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Um presente para o Brasil

Publicado por
Robledo Milani

The Gift 14071

Um bate papo com Nuno Gonçalves e Sónia Tavares, que ao lado de John Gonçalves e Miguel Ribeiro formam o The Gift, o grupo musical português de maior expressão internacional. Após uma bem sucedida participação no último Rock in Rio, o The Gift deu início à uma turnê americana. A primeira etapa foi os Estados Unidos, por onde ficaram por quase um mês. Após, retornaram ao Brasil para uma nova série de shows, a segunda por terras tupiniquins, cinco anos após às apresentações que fizeram em São Paulo, Curitiba e Recife em 2006. Naquele momento o motivo era o lançamento do álbum duplo e ao vivo Fácil de Entender, que compilava os maiores sucessos da banda. Agora eles estão de volta, em shows em Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, para explorarem a musicalidade do novo álbum, só com inéditas: Explode. E quem ouve, sabe: é, mais uma vez, contagiante!

O segundo CD do The Gift se chama Film. Os videoclipes são também muito elaborados visualmente. Qual a relação de vocês com o cinema, com a imagem?

Nuno Gonçalves: Os shows que costumamos fazer em Portugal e no resto da Europa são, realmente, bastante criativos visualmente. Aqui no Brasil, assim como foi nos Estados Unidos, o nosso foco será na música. Não havia como viajar com toda a estrutura que temos lá. A nossa identidade musical é muito forte, quem nos escuta percebe algo de diferente e nos reconhece. E faz parte desse processo ter uma identidade visual também única. Cuidamos muito da questão estética. Essa é uma preocupação constante para nós e algo que consideramos fundamental.

Como é a concepção de cada videoclipe? Como se dá o processo de transformar a música que vocês criam em imagem?

Sónia Tavares: Olha, nós ainda somos do tempo em que se gravavam grandes videoclipes, que os fãs esperavam por isso e que as bandas correspondiam à essas expectativas com propostas visuais bem elaboradas. Nós gravamos em película, 35mm. Hoje em dia isso tudo se tornou muito caro. Estamos atravessando um período, pelo menos em Portugal, em que tirando a MTV, pouco se vê de música na televisão. O foco agora está na internet, onde a qualidade é menor. O You Tube popularizou, democratizou e, ao mesmo tempo, baixou o nível das produções. Mas vamos sempre querer ter uma boa imagem, contar uma boa história que represente exatamente aquilo que queremos dizer, e que essa estética seja ainda uma continuação da música. Por isso seguiremos apostando em novas tecnologias, em novas imagens que se adaptem aos tempos modernos e ao que pretendemos. Mas nunca deixaremos de lado a questão da imagem, do visual. Quem não nos conhece ao vivo, por exemplo aqui no Brasil, o contato se dará pela internet, pelos videoclipes. E será essa primeira impressão que irá determinar se você vai ou não ouvir o resto do disco.

O 3D está cada vez mais popular no cinema, e também combinado com a música. Já tivemos longas com shows do U2, Pearl Jam, Kylie Minogue, Red Hot Chili Peppers, Rolling Stones. Esse poderia ser também um caminho para o The Gift, de conquistar o mundo através do cinema?

NG: O espetáculo atual do The Gift, o Explode, é muito visual. O 3D é um futuro, mas também pode vir a ser uma moda passageira. Para a música em si, acredito que é melhor outras formas de fazer cinema. Ainda que o Scorsese tenha filmado muito bem os Rolling Stones, acho que é mais saudável e rigoroso um bom documentário sobre uma banda do que a simples sequência de entrevistas e apresentações musicais. Para nós, por exemplo, que temos uma boa história – algo verdadeiramente cinematográfico – seria esse o formato mais indicado. Nós nos conhecemos com 6 anos de idade! Formamos a banda na adolescência e estamos juntos desde então, há mais de 17 anos. Por esse caminho, obviamente, existiram mil e quinhentas histórias, episódios, conquistas e derrotas que podem ser exploradas na tela. Isso é cinema. Ou também algo ficcional por completo, como o Control, do Anton Corbijn, que fala sobre o início do Joy Division. Essa é bem mais a nossa cara.

Vocês já receberam convites para comporem para trilhas sonoras?

NG: Sabe que não? Já escrevemos uma trilha para uma peça de teatro, depois para um telefilme – que nem lembro o nome…

ST: Tivemos convites – que recusamos – para vários filmes portugueses. Não nos identificávamos com as propostas destes longas.

NG: Mas não é algo fechado. É claro que, se a Sofia Coppola ligar, nós arrumaríamos um tempo para ela (risos).

Apesar de serem pouco conhecidos no Brasil, em Portugal vocês são verdadeiras celebridades, que se apresentam para milhares de pessoas. Como é sair de casa, do conforto já estabelecido, e enfrentar esse recomeço em outros países?

NG: A celebridade só vem pela mídia. Nós não nos sentimos minimamente afetados por ela. Os fãs do The Gift, apesar de serem muitos, não nos roubam nossa intimidade. Então é muito tranquilo. E começar de novo é ótimo. Hoje em dia é muito mais estimulante tocar para 300 pessoas no Brasil do que pra 3 mil que já nos viram tocar 5 ou 6 vezes. Não que eu esteja menosprezando essas – é sempre muito emotivo cada apresentação, e o carinho dos fãs é muito importante para nós. Tocar na tua terra, pra tua gente, é muito emocionante. Mas entrar em contato com quem está descobrindo o The Gift, quem está nos conhecendo pela primeira vez, e se emociona, é muito bom. É aquela pessoa que vem sem esperar nada e vira fã. É isso que buscamos. Esse primeiro contato é muito interessante.

Qual é o público do The Gift?

ST: Em Portugal o público é diferente. Lá e na Espanha temos muitos fãs, gente dos 20 aos 40, 50 anos. A faixa etária é muito ampla, com os mais diversos tipos de interesses. Mas quando saímos, como aqui, estamos cativando um público mais jovem, dos 20, 20 e poucos anos, um público atento às novidades, que quer experimentar e conhecer algo novo. São pessoas que sabem o que se passa na cena internacional, que conhecem outras bandas e estilos. É um público culto, que gosta também de cinema, de ler, que está conectado com o mundo.

Como é voltar ao Brasil, após a série de shows que vocês fizeram por aqui em 2006?

NG: É ótimo! Desta vez estamos com uma equipe maior trabalhando conosco. E a participação no Rock in Rio também foi fantástica. Desta vez será melhor porque vamos poder deixar sementes. Da outra vez em que estivemos aqui nosso disco não havia sido lançado no Brasil, ninguém nos conhecia, não teve como marcar o nome. Agora estamos com uma gravadora local, a Coqueiro Records. Nosso CD estará em todas as lojas do país. Será mais fácil nos reconhecerem. Estamos promovendo um disco novo, que está sendo vendido aqui. Daqui a quatro ou cinco semanas devemos lançar um novo videoclipe, que também será exibido aqui. Acho que esse processo está começando de verdade agora. Esta é a grande diferença em 2006 e 2011, agora estamos aqui para mostrar de vez a cara e para voltar mais vezes.

Há uma música no álbum AM – FM, 1977, sobre um rapaz que está se descobrindo sexualmente. O videoclipe de outra canção, Driving you Slow, é estrelado por um travesti. Qual a relação do The Gift com a diversidade sexual?

NG: Nós somos pessoas abertas, obviamente. Estamos inseridas num tempo em que não faz sentido haver divisões. E se, enquanto artistas, pudermos motivar que mais e mais pessoas sejam como nós, ainda melhor. Essa é também uma responsabilidade. Acho que o artista não deve ser artista somente no palco, mas também fora dele. E sobretudo manter uma identidade social. E se há muita gente que nos houve e se por questões sociais, familiares, não consegue assumir sua homossexualidade, ou bissexualidade, tá na altura de mudar essa mentalidade. E se nós pudermos contribuir um pouco nesse processo, já estaremos felizes.

Entre o Fácil de Entender e o Explode se passaram 5 anos. Por quê tanto tempo?

ST: Entre os dois trabalhos estivemos envolvidos em diversos outros trabalhos paralelos, inclusive um projeto meu e do Nuno que visava resgatar a obra de Amália Rodrigues – certamente a maior cantora da história da música portuguesa. Isso se somou a mais um convite que o Nuno recebeu, de transformar o fado em pop. E foi algo que imaginávamos que nos tomaria 5 ou 6 meses, mas acabou se tornando um fenômeno em Portugal e ficamos dois anos envolvidos! Assim que isso tudo passou, fomos correndo fazer o Explode. Ou seja, nunca estivemos parados.

E o que o público irá encontrar em Explode?

NG: É um disco que tem esses 17 anos de experiência, que consegue compactar toda a música que ouvimos nos anos 80, 90 e nos últimos 10 anos. São letras muitos ricas, muito visuais. Há uma canção, The Singles, que tem 12 minutos – é um curta-metragem! É o disco mais completo da banda, mais universal, com um som mais épico. Tem outros elementos que há muito não explorávamos, como cordas e instrumentos de sopro, metais. E hoje temos mais guitarras, mais teclados, mais baterias, menos programação. Faz as pessoas dançarem, se emocionarem. Faz que quem o ouça sinta essa cor nova dos The Gift. É um disco muito colorido, muito luminoso, e esperamos que os brasileiros também o achem iluminado.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.