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Nascido em Niterói, formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense, o cineasta Eduardo Nunes construiu paulatinamente sua carreira, partindo de um grande êxito na seara do curta-metragem. Além dos diversos prêmios nacionais e internacionais recebidos como realizador, ele também dirigiu vários programas para a televisão, especialmente educativos, além de ser um dos roteiristas de Árido Movie (2005). Toda essa experiência o conduzia inexoravelmente à realização de seu primeiro longa-metragem, Sudoeste (2011), selecionado para encerrar o Festival de Gramado de 2011 e, um pouco adiante, à Première Brasil do Festival do Rio. De cara, chamou a atenção o lirismo das imagens, a consistência da atmosfera onírica, algo que o colocava num ponto absolutamente fora da curva da nossa produção, numa posição de destaque. Seis anos se passaram entre o debute e Unicórnio (2017), seu segundo longa. Após passagem pelo Festival de Berlim, novamente pelo Festival do Rio, além de uma série de sessões de pré-estreia Brasil afora, Eduardo está pronto para apresentar a sua nova criação ao público. Neste Papo de Cinema, ele discorre acerca dos motivos do hiato, bem como sobre os pormenores de seu processo. Confira.

 

De Sudoeste a Unicórnio se passaram seis anos. A que se deve essa demora?
Gostaria de filmar mais. Entendo os cineastas que fazem um filme atrás do outro, mas, na verdade, escolho muito lentamente os meus projetos. Havia uma ideia anterior, a de filmar A Morte Feliz, do Albert Camus. Tentamos recursos durante dois anos, até por se tratar de algo com um orçamento alto, na casa dos seis ou sete milhões. Chegamos a comprar os direitos, mas não conseguimos renovar. Fiquei realmente chateado. Eu estava relendo o Unicórnio, da Hilda Hist, e pensei: por que não? É muito difícil transpor a literatura dela para o cinema, pois tudo basicamente está em cima da própria construção literária. Então, respondendo diretamente à sua pergunta, houve dificuldade de financiamento, mas também uma demora natural minha.

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Unicórnio circulou por festivais e agora chega ao circuito. Como espera que o público, acostumado a narrativas mais céleres, receba essa imersão que você propõe?
Primeiro, há uma diferença entre ele o que se produz no cinema brasileiro de hoje, de fato. Existe uma ideia preconcebida do que é o cinema brasileiro: que ele tem de abordar temáticas sociais, ter pouca música e uma narrativa meio crua. O Eduardo Valente, que indicou o filme para ser exibido em Berlim, disse que O Unicórnio é estranho em qualquer lugar (risos). Ao mesmo tempo, acredito na existência de uma parcela do público que gosta de obras assim. Meu desejo é alcançar essas pessoas. Uma pena que talvez o filme não chegue a elas. Claro, muita gente vai achar chato, sair no meio, mas outros tantos, que provavelmente adorariam, nunca o verão. Nas pré-estreias tenho me deparado com coisas incríveis. Na do Recife, tinha um casal que veio de carro de João Pessoa exclusivamente para a sessão. Existe um potencial, não apenas para esse filme, mas a vários outros. Mas, eles precisam encontrar o público. É difícil.

 

Como é o seu trabalho com Mauro Pinheiro Jr, vide a importância da fotografia ao resultado?
Nos conhecemos há muitos anos. Entramos juntos no curso de cinema da Universidade Federal Fluminense. Todos os meus filmes foram com ele. Portanto, existe um diálogo longo, de 25 anos. Há um entendimento prévio do Mauro quanto a como gosto de me expressar através da imagem. O Mauro é um cara bastante estudioso. Ele entende, por exemplo, que fotografia não é apenas o quadro, a luz, mas tudo o que está na tela. O conceito de fotografia, então, parte de outros departamentos. Temos uma primeira conversa, depois faço o storyboard do filme inteiro. Vamos para o set com tudo absolutamente desenhado. Sinceramente, não sei onde acaba o meu trabalho e onde começa o dele. Ao mesmo tempo, o Mauro tem essa capacidade de assumir a autoria de outras pessoas, o que torna a criação dele diversificada.

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Unicórnio é, também, bastante sonoro, com aquela natureza marcando presença através dos ruídos. Seus trabalhos sempre têm por característica essa valorização do som, não é?
O pessoal do som vem colaborando comigo desde os curtas. Valorizo muito esse ambiente. O espectador está dentro de uma sala, imerso na experiência. O roteiro é um recurso para se expressar cinematograficamente. O som e a imagem podem conduzir esse processo. Acho tão bonito quando você entra numa sala e se deixa levar por uma experiência de som e imagem. Acredito que deveríamos ousar mais no sentido de fazer cinema. O som tem essa característica muito forte de criar a ambiência, por exemplo, se valendo desde os elementos da natureza, retrabalhando-os para criar um universo onírico. Se trata de pegar uma concepção e ir a ressignificando.

 

Seus dois longas-metragens são protagonizados por mulheres, na verdade meninas descobrindo o mundo. O que te atrai nessa perspectiva?
Engraçado, não tinha percebido isso até um jornalista fazer a mesma pergunta. No Sudoeste, você tem a vida de uma mulher, questões intrínsecas ao universo feminino. Se eu colocasse um personagem masculino, fatalmente não poderia abordar aquilo tudo. No Unicórnio, partimos de uma autora mulher. O filme fala de uma menina se relacionando com a mãe. É um ambiente em que não consigo ver personagens masculinos à frente. As mulheres protagonistas surgem a partir dos temas que eu gostaria de tratar. Não é fácil assumir um discurso feminino, como autor homem. Cresci cercado de mulheres, então convivi bastante com diversas questões a elas concernentes. Talvez por isso seja mais intuitivo falar a partir delas.

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Como foi, especificamente, o trabalho com a Bárbara Luz, que frequentemente enche a tela?
Alguém me chamou a atenção, já na fase do storyboard, de que 70% do filme é no rosto da menina. A Bárbara é filha da Inês Peixoto e do Eduardo Moreira, do Grupo Galpão, que também estão no filme. Ela foi a primeira a mandar o teste. Testamos cerca de 40 meninas no total. Mas ela realmente sobressaiu. O que me fascina no trabalho da Bárbara é o fato dela não sair do personagem. Diferentemente de algo calcado no texto, em Unicórnio há muitos momentos de silêncio e olhares expressivos. É mais complexo para o intérprete. A forma como ela olha o pai falando é impressionante. A Bárbara é muito intuitiva, até por que não tinha experiência prévia como atriz. Ela é uma descoberta, mesmo. Já virei fã, completamente.

 

(Entrevista concedida por telefone, numa ponte Rio de Janeiro/São Paulo, em agosto de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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