É quase um desatino encarar o argentino Juan Vera como novato, embora, realmente, Um Amor Inesperado (2018) seja o seu primeiro trabalho como diretor. Isso porque ele é um profissional com larga experiência cinematográfica, tanto na produção quanto na escrita de roteiros. Vera foi, por exemplo, produtor executivo de O Filho da Noiva (2001), produtor associado de Leonera (2008), coprodutor de Zama (2017) e por aí vai. A lista é bastante extensa. Neste longa-metragem estrelado por Ricardo Darín e Mercedes Morán, ele aborda os questionamentos que tomam de assalto um casal após a partida do único filho para estudos na Espanha. Mais que encarar a chamada “Síndrome do Ninho Vazio”, o cineasta direciona seu foco às dúvidas do homem e da mulher que, embora se deem muito bem, decidem acabar o casamento de décadas para buscar, em caminhos distintos, a velha chama da paixão aparentemente apagada. Conversamos com Juan Vera durante o Festival do Rio 2018, no qual ele esteve para lançar o filme. Esse papo de cinema exclusivo, sobre Um Amor Inesperado, você confere agora.
Por que, especificamente, essa história para estrear como diretor de cinema, depois de tantos anos acumulando experiência em outras funções, tais como roteirista e produtor?
Para ser sincero, é possível que essa ideia estivesse há muito oculta em mim, e que eu tenha me aproximando dela de maneira indireta, aos poucos. Muita gente da área perguntava quando eu ia dirigir um filme. E sempre respondia que isso aconteceria assim que encontrasse algo que me inquietasse. Me dei conta de que esse seria “o” projeto quando comecei a escrevê-lo. Não estava disposto a dar para outra pessoa dirigir, pois se tratava de algo bastante pessoal.
E não é um filme sobre o famigerado “ninho vazio”, mas a respeito das dúvidas que cercam esse casal depois que o filho sai de casa…
Fico feliz com essa leitura. A intenção não era, realmente, fazer algo sobre o “ninho vazio”. Isso é basicamente uma desculpa narrativa. A questão preponderante a esses personagens, encarada não necessariamente no âmbito do casal, mas individualmente, é a inquietude. Queria indagá-la não partindo de uma crise de casal, no sentido tradicional, da falta de amor, da ausência de desejo ou de um desgaste natural. Se trata de uma dupla formada por pessoas que se dão bem, que se divertem juntas, mas que são assoladas por perguntas bem íntimas. E elas vão atrás de respostas que, enquanto casal, não podem obter naquele momento.
De onde veio a inspiração para a trama? Da observação?
Acredito que sim, da observação, da própria vida e da rotina de amigos. Quando meus filhos começaram o primário, eu e minha esposa conhecemos vários casais, pais dos colegas deles. No fim dessa fase, restávamos pouquíssimos ainda juntos. Éramos chamados de “a resistência” (risos). Nesse microcosmo existia uma variedade grande de histórias. Algumas coisas anotei, outras busquei na memória. Os casais traçam um projeto, constroem uma família, criam filhos, mas perdem de vista as motivações. Para mim era importante ter um algumas coisas engraçadas em meio aos dramas. Antes de efetivamente começar a escrever, já tinha o arco da história praticamente completo.
Os protagonistas acabam se movendo por conta da insatisfação que não tem cura, não é mesmo?
De fato, ela não tem cura. Durante o processo de escrita, pensava numa frase chistosa que dizemos na Argentina: “vou ficar com você porque todos os demais são piores que você”. É uma maneira bem-humorada de falar. Esses personagens são intensos, estão vivos, buscando realmente algo. Inevitavelmente haverá novas rotinas adiante. Não está explícito no filme, mas latente, que toda paixão é linda, mas insuficiente para sustentar uma vida a dois.
Como foi dirigir Ricardo Darín e Mercedes Morán?
O roteiro estava tão sólido e claro que facilitou muito o trabalho de direção dos atores. Eu não tinha de explicar tanto o que acontecia com os personagens, por exemplo. Ademais, estamos falando de dois atores inteligentíssimos. No roteiro havia mais referências intelectuais, que foram sacadas no processo para tornar o filme mais leve. Ricardo e Mercedes são tão bons que eu fazia três tomadas diferentes, mas todas muito boas. O meu problema maior era posterior, o de eleger qual das três ficaria (risos).
No que a sua larga experiência com o produtor facilitou a estreia como diretor?
Na verdade, dirigir me fez reavaliar o meu trabalho de produtor. Na pós-produção o Ricardo, que também coproduziu do filme, acabou cumprindo bem essa função. A minha experiência prévia na área facilitou em termos práticos, por exemplo, no set, em que me senti confiante com os profissionais, porque não era necessariamente um novato chegando. Foi também fácil atender as requisições da produção, porque sei exatamente o porquê delas.
(Entrevista concedida ao vivo em novembro de 2018)
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