Nascida em 1974, em Thouars, interior da França, Élise Girard é um dos principais nomes do novo cinema francês. Diretora, roteirista e até atriz, ela começou sua carreira na televisão, em documentários e telefilmes, para depois migrar para a tela grande. Seu trabalho de estreia, o drama Belleville-Tokyo (2010), estreou no Festival de Belfort, para depois circular pelo mundo todo – até no Japão foi exibido. Agora ela está de volta com o romântico Um Segredo em Paris, lançado no Festival de Berlim e agora prestes a entrar em cartaz no Brasil. Em cena, ela resgata um dos maiores nomes da nouvelle vague: o astro Jean Sorel, que estava há mais de dez anos aposentado, mas topou voltar à ativa após ler o roteiro que ela escreveu. E ainda que o relacionamento dos dois não tenha sido dos mais fáceis – ela comenta sobre isso logo em seguida – somente o prazer de reencontrar o astro de A Bela da Tarde (1967) e O Dia do Chacal (1973) na tela grande já justifica qualquer esforço. E foi para saber mais sobre esse novo trabalho que o Papo de Cinema entrou em uma conexão direta com Paris, onde mora a realizadora, para a conversa que você confere a seguir:
Olá, Élise, tudo bem? Prazer falar contigo. Vamos começar pelo título. O que você acha do batismo brasileiro, Um Segredo em Paris? E o que significa o nome original, Pássaros Estranhos (Strange Birds / Drôles d’Oiseaux)?
Strange birds, ou drôles d’oiseaux, é uma expressão muito comum aqui na França. Significa que são pessoas estranhas, mas não no sentido pejorativo. Quer dizer engraçadas, originais, que não se encaixam junto aos demais. Não significa bizarro, mas divertido e curioso, ao mesmo tempo. Em inglês, era melhor “estranho” (strange), do que “engraçado” (funny), porque não é uma comédia. É mais a questão da originalidade destas pessoas. Elas são diferentes, pois não se parecem com as outras. Mas o título em português ficou interessante, confesso, porque o amor dos dois é muito incomum, é difícil, mesmo. É como se fosse, de fato, um segredo. A diferença de idade entre eles é muito grande. Ela tem 26, e ele 76. São 50 anos de um para o outro, e é quase impossível de experimentar um amor físico nestas condições. É o segredo deles. Que está naquela livraria, e ninguém mais sabe, além deles.
Você é também autora do roteiro, além de assinar a direção. Como surgiu a ideia dessa história?
Adoro personagens estranhos. Eu era, quando tinha mais ou menos aquela idade, uma jovem que, assim como Mavie, cheguei em Paris durante os meus estudos. Para mim, foi fácil me identificar com o que ela passa, pois os fortes sentimentos que tive com a beleza da cidade foram os mesmos. Quando decidi vir para cá, tinha 20 anos. Fiquei maravilhada com o charme daqui. Encantada com a arquitetura, com a beleza do lugar. Eu era muito diferente dos meus colegas, das outras garotas da minha geração. Sempre gostei de estar com pessoas mais velhas, por exemplo. Depois, quando formada, me interessei por homens mais velhos também. Meus amigos me perguntavam se era difícil lidar com pessoas idosas. Acontece que nunca vi essa diferença como algo impeditivo para qualquer coisa. Sempre foi algo normal para mim. O que significa a diferença de idade? Pessoalmente, não vejo com um problema. Pessoas é que são importantes, e a idade é só um detalhe. Podemos encontrar pessoas ruins aos 20, aos 40, e outras maravilhosas aos 80. Era sobre isso que queria falar nesse filme.
A personagem da Lolita Chammah diz “vim porque precisava respirar”, ao justificar a mudança dela para Paris. Você também é do interior da França. Podemos vê-la como se fosse o seu alter-ego?
Sim, é possível dizer isso a respeito dela, com certeza. Sabe, quando você escreve um roteiro, ainda mais no meu tipo de cinema, ele é muito inspirado na minha própria vida. Não chega a ser autobiográfico – aquela personagem não sou eu, o que aconteceu com ela não foi o mesmo que eu vivi – mas é muito próximo de mim, com certeza. A relação está mais na personalidade dela, e não no que ela faz ou deixa de fazer.
Falando sobre o elenco, como foi trazer o grande Jean Sorel para o filme? Como foi trabalhar com ele?
Jean Sorel desapareceu dos cinemas mais ou menos há uns 10 anos. Ninguém sabia o que tinha acontecido com ele. Tive muita dificuldade em encontrá-lo, muito por conta disso. Não sabia onde ele morava, ou mesmo se estava vivo. Mas consegui descobrir, juntando uma pista aqui e outra ali, que ele mora em Paris, e não trabalhava em filmes há mais de uma década por decisão própria. Ele havia se aposentado, praticamente, estava cansado e se afastou – e ninguém lembrava mais dele, não o procuravam mais. Então, na maior cara de pau, fui atrás e bati na porta dele com esse convite. Para mim, foi um encontro incrível. Ele adorou o roteiro. Ficou encantado com a ideia de que era um amor filosófico, e não físico. Ele é muito elegante, um homem muito clássico. É parecido com o Georges, o personagem, também. Havia essa proximidade. Além de ser uma figura incrível. No entanto, essa foi a primeira vez dele trabalhando com uma mulher como diretora. É um homem à moda antiga, por isso teve suas dificuldades, ainda mais no começo. Mas logo nos conectamos e conseguimos, felizmente, concluir nossos trabalhos.
Você escreveu o personagem para ele?
Quando comecei a me dar conta que seria difícil contar com ele, até tentei outros atores da mesma faixa etária, confesso, mas era Jean Sorel desde o começo. A primeira vez em que falei com ele foi seis meses antes do início das filmagens. Adorava a carreira dele, sempre fui muito fá. Não o víamos tanto, principalmente nos últimos anos, porque ele acabou trabalhando mais na Itália do que na França. Havia uma competição entre ele e o Alain Delon. Era também um galã, um homem muito bonito. E queria ele no filme justamente para dar essa credibilidade à história. Queria que as pessoas que vissem o filme sentissem que era possível ficar apaixonada por ele. Sim, qualquer mulher poderia se apaixonar por Jean Sorel. Mas é claro, o escolhi também pela filmografia, pois foi um grande ator. Ele trabalhou com Buñuel, com Visconti, com os grandes. Admirava muito o que havia feito. E foi uma grande surpresa quando o encontrei, o quão bonito continuava. Tinha 82 anos na época das filmagens, e continuava muito atraente.
Como foi a passagem de Um Segredo em Paris pelos cinemas franceses?
Ah, foi muito boa. É um filme tão pequeno, que qualquer reação que a gente conseguisse já seria uma vitória. E as pessoas se apaixonavam pelo filme, pela história, por esses dois personagens e esse encontro tão insólito, mas, mesmo assim, tão singelo. Tinha um pouco de medo sobre como poderia ser o retorno do público, se entenderiam, se iria funcionar junto às grandes audiências. Mas tivemos um bom público. E as críticas, nos jornais e sites, foram ótimas também. Fico muito feliz com tudo que tem nos acontecido.
Você conhece o Brasil? E o cinema brasileiro?
Nunca estive no Brasil, o que é uma pena. No ano passado, um pequeno festival de cinema, se não me engano voltado exclusivamente ao cinema feminino, feito por mulheres, me chamou, como convidada especial. Mas foi uma coisa de última hora, tipo uma semana antes, e acabou que ficou muito em cima, não tive como ir de pronto, assim, pois já tinha uma outra agenda. Se não me engano, quem foi no meu lugar foi a Léonor Serraille, diretora de Jovem Mulher (2017), que é também um belo filme. Sobre o cinema brasileiro, infelizmente, também conheço muito pouco. Lembro de ter visto Aquarius (2016), que gostei muito. Tive a chance de conhecer, anos atrás, o Walter Salles. O conheci durante o lançamento de Central de Brasil (1998) em Paris. Um verdadeiro cavalheiro. Era grande amigo de um conhecido meu. Infelizmente, nunca o vi novamente. No entanto, tenho a impressão de que a situação aí no Brasil, principalmente no que diz respeito à produção de filmes, é muito complicada. Ainda assim, da mesma forma como acontece na França, você devem fazer um cinema voltado para as pessoas, que é o que mais me interessa. Por isso, preciso ver mais. Na Europa, infelizmente, não se vê tantos filmes brasileiros. O Brasil é um país muito grande, mas proporcionalmente, parece não ter tantos cineastas. O que é uma pena.
Como você espera que os brasileiros recebam Um Segredo em Paris? Qual mensagem você deseja que o filme transmita por aqui?
Nossa, não tenho a menor ideia. Francamente, espero que seja bem, é tudo que posso torcer. Acho muito engraçado, na verdade, que lugares tão distantes e que nunca conheci, como o Japão e Brasil, possam se interessar pelos meus filmes. Por que lançar estes filmes tão pequenos, tão franceses, em lugares que me parecem tão diferentes de mim? É um mistério. É muito distante de mim. Mas, ao mesmo tempo, me sinto muito honrada e feliz com esse alcance. Imagino que os brasileiros sejam pessoas sorridentes, felizes. Sei que agora a situação está diferente, com o novo presidente de vocês, e isso deve estar deixando muita gente sem conseguir sorrir. Como foi possível eleger uma pessoa como essa? Estamos sofrendo por vocês, acreditem. Quando vi as notícias, com o resultado das eleições brasileiras, fiquei de queixo caído. Esperamos que não seja tão ruim quanto tem se anunciado. Estou muito feliz por este estar estreando no Brasil. Que ele sirva como um pequeno alento diante estes tempos tão sombrios que estamos vivendo.
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Paris em novembro de 2018)
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