazerosa, me encontrei na dublagem, Considero que faz parte da minha lista de atribuições da profissão. Me sinto completamente à vontade. E faço de tudo, desde o “vozerio”, que são aquelas vozes difusas que estão na cena, lá no fundo, apenas compondo o cenário, até o protagonista. Tudo isso faz parte do dia a dia de dublador. Tenho feito bastante, e realmente curto muito cada novo convite que recebo. Nem sempre pegamos o personagem principal, então fazemos de tudo, pois cada um tem o seu valor.
O quão possível foi improvisar durante as gravações? Há um toque “brasileiro”, digamos, na versão dublada de Trolls 2?
Ah, tem sim. Bom tu falar sobre isso. O roteiro original passa por revisor, e o que chega pra gente é uma versão já pronta, digamos. Porém, às vezes, é possível encaixar um meme, uma coisa do nosso mundo, que tenha um significado especial. Uma palavra ou outra sempre muda. Na canção Who Let the Dogs Out, por exemplo, teve uma piada que sugeri e acabou ficando. É uma expressão, algo pequeno, mas que já dá esse “toque”, por assim dizer. Algo coloquial, próximo da molecada que vai assistir.
Vocês só recebem o roteiro quando o filme original já está pronto?
Exatamente. Já chega bastante afiado em nós. Percebe-se que estão antenados com o que está rolando. A dublagem, como qualquer outra área, está sempre se atualizando. Então tem muita brincadeira, memes que vão surgindo, pra falar a linguagem da internet. Uma coisa que descobri fazendo é que a dublagem tem uma responsabilidade grande de tentar trazer uma unidade ao idioma. Mas não opressor, forçando todo mundo a ficar igual, mas em trazer e valorizar os regionalismos, agregando essas diferenças. Um filme como esse, que vai ser visto no Brasil inteiro, queremos que todos sejam representados. Como vão assimilar? Sei que falaríamos de uma forma mais relaxada, no dia a dia, mas precisamos que no filme tudo seja muito bem dito. Estamos ensinando crianças a falar, e levamos isso muito a sério.
Trolls 2 está chegando aos cinemas agora, no final do ano, mas a previsão inicial era de que a estreia tivesse ocorrido ainda no primeiro semestre, certo?
Foi tudo feito antes da pandemia. O filme era pra ter estreado em março, mas foi adiado – como o 007, por exemplo. Só agora, porque os cinemas estão reabrindo, é que vai ser lançado. Foi muito doido todo esse processo. Nos EUA o filme já foi lançado, para se ter uma ideia. Aqui no Brasil são outros os protocolos, então demorou mais. Por quê não exibiram em drive-ins? Poderia ter sido, mas tinha esse acordo com as salas de cinema. O cinema, com certeza, é um dos lugares mais seguros para se frequentar nesse momento. Os protocolos são muito rigorosos, até mais do que são exigidos. Fui ver aqui no Rio de Janeiro, para conhecer como está tudo sendo feito, o que precisa ou não ser respeitado. Fiquei impressionado.
As gravações foram feitas também antes da pandemia?
Sim, muito tempo atrás. Mas também não seria problema, pois todo dublador grava a sua parte em separado. Há anos é assim. Só se grava todo mundo junto quando é voz original, não uma versão em outra língua. Nesses casos, ela é feita antes do filme, para que possa ser animado em cima das vozes. Temos produzido muito no Brasil, aí acontece, como numa leitura dramatizada. Mas, em casos como o do Trolls 2, há uma voz guia, em inglês ou qualquer outro idioma, e a boquinha do personagem, que precisa casar com o nosso diálogo. É um espetáculo sem ensaio. Chegamos pra gravar algo que nunca vimos antes. Nesse caso, ao menos, já tinha visto antes – muitas vezes, nem isso acontece. É preciso repetir até dar certo. Em dois, três dias, dá pra fazer tudo.
Grande parte da trama de Trolls 2 está centrada na música. Além do cinema, você também já trabalhou em musicais no teatro. O quanto esse elemento é importante para você?
A música permeia todos os meus trabalhos como ator, em qualquer segmento. Quando fiz Malhação (2013-2014), foi porque era um personagem que cantava. A música vem impulsionando a minha vida profissional. É uma bênção, é tudo pra mim. Sou um cara que fez teatro musical, continuo trabalhando nessa área. Desde 2018 as coisas ficaram mais complicadas, mas esperamos que num futuro próximo esse cenário mude. Em Trolls 2, só o fato de ter mais música no filme já me deixou feliz. Passei nesse teste justamente por ter sido capaz de deixar a voz mais próxima das canções. A minha identidade musical é muito específica, pois estavam procurando alguém com uma voz próxima a do Justin Timberlake. Foi assim que começou.
Trolls 2 fala da divisão do mundo dos Trolls entre música pop, rock, techno, funk, clássico e sertanejo. Se você tivesse que escolher um desses lugares para viver, qual seria?
Poxa, obviamente vou dizer que seria no mundo do final do filme… mas isso é muito spoiler! Já pensou, só rock, pop ou sertanejo? Não é um mundo colorido, é achatado por um estilo só. O que temos de mais bonito, nesse olhar para o futuro, é poder entender coisas que o filme fala com uma clareza absoluta. Quem hoje goza de privilégios, e pode viver tranquilo, tem que considerar que no passado já pode ter sido opressor. O pessoal do pop acha que esse lugar colorido e lindo veio desde sempre e que o rock é o vilão, mas esquece da sua responsabilidade nessa história. Estamos falando de escravidão, racismo, xenofobia, homofobia, ao abordar estilos musicais. Vai de cada um, ao assistir, tirar as suas conclusões. Não fechamos as pontas, deixamos que a audiência interprete cada peça artística. Dar camadas de entendimento diferentes. Uma criança talvez não pense em tudo isso, mas os pais pode ser que sim. São possibilidades de diálogos que se abrem.
De todas as músicas que você teve a oportunidade de cantar em Trolls 2, qual sua favorita?
A última, com certeza. É um comecinho, só, que aparece no filme, mas ter tido a oportunidade de gravá-la por incrível. É a mais gostosa, pois é a que todo mundo canta junto. O Justin, como produtor musical, arrebenta nessa. Ele conseguiu trazer elementos de músicas diferentes e combiná-los numa só canção.
Um elemento interessante na trama é o respeito às diferenças – há lugar para todos, certo? – e a necessidade da formação familiar, mas nem sempre a mais convencional, como o Diamante, um personagem masculino, que dá à luz, ou um outro que parte atrás dos seus verdadeiros. Como percebe a introdução desse tipo de tema junto ao público infantil?
Não tenho ideia, pois o filme ainda não foi apresentado ao público brasileiro. Mas falar de família, é sempre bem vindo. Temos dois tipos, um pai solteiro, e um filho à procura dos pais. Temos também a Poppy, que se vê obrigada a lidar com um conflito de gerações com o próprio pai. Você tocou um ponto excelente, cada cena há um aspecto familiar, e é muito importante falar sobre esse assunto. As pessoas esquecem que todo mundo faz parte de uma família, independente de como ela seja.
Quais as principais diferenças entre o Tronco do primeiro e do segundo filme?
Em Trolls 2, desde o primeiro instante percebemos que Tronco também está querendo ter a sua família. E é com a Poppy, claro, pois está apaixonado por ela. Só que não consegue se declarar, e isso já é bem diferente dele do filme anterior. Afinal, antes ele não tinha nem ideia do que sentia. Era fechado aos sentimentos. O primeiro falava muito sobre depressão, sobre procurar felicidade de formas diferentes, talvez até no consumo de coisas diferentes, de comida a medicamentos. O segundo abre o leque, fala de diversidade. É um debate fundamental.
O ano de 2020 tem sido caótico pra muita gente. Como você tem lidado com esse momento de pandemia e quarentena e o que esperar dos próximos trabalhos de Hugo Bonemer?
Foi um período conturbado profissionalmente para todos os artistas. Não escapamos disso, foi assim para toda a sociedade. Teve quem conseguiu criar mais. Tenho tentado ser criativo, participado de muitas aulas, videoaulas, na verdade. Continuei trabalhando no Canal Like, falando muito sobre cinema e sobre os aspectos de um filme que valem ser enaltecidos. Tudo vale ser assistido, não menosprezo nada, pelo contrário, queremos avaliar o que chamou atenção de forma positiva. Tento seguir aquela ideia de que o objetivo da crítica é aproximar o público da arte. Enfim, é isso que tenho feito, assistido a muitos filmes e falado bastante sobre eles. E sempre pensando em criar, que é o mais importante.
(Entrevista feita por telefone em dezembro de 2020)
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