O argentino Juan José Jusid é um cineasta de vasta experiência, que começou a sua carreira artística como ator e fotógrafo na década de 60. A estreia na direção cinematográfica se deu em 1968, com Tute Cabrero, no qual amigos, ameaçados de demissão, precisam decidir entre si, antes que o chefe o faça, qual deles será despedido. De lá para cá, vários longas-metragens e programas de televisão construíram a reputação desse veterano que atracou no Brasil em 2018 para rodar parte de Uma Viagem Inesperada (2019), filme que chega agora aos cinemas tupiniquins. A trama aborda uma família disfuncional. O protagonista, vivido por Pablo Rago, é Pablo. Argentino radicado no Brasil, ele precisa voltar à sua terra natal para colocar o rebelde filho adolescente nos eixos. Conversamos por Skype com Juan sobre seu processo criativo, bem como acerca das singularidades da equipe brasileira reunida por sua coprodutora local, a Boulevard Filmes. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo, desta vez com Juan José Jusid.
Por que o tema familiar foi importante ao ponto de você rodar um filme sobre ele?
Bom, estamos numa Era em que a família disfuncional aparece no teatro, nas novelas e na literatura, ou seja, está presente no nosso cotidiano. Interessei-me bastante pela dificuldade atual inerente à relação entre adolescentes, que são como um clã, e seus pais. Quis provocar reações a partir de um reencontro, assim trazendo à tona certos problemas. Foi uma ideia original, mas gradativamente a realidade a alimentou. Na fase da pesquisa, encontrei-me com adolescentes que, munidos de sinceridade, me falaram sobre suas carências, do porquê do consumo desenfreado de álcool, do bullying que alguns sofrem, enfim, acerca de elementos que geram pressão. E a experiência da proximidade com tais jovens me trouxe até um novo vocabulário (risos). As gírias configuram praticamente outra língua. Esse trabalho determinou a estrutura do filme.
E quais as vantagens da coprodução com o Brasil?
A coprodução foi fruto de uma casualidade feliz. A Letícia Friedrich, da Boulevard Filmes, esteve em Buenos Aires no Ventana Sur, encontro de produtores distribuidores. Ela se interessou muito pelo projeto, até porque ele poderia prever alguns dias de filmagem no Rio de Janeiro. Essa parceria permitiu, também, a participação da Débora Nascimento, acréscimo fantástico para o filme. Muita gente me perguntou onde eu tinha visto ela. Débora fez a novela Avenida Brasil, de muito sucesso por aqui, mas o pessoal do cinema não a conhecia. Fiquei bem feliz de trabalhar com ela, especialmente por seu compromisso. Estive aí no Brasil filmando por, mais ou menos, uma semana, com uma equipe local excepcional.
E como foi, especificamente, o trabalho com os brasileiros?
De alguma maneira, no começo das filmagens, nos primeiros encontros no Rio, naturalmente havia dúvida em relação a como funcionaríamos. Mas, o que senti foi um carinho muito grande vindo da equipe brasileira. Nela havia cariocas, gente da serra gaúcha, de São Paulo, de vários lugares. Estabelecemos elos humanos sólidos. Uma das coisas que gostaria destacar quanto à equipe brasileira foi o seu comprometimento com o trabalho. Para mim não é fácil chegar num país e três dias depois estar rodando. Não tive muito tempo para estabelecer previamente vínculos e conhecer as pessoas, mas a equipe foi excelente.
Houve muitas modificações entre o roteiro e o filme pronto?
Trabalhamos muitos com o livro nas etapas preliminares. Hoje em dia, mudar a estrutura do que está previsto também gera uma série de problemas econômicos. Durante o processo improvisamos algumas situações, por exemplo, na noite em que os jovens passam juntos e acabam brigando e também naquela passagem em que o protagonista se envolve com as duas mulheres que o visitam no hotel. O resto está totalmente no roteiro. Mas há uma liberdade, sobretudo na linguagem com a qual os autores expressam. Muitas vezes eles trazem coisas que acabam melhorando o resultado. Estou completamente aberto a isso.
Como se deu a escolha do Pablo Rago?
O Pablo é um grande ator, com quem trabalhei várias vezes antes. Tinha ele em mente para o papel praticamente desde a finalização do roteiro. A ideia era que o Pablo conferisse ao protagonista a complexidade necessária, afinal de contas esse pai, que de certa maneira abandona um filho porque vai a outro país, retorna trazendo muitas coisas.
Como você tem percebido a recente safra do cinema argentino?
Nos últimos anos a Argentina teve uma produção intensa de filmes, com uma variedade que responde a gêneros bastante distintos. Dou aula na Escola Nacional de Cinema, em Buenos Aires, e pretendo que meus alunos, futuros diretores, contem histórias, não apenas se apaixonem por temas ou conflitos pessoais. O que vem se destacando, e que promoveu mudanças importantes ao longo dos últimos 10 anos, foi o cinema documental. Todavia a dificuldade desse tipo de produção, que não tem um circuito especializado, e que encontra empecilhos para disputar espaço com o cinema ficcional, ainda é muito grande.
(Entrevista feita por Skype, numa ponte Rio de Janeiro/Buenos Aires, em março de 2019)
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