Enquanto alguns cineastas passam a vida escondidos atrás das câmeras, o inglês Peter Lord passou a maior parte de sua carreira profissional escondido atrás de montes de massa de modelar. O produtor de 57 anos e diretor é o co-fundador da internacionalmente reconhecida Aardman, o primeiro estúdio de stop-motion do mundo e criador de sucessos cinematográficos como Wallace e Gromit – A Batalha dos Vegetais (2005), A Fuga das Galinhas (2000) e Operação Presente (2011). Suas criações já somam nove indicações ao Oscar e quatro vitórias.
Lord e o David Sproxton, co-fundador da Aardman, começaram sua parceria na escola, e através de suas carreiras têm constantemente misturado os seus talentos de modelagem com uma profunda compreensão da narrativa. Tal foi o sucesso de A Fuga das Galinhas, por exemplo (que foi dirigido por Lord e Nick Park), que ultrapassou a marca dos US $ 200 milhões nas bilheterias internacionais.
Agora Lord está de volta na cadeira do diretor com Piratas Pirados, mais uma divertida animação em stop-motion baseada nos livros de Gideon Defoe. Com as vozes de Hugh Grant, David Tennant, Imelda Staunton, Martin Freeman e Jeremy Piven, o filme levou cinco anos para ser finalizado e é o primeiro empreendimento da Aardman em 3D.
Para trazer este grupo de piratas à vida, Lord se voltou para um elenco de primeira linha, composto principalmente de atores britânicos. Como protagonista está Hugh Grant, que assume o papel do barbudo de grande coração Pirata Capitão. O diretor afirma que recrutou Grant porque queria aproveitar a experiência do ator em comédia, pedindo que ele ficasse longe de estereótipos de piratas ao elaborar um estilo de vozes.
O filme também é filmado em 3D, o que Lord diz que foi uma “experiência divertida”. Uma equipe de 320 pessoas trabalharam no filme, incluindo 33 animadores e 41 unidades de tiro em quatro estúdios diferentes, enquanto que o navio pirata sozinho, que foi completamente feito a mão, contou com mais de 44.000 peças. Levou 5.000 horas de desenvolvimento e acabou pesando 770 quilos!
“Eu acho que eu sou homem paciente“, diz Peter Lord, refletindo sobre sua empresa e épica de sua equipe. “Nunca penso nisso nesses termos, sobre impaciência e paciência, no entanto. O prazer está em sentar na sala de cinema e assistir e ouvir as pessoas rindo. É um longo caminho para chegar a isso, mas que definitivamente vale a pena a viagem“.
Confira abaixo essa conversa exclusiva no Brasil com o diretor Peter Lord, diretor do ainda inédito Piratas Pirados, especial para o Papo de Cinema!
Faz mais de dez anos tua última experiência como diretor, Peter. O trabalho em A Fuga das Galinhas foi muito cansativo?
Não. Pelo contrário, foi muito tranquilo. Desde A Fuga das Galinhas tenho trabalhado muito com produção, e isso sim é muito mais estressante. Dirigir é um trabalho muito difícil, cansativo. Mas nunca quis produzir. Eu não sei o que os produtores fazem! Eu era um produtor de desenvolvimento. Estava tentando levantar os projetos para outras pessoas de uma forma muito altruísta. E então pensei: ‘Chega de jogo, já tive o suficiente de ser adulto e benevolente. Vou fazer o que eu quero!‘
Então, por que você quis fazer Piratas Pirados?
Foi por causa do livro. Nem me lembro agora se decidi dirigir antes ou depois de lê-lo. Honestamente não me lembro. Mas sei que quando vi pela primeira vez o livro minha primeira reação foi ‘uau! Isso é excepcional. Isso é algo especial’. Não foi muito tempo depois que decidi, com alguma surpresa para os meus colegas, que iria pegar essa história e fazê-lo.
A Aardman tinha originalmente planejado Piratas Pirados como uma série de televisão?
Não. Isso já havia sido descartado. Quando peguei o projeto ele tinha sido educadamente anulado justamente porque não era um material para TV. Então eu não tirei de ninguém, não. É apenas o fato de que, de repente, comecei a dirigir novamente, depois de não fazer isso por um tempo muito longo. Esta foi a maior surpresa.
Wallace e Gromit são muito populares e são muito, muito britânicos. Este mesmo espírito estará presente em Piratas Pirados?
Sim e não. Sim, em seu espírito, inteiramente. É extremamente britânico. Mas também é definido em um mundo maior. Wallace e Gromit se passa em uma cidade pequena em algum lugar no norte da Inglaterra, não é? Tudo acontece lá. Já esta nova história se passa em todo o mundo, e neste sentido é muito mais ampla. Adoro as cenas de planos abertos, o céu azul e os mares azuis, porque é algo que você não tem muito na Inglaterra. Se você fizer um filme com personagens em terra firme você não verá muito céu, somente entre os telhados, e o céu estará cinza, provavelmente! Então fiquei muito feliz com a Ilha de Sangue, que é como chamamos a cidade pirata, e pela possibilidade de ficar para trás e poder ver o grande céu azul e as palmeiras. Foi o mais próximo que tenho que estar de férias! Mas a sensibilidade, o senso de humor, as referências culturais e as performances são muito inglesas. Nós temos Jeremy Piven e eu gostaria que tivéssemos mais piratas norte-americanos, porque gosto de suas vozes. Não há nenhuma maneira de colocar um ator americano em Wallace e Gromit, no entanto, pois seria seria muito bizarro!
Acredito que um dos primeiros passos num filme como esse seja encontrar a voz para cada um dos personagens, certo?
Você tem o script e por isso a primeira coisa é dirigir a voz dos atores na entonação correta, porque até ter a voz adequada você não pode realmente executar a cena. Nós começamos a desenvolver os bonecos mesmo antes de os atores serem escolhidos, no entanto. Depois é que dirigimos os atores. É muito difícil no início. A primeira sessão é, na maioria das vezes, desperdiçada, porque é difícil pegar o jeito de imediato. Tudo que você tem é o papel e as palavras. E muitas vezes não temos nem mesmo os atores juntos, então precisamos lidar com eles individualmente, mas agindo como se estivessem atuando em conjunto e, assim, tentar criar este fogo interior, que é a cena. Então, como digo, a primeira sessão é provavelmente abandonada, mas ela já dá a ideia do que se quer e do que se esperar. E só depois colocamos as vozes dos demais atores e então você tem um esboço da cena completa. Ainda será preciso regravar tudo, e torna-se cada vez melhor e melhor. Em seguida, quando definimos a linha, é quando começam as filmagens com os bonecos e, eventualmente, vemos o animador em ação. Ele é que de fato irá fazer a performance.
Você tem o costume de fazer ensaios com os atores e animadores?
Bem, nesta fase, prefiro escutar o diálogo e, em seguida, eu mesmo o represento, gravando em vídeo, porque pode haver algo que quero pegar, alguma aparência em particular, especialmente com o Capitão Pirata. Tinha um grande interesse na forma como ele se comportava. Se houver algum olhar, um gesto que quero capturar, faço uma gravação de vídeo e, finalmente, os animadores trabalham para coincidir com a voz. É um longo caminho a partir do script até a filmagem.
Você deve ser incrivelmente paciente…
Acho que sou. Eu nunca penso nesses termos, no entanto. É um longo caminho desde o início de cada projeto, cinco anos atrás, até o momento de entrar em cartaz. Não é tanta paciência como prazer de fato. O prazer está em sentar no cinema e assistir e ouvir as pessoas rindo. É um longo caminho para chegar a isso, mas vale a pena a viagem.
Por que você quis Hugh Grant como o Capitão Pirata?
Escutei vários nomes de atores ingleses, muitos bastante óbvios, sem mencionar nomes. Ouvi suas vozes, mas não eram engraçadas o suficiente. Acho que no caso de Hugh Grant, o roteiro o conquistou, porque é muito engraçado. Ele é muito exigente no que faz, e não faria nada que não lhe interessasse ou que não fosse divertido. E o texto era realmente o destaque. Excepcionalmente engraçado. Quando vi Hugh em Um Grande Garoto fiquei impressionado com seu timing cômico, que é maravilhoso. E era isso que buscávamos.
Como você desenvolveu a voz do Capitão Pirata com Hugh?
Não foi um trabalho sozinho, chegamos juntos ao resultado que agora se vê na tela. A primeira coisa que lhe disse foi: ‘Não se preocupe. Não tente fazer uma voz de pirata’. As pessoas têm a noção de que a voz de pirata deve dizer ‘Aarrgghh’ e coisas assim. Eles falam coisas estranhas. As ocasiões em que Hugh teve que se posicionar no convés e gritar para o restante da tripulação foram os mais difíceis, porque ele nunca havia sido convidado a fazer algo assim em seus papéis anteriores. Ele não foi convidado a pular em cima de um barril e dar um discurso emocionante para 50 pessoas, não estava em território desconhecido. Hugh está no seu melhor momento. Ele é um ótimo comediante. É simplesmente maravilhoso.
Ter o nome de grandes estrelas envolvidas ajuda na realização de cada projeto da Aardman?
Sim, ajuda. Não teria como negar. Entretanto, no Reino Unido, não acho que seria um grande problema levar as pessoas para ver nossos filmes, mas estes nomes ajudam em outros territórios, especialmente nos Estados Unidos. Isso ajuda onde não somos tão conhecidos. Na verdade, alguns países nunca irão ouvir estas vozes, porque nestes lugares atores locais irão dublá-los na maioria das cópias exibidas, como é o caso do Brasil.
Por que você escolheu para fazer este filme em 3D?
Nós pensamos que seria divertido para todos. Acho que todos da equipe gostaram da experiência. Eles estão aprendendo algo novo e sempre que vemos os resultados é sempre a mesma fórmula. Acompanho as filmagens, fico no olho nas performances, no desempenho em geral, e e então alguém diz, ‘Não se esqueça 3D!‘. Aí vem um ‘Oh, certo!‘. É mais um elemento a ser considerado!
Por que Aardman ramificaram suas atividades a partir do Por Água Abaixo?
A razão foi puramente criativa. Temos conosco muitas pessoas talentosas, que estão querendo dirigir e isso é uma outra maneira de dar a elas uma chance. Assim, por exemplo, Steve Box, que dirigiu Wallace & Gromit – O Segredo dos Vegetais, com Nick Park, teve uma ideia que ainda não posso falar, mas como ele está desesperado para dirigir novamente, pode ser perfeito para ele e para o nosso próximo projeto. Isso nos oferece mais oportunidades, e isso é tudo para nós.
(Entrevista cedida pela Sony Pictures do Brasil com exclusividade para o Papo de Cinema, com tradução e adaptação de Robledo Milani)
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