Antes mesmo de completar 30 anos, João Pedro Zappa já se tornou um dos principais nomes do cinema brasileiro. Isso, porém, não foi da noite para o dia. Apesar de ter estreado há dez anos e já ter participado de diferentes produções na televisão e no cinema, foi somente ao aparecer ao lado de Deborah Secco no drama Boa Sorte (2014) que começou a chamar atenção do público e da crítica. Seu maior desafio, no entanto, viria como protagonista de Gabriel e a Montanha (2017), filme inspirado em um episódio real que lhe valeu indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o Oscar da produção nacional) e ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro (a maior premiação da crítica no país). Agora ele está de volta às telas com o independente Vende-se Esta Moto, que teve suas primeiras exibições no Festival do Rio do ano passado e somente agora está entrando em cartaz. Aproveitando este lançamento, conversamos com o ator, que falou também sobre os maiores desafios de ser ator no Brasil. Confira!

 

Olá, João. Você chamou atenção no Boa Sorte. Depois com o Gabriel e a Montanha e agora é protagonista novamente, em Vende-se Esta Moto. O ator que você é hoje está diferente daquele de três, quatro anos atrás?
Ah, com certeza. Tem uma estrada, aí, que foi percorrida, e as marcas pelo que passei nesse caminho estão no meu trabalho. Principalmente o Gabriel e a Montanha, que foi um divisor de águas na minha vida, tanto profissional quanto pessoal. O mergulho que foi preciso para viver o Gabriel exigiu uma convivência muito intensa, de toda a equipe. Eram 24 horas, todos os dias, por três meses, o tempo todo. Aprendi muito com cada uma das pessoas que estiveram envolvidas nesse projeto, me fez olhar para a profissão com outros olhos. O Vende-se Esta Moto veio logo em seguida, e penso que ele foi muito favorecido por todo esse aprendizado que tive poucos meses antes. Até tomei um susto, pois foi somente fazendo que percebi que estava entendendo melhor a engrenagem do que é, de fato, fazer cinema.

Cena de Vende-se Esta Moto

O que lhe atraiu no Xéu, o protagonista de Vende-se Esta Moto?
Eu já tinha feito um monólogo com o Marcus Faustini, o diretor, mas no teatro. Se chamava Guia Afetivo da Periferia, escrito e dirigido por ele, e foi uma experiência muito boa. Quando me chamou para esse filme, aceitei de imediato. O personagem da peça tinha muitas semelhanças com o Xeu. Mas foi assim, estava tudo certo para fazer uma novela, mas minha participação acabou cancelada e fui pego de surpresa, sem trabalho, nem nada programado. Foi quando pintou o filme. O Marcus, inclusive, tinha me falado tempos atrás, e tava procurando gente pra fazer. Fui até ele e disse: agora eu posso! Assim que aconteceu, de uma parceria que tinha dado certo, já tinha confiança em mim. Gosto do que ele faz, desse universo, a leitura que propõe da cidade, do Rio de Janeiro, como um espaço de geografia afetiva. É muito interessante.

 

Quais as principais diferenças entre o Xéu e o Gabriel?
São personagens completamente diferentes. Tanto de origens, como do modo de verem o mundo. Por mais que os dois sejam cariocas. O Xéu é de uma classe média baixa, de uma comunidade, que anda pelo centro da cidade por necessidade, para sobreviver. Já o Gabriel é um cara vivido, que tinha a vida toda planejada. Ele podia estar viajando, mas sabia que tinha uma bolsa para estudar políticas públicas na UCLA esperando por ele. Ele morava no Leblon, era de outra classe. Tudo nele era diferente, as motivações, as aspirações. O Gabriel queria o mundo inteiro para si, e o Xéu quer o mundo dele, apenas.

Marcus Fautini e João Pedro Zappa nos ensaios de Guia Afetivo da Periferia

Qual destes dois representou um maior desafio para você?
O Xéu é um personagem mais distante da minha personalidade, então, neste sentido, ele me exigiu mais. Talvez eu seja mais parecido com o Gabriel, nesse sentido de origem. O Marcus sabe quem sou, de onde venho, não queria um ator que fizesse esse estereótipo de periferia que conhecemos dos filmes brasileiros. De tanto ser repetido em tudo que é filme, parece que ficou marcado na tela, como um tipo que só existe no Rio de Janeiro. O Marcus traz isso, a periferia não tá fora do mundo, não é algo à parte. Esse personagem é uma pessoa normal, portanto não precisa falar de um jeito assim ou assado, como se fosse igual a todos os outros, moldes de fábrica. A diversidade que existe nessas comunidades é enorme. É um cara que tem sua história, e por isso decidimos construir a identidade cênica dele. Isso foi o mais interessante, experimentar essa outra realidade, retratando um garoto da periferia que não é somente um clichê, mas uma pessoa de verdade.

 

Uma questão que chama atenção é o fato do Xéu estar sendo enganado pela namorada, pela colega de trabalho, pelo primo, e mesmo assim ele não se dá conta disso. O que passa pela cabeça dele? E, principalmente, por que fazem isso com ele?
Interessante essa pergunta, pois sempre tive a mesma dúvida. Acho que o Faustini também, aliás. Na real, não sabemos se ele não percebe que está sendo enganado, por conta de estar tão centrado no mundo dele, e aquilo ser o bastante, ou se ele sabe, e simplesmente não se importa. Se ele tem noção do que acontece, é mais esperto do que a gente imagina, e prefere ficar na dele. Enfim, só sei o que filmei. Talvez, quando assistir, perceba “realmente, ele está sendo enganado”. Aos poucos ele vai ficando um pouco agressivo, até que tem um rompante no enterro. Ele é um garoto trabalhado na contenção, que não se deixa estourar, não é tão combativo. Até o momento em que não aguenta mais. Está o tempo todo avaliando essas coisas, e negociando. Ele veio de outro lugar, e lá havia tomado um tiro, se meteu com o que não devia. Por isso, acredito, deu um foda-se! Se deixou levar pelos impulsos! O cara, afinal, quase morreu, e leva isso em consideração. Não no sentido de ter medo, mas é uma maturidade que veio para ele mais cedo do que com o primo, por exemplo.

João Pedro Zappa e Vinícius de Oliveira em cena de Vende-se Esta Moto

Vende-se Esta Moto é o primeiro filme do diretor Marcus Faustini. Como foi trabalhar com ele?
Foi uma experiência curiosa. O Vende-se Esta Moto foi o meu nono longa, se não me engano. Tenho também uns 15 curtas. Ou seja, no cinema, minha experiência é maior do que a do Faustini. Mas ele gosta de dirigir atores, sabe o que está fazendo, e tem muita referência, ainda que seja um cara de teatro. Mas é multifacetado, afinal ele escreve, já publicou livro, tem coluna no jornal, faz teatro, e agora está com um filme. Acho que ele se definiria assim também. E se cercou de pessoas competentes, também. Tinha um assistente legal pra caramba, que sacava de set, e uma outra que cuidava do elenco, e o resto da equipe. Posso dizer, não foi fácil fazer esse filme, afinal tínhamos muito pouco dinheiro. Mas o Cavi Borges, nosso produtor, consegue fazer mágica. É o filme o menor orçamento que já fiz, disparado! Até menos do que os curtas, imagino! Mas está aí, pronto, mesmo com alguns percalços no caminho. Era uma galera que abraçou junto, foi uma verdadeira guerrilha! Mas, felizmente, deu tudo certo no final.

(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Rio de Janeiro)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *