Quem está hoje na faixa dos 50 anos lembra bem de Ferrugem, que tanto sucesso fez quando ainda era criança, especialmente ao lado dos Trapalhões. Já adulto, ele migrou para os Estados Unidos e retornou para uma pequena ponta em O Palhaço (2011), como o atendente da prefeitura visitada por Selton Mello. Agora, ele interpreta um dos protagonistas de Uma Carta Para Ferdinand, comédia rodada em Joinville lançada direto em VoD na última sexta, 26 de junho.
“Acho o Tonico incrível! É maravilhosa essa coisa de você ser ator e não ter idade, ter 54 anos e poder fazer um jovem, sentir este resultado com as crianças”, logo emendou, ao comentar sobre seu personagem no filme.
O Papo de Cinema conversou com Ferrugem dias antes do lançamento do filme, confira!
Como surgiu o convite para interpretar o Tonico?
O diretor, Anderson Dresch, me ligou e explicou o interesse em criar um núcleo de cinema fora do eixo Rio-São Paulo, toda sua história, que agora estava dando este passo de deixar a agência de propaganda para se dedicar ao cinema. Ele disse que tinha um personagem para mim e adorei! Às vezes as pessoas acham que os atores estão cheios de trabalho e não têm interesse em projetos sem tantos recursos, mas era exatamente isto que estava buscando. Desde que fiz bastante sucesso na TV, passei a procurar trabalhos que fizessem com que somasse alguma coisa e não sempre o mesmo. São estes trabalhos que dão certo, que geram frutos, mais até que aqueles que dão o seu dinheiro e aí você vai embora.
O Tonico é apresentado no filme como “um jovem camponês um tanto atrapalhado e de bom coração”, o que de imediato remete ao Renato Aragão em tantos filmes. Você trabalhou com os Trapalhões por um bom tempo na TV, ele foi, de alguma forma, inspiração para este personagem?
Não pensei propriamente nele, deixei fluir e fui tentando criar um personagem. Ele é uma formação para mim, o conheci criança e foi muito importante no meu trabalho. Comecei com o Lúcio Mauro na TV Tupi, em um programa chamado Gente Inocente, basicamente só com crianças, e ele foi falar com o diretor em busca de uma criança para trabalhar com os Trapalhões. O Lúcio disse para ele assistir um dia de gravações e escolher uma do elenco, e ele acabou me escolhendo. Então com certeza os Trapalhões, e todo aquele imaginário infantil de uma pessoa inocente, veio junto comigo por causa deles. Isto faz parte da minha criatividade como artista, mas o personagem em si não foi nele, busquei abrir um espaço novo.
Um ponto bem importante na composição do Tonico é em relação ao figurino, pela transformação visual que ele passa. Você teve alguma participação nestas mudanças ou foi algo que já estava pré-estabelecido no roteiro?
Já estava no roteiro, mas o Anderson [Dresch] e sua equipe permitiram que tanto eu como a Cristiana [Oliveira] e o Clemente [Viscaíno] colocássemos cacos e pudéssemos participar da escolha. Era sob controle, ele sabia o que queria, mas foi com muito entendimento.
Uma das principais cenas do Tonico é a da batalha de rap, que é quando você acaba cantando com um linguajar mais antiquado, típico do personagem. Como foi rodar esta cena?
Nós estávamos acompanhando o filme enquanto gravávamos, então também estava ansioso em ver como seria esta cena. Tivemos a participação maravilhosa do Malcolm, que é quem compete comigo na cena. Ele não só escreveu todas as disputas de rap que estão no filme como também o meu texto, se baseando em antigos escritores de um século atrás. O Malcolm é um grande artista de Joinville que criou toda esta dinâmica, foi uma coisa meio teatral em que você tinha que manter as pessoas ali, já que elas achavam que seria uma batalha de rap mesmo.
Algo que chama bastante a atenção é a parceria que você tem com o Clemente Viscaíno no filme, trabalhando muito este contraste do velho com o novo que os dois enfrentam nesta jornada de 24 horas. Isto é muito construído não só pelo figurino e pelo linguajar, mas também pelas posturas de vocês. Como foi estabelecer com o Clemente estes personagens que são tão deslocados no tempo?
A convivência e o carinho entre nós veio muito do profissionalismo e também do modo como lidamos um com o outro. Ele contava dos filmes dele, eu falava das minhas histórias, de sonhos, da profissão, como era ser artista no país… Porque, apesar da nossa diferença de idade, enfrentamos a mesma dificuldade em ser um ator bastante conhecido mas sem competir com os jovens, de mídias sociais, divulgando seu próprio nome. Ele me dizia que o Tonico era como se fosse o filho que nunca teve, então esse carinho que as pessoas vêem no filme realmente é nosso. Geralmente o ator já se entrega, mas com um grande ator como o Clemente fica fácil.
Quando Uma Carta Para Ferdinand foi produzido a ideia era lançá-lo nos cinemas. Houve até uma pré-estreia ainda antes do início da pandemia, mas por causa do contexto atual foi lançado direto no streaming. Você acredita que isto possa beneficiar a carreira do filme, de alguma forma?
A experiência do cinema é maravilhosa, gostaria de assistir a Uma Carta Para Ferdinand no cinema e ver as reações das pessoas. Lembro quando rodei O Palhaço e fomos ver uma sessão do filme no Recife, em um festival internacional de palhaços que estava por lá. O Selton Mello fez toda a estreia do filme para os profissionais e as pessoas choravam, se identificaram. Cinema é muito importante para se observar o resultado, mas o futuro são as plataformas. Muitas pessoas acham até que nunca mais poderão ir ao cinema, da forma como iam. É um desafio, e o resultado é também como as pessoas compartilham nas mídias. Acredito que este seja o futuro, mas sempre vou gostar de ver o resultado nas pessoas na hora. Isso é diferente.
Uma Carta Para Ferdinand tem esta proposta da descentralização do eixo Rio-São Paulo e, até por isso, tem uma história muito particular da fundação de Joinville, mas também encampa um lado publicitário da cidade. Como você vê esta dualidade?
Ao fazer filmes com recursos culturais e com o apoio do Estado, faz parte a valorização da cultura local. Sempre que se tem apoio a algum filme, você de certa forma é obrigado a gravar em locais que tenham este objetivo. Acho muito interessante, porque descaracteriza o eixo Rio-São Paulo. Joinville traz então um vento fresco, com uma história antiga sobre os colonizadores do país, acho muito bom.
Você comentou sobre O Palhaço e já faz quase uma década em que esteve no filme. Por mais que você tenha trabalhado bem mais na TV que no cinema, o que aconteceu para ter ficado um período tão longo fora do cinema?
Fiz também A Felicidade de Margô (2018), do Maurício Eça, mas como era um filme de festivais foi exibido mais em centros culturais e na TV Brasil. Fiquei quase 10 anos fora, nos Estados Unidos, onde fui estudar. Sou de uma família de músicos. Comecei muito cedo na TV, mas sempre fui músico, me dediquei à bateria e à percussão. Então quando voltei busquei trabalhos que me representassem mais, mas neste meio é preciso estar em evidência. É preciso ir nos lugares para as pessoas te verem, os produtores de elenco te chamarem, geralmente é mais quem está na roda. Então me afastei um pouco, fiquei trabalhando com música e outros projetos.
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