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Para conversar sobre comédias populares, ninguém melhor que Olivier Baroux, um dos maiores especialistas do gênero no cinema francês. Diretor da maior bilheteria em seu país em 2018, com a comédia Les Tuche 3, ele decidiu adaptar à sociedade francesa um sucesso de bilheteria norte-americano: Como se Tornar um Conquistador (2017), que trazia Eugenio Derbez no papel de um gigolô decadente.

Em Um Amante Francês (2019), entra em cena Kad Merad no papel principal, um dos principais colaboradores de Baroux há décadas. O humorista veterano encarna o sujeito fútil, pensando apenas no dinheiro da esposa idosa e rica, até reencontrar a irmã (Anne Charrier) e rever suas prioridades na vida. O Papo de Cinema conversou com o cineasta sobre o projeto:

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Kad Merad e Olivier Baroux
© Le Film Français / Mondadori France

Como veio a ideia de adaptar Como se Tornar um Conquistador na França?
Kad e eu assistimos a esse filme com um mês de intervalo, mais ou menos. Nós dois adoramos, e não demorou muito para vir a ideia de encontrar um produtor e propor a versão francesa. Logo encontramos o produtor francês, e o Kad embarcou na tarefa de escrever comigo o roteiro francês. Foi realmente uma vontade de ambos de adaptar este filme.

Havia alguma barreira cultural a ultrapassar nesta adaptação à sociedade francesa?
Sim, nós precisamos apagar algumas coisas. Temos a impressão de que algumas piadas do roteiro americano iam longe demais, enquanto outras não eram exploradas o suficiente. Mas tirando os detalhes, a questão do gigolô é internacional: ela existe em todos os países, e certamente existe na França também. Não foi nada difícil levar essa história à região da Côte d’Azur, onde existem de fato muitos gigolôs reais.

Você tem uma longa história com Kad Merad, mas como o preparou em particular para encarnar o gigolô?
Não precisei fazer muita coisa. Só pedi que ele engordasse doze quilos para compor este personagem um tanto patético, que não percebe a diferença entre a vida de agora e a vida da juventude. Então pedi para ele adotar esse novo corpo e o penteado ridículo. Tirando isso, Kad e eu sempre trabalhamos da mesma maneira: falamos pouco, basta um olhar para saber o que o outro quer. Como adaptamos o material juntos, não precisamos discutir muito na preparação, nem durante as filmagens. Isso foi ótimo para mim, porque assim pude me concentrar mais no ator mirim, ao invés de Kad.

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Kad Merad em Um Amante Francês

Como encontrou o ator infantil e criou a interação com Kad Merad?
Léopold Moati ficou muito feliz de participar do projeto porque já conhecia Kad Merad e era fã dele. O garoto já tinha feito muitos testes antes, e tinha participado tanto de um filme quanto de uma peça de teatro. Eu me sentava com ele, nós olhávamos várias imagens e ele me fazia perguntas. Acredito que ele tenha se divertido muito durante as filmagens. Ele é um jovem ator de bastante potencial.

Neste filme, o humor vem principalmente da inversão de papéis tradicionais: é o homem que precisa se manter belo e em forma para agradar à mulher.
Sim, é o inverso da sociedade de hoje: no filme, são as mulheres que dominam e decidem tudo. É interessante incluir isso porque dialoga com as demandas das mulheres por igualdade, algo bastante justificável. Nós queríamos mostrar isso: a possibilidade de a mulher comandar os seus desejos, cabendo ao homem ser o objeto dentro dessa relação.

Como foi a experiência de colocar atores veteranos em personagens ridículos, vestidos com sungas minúsculas e fantasias de coelho?
Eles adoraram. Quando estes atores recebem a proposta de interpretarem heróis perfeitos, sem qualquer forma de conflito, sem problemas e muito seguros de si, eles não acham muito interessante. Neste caso, eles tinham a oportunidade de fazer algo original, e brincar com a imagem do sujeito patético, que afinal se revela alguém meio triste e solitário. A gente pode considerá-los risíveis no começo, mas no final, o espectador se afeiçoa a estes homens.

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Detalhe do cartaz de Um Amante Francês

Depois de dirigir tantos sucessos da comédia popular francesa, o que diria que o público francês busca em termos de humor?
Acredito que o público busque filmes capazes de falar dos temas mais urgentes da sociedade, porém de modo positivo. É preciso colocar o dedo nas feridas dos franceses, mas de maneira que possa ser visto por toda a família. A maior parte dos espectadores que assistiram à franquia Les Tuche no cinema corresponde a pessoas que vão ao cinema apenas uma vez por ano. Para eles, este é o evento para fazer juntos, com as crianças, os pais, os familiares. Os Tuche são um pouco malucos, mas eles acabam retratando problemas de todas as famílias, então as pessoas conseguiam se identificar. O público gosta de se ver representado numa versão que zomba deles mesmos: os Tuche são malandros, fora das normas. Por isso os espectadores adoraram: eles conseguiram enxergar um tio, uma avó deles nesta história.

Existe algo semelhante com este gigolô, com uma irmã de vida bastante comum.
A irmã nunca entendeu porque o irmão decidiu levar esta vida, e no final ele também entende que ela está num caminho correto. O que gosto na maneira como escrevemos esta história é que, no final, ele não muda, porque não sabe fazer mais nada além de ser gigolô. Ele pensa, reflete, e no final continua sendo um sedutor com uma mulher mais velha, mas desta vez ele presta atenção à irmã. O personagem descobre o valor da família e encontra uma maneira de reparar os erros do passado, sem deixar de ser quem ele realmente é. Ao final, os dois irmãos se reúnem e reatam os laços que existiam na infância.

Quais foram os desafios de produção? As cenas com mansões e dezenas de carros de luxo podem impressionar, mas o acidente do começo deve ter exigido uma grande produção.
O mais difícil foi filmar o início, ou seja, a morte do pai. Filmamos num campo vazio: a destruição da casa, os cenários, tudo isso foi criado com efeitos especiais. Os atores precisavam se projetar ali e imaginar a partir de pequenas referências como pedaços de madeira num fundo infinito. Mesmo assim, os atores tiveram um desempenho excepcional, e quanto aos efeitos, cabia à equipe colocar ali o que a gente imaginasse. Outra dificuldade talvez tenha sido bem controlar a interpretação de Léopold, que não tinha tanta experiência assim. Era preciso deixar claro para ele que estava no caminho certo. Jovens atores sempre precisam dessa segurança, e isso exige mais do diretor.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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