Dira Paes é uma das nossas favoritas aqui no Papo de Cinema. Nós já a entrevistamos duas vezes aqui no site, nos lançamentos dos filmes O Segredo dos Diamantes (2014) e Lino: Uma Aventura de Sete Vidas (2017), além dela ter participado ao vivo de uma live no nosso instagram para falar sobre Divino Amor (2019). Acompanhamos também suas homenagens por festivais como Cine Ceará e Mostra de Tiradentes, além das vitórias conquistadas no Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro (com seis indicações, ganhou em 3 ocasiões). Dessa vez, a conversa foi sobre um dos seus mais recentes trabalhos, o drama fantástico Veneza. Essa conversa se deu em Gramado, na Serra Gaúcha, logo após o filme ter sido exibido na mostra competitiva da 47a edição do festival – de onde saiu premiado com dois kikitos, os de Melhor Direção de Arte e Melhor Atriz Coadjuvante, para Carol Castro. Na ocasião, Dira falou sobre como foi seu primeiro contato com o diretor Miguel Falabella e como foi adentrar nesse mundo de sonho e fantasia. Confira!
Olá, Dira. Como surgiu o convite para participar de Veneza?
O Miguel Falabella me ligou. Juro pra você, tremi nas bases quando atendi o telefone e vi que era ele. Foi num dia à tarde, estava em casa, e fui pega de surpresa. Ele me disse: “Dira, vou te mandar o roteiro de um filme que tenho muita vontade de fazer. Já contei essa história no teatro, é o Veneza”. Quando disse isso, me deu uma coisa. Sou apaixonada pela Laura Cardoso e pela Arlete Salles, que encenaram essa mesma história nos palcos. Estava sendo convidada para um papel que tinha sido da Arlete, e comecei a pensar nas mulheres maravilhosas que já trabalharam com o Miguel. Tudo isso enquanto ele tava falando, nem consegui me concentrar, de tanto que passava pela minha cabeça. Quando o roteiro chegou nas minhas mãos, li imediatamente e respondi: “Miguel, de antemão, já estava feliz com o convite. Agora, tendo lido o que você escreveu, me sinto presenteada. Conte comigo, quero, sim, fazer esse filme”.
Você nunca havia trabalhado com o Miguel Falabella. Como ele é no set? O Miguel Falabella diretor é muito diferente do artista que todo o Brasil conhece?
O Miguel sabe exatamente o que quer. Tanto é que, quando assisti ao filme pronto, vi na tela os detalhes que ele havia mencionado naquela primeira ligação. Desde o princípio, sabia o que queria, e as coisas que falou que iriam acontecer, de fato estão em cena. Uma coisa que tenho certeza que pouquíssima gente percebeu, por exemplo, é na cena quando vou pra frente do ventilador. Tem uma lágrima que voa, de dentro do meu olho. É algo mínimo, que pouca gente se dá conta. Mas me disse que teria aquilo, e de fato está ali. Pequenos detalhes. Outra coisa boa é que não é um diretor didático. Gosta de improvisar. Como está certo do que precisa ser feito, mantém o ouvido sempre atento ao que pode ser incorporado. No nosso primeiro contato, me disse: “chamei você porque sei que pode fazer essa personagem”. Não tinha insegurança em relação à gente. A mim, pelo menos. E estar ciente disso me honrou muito.
Como foi atuar ao lado de Carmen Maura?
Eu e a Carmen nos encontramos pela primeira vez direto no set. E o que vi, de imediato, foi uma atriz muito generosa. No entanto, como tinha que aprender português para atuar conosco, estava concentrada nisso. Em conseguir dar as falas sem ter apoio. Nós, brasileiros, temos facilidade entre o português e o espanhol, mas para eles é difícil. É mais complicado para um espanhol falar português do que o contrário. Por tudo isso, tivemos muita troca entre nós. Passávamos quase todas as cenas antes das filmagens.
Ainda dá nervosismo antes do “ação!” do diretor? Mesmo depois de todo esse tempo e de uma carreira brilhante como a tua?
O meu maior nervosismo, nesse caso, era de atrapalhar o processo dessa deusa que tanto admiro. Portanto, decidi ser passiva. Esperava ela dar, para depois reagir. Isso foi bom, pois acho que a deixou à vontade. Afinal, quem estava de visitante era ela. Nós fizemos de tudo para deixá-la confortável.
Sem dar spoiler, podemos dizer que o clímax da história se passa na cidade de Veneza. Como foram as filmagens por lá?
Tivemos dois dias filmando em Veneza. Foi uma experiência maravilhosa. Amo o desfecho do filme. Acho que não é spoiler dizer que, se eles vão até Veneza, é porque a magia toma conta. A gente pode falar dessa maneira. Através de uma narrativa realista, o filme se torna fantástico. Ele nos entrega um sentimento precioso, e não podemos deixar que ele se disperse dentro da gente., que é a capacidade do sonho. Como é bom sonhar. Afinal, no sonho tudo é possível. Por mais que o final possa ser visto como melancólico, o que era uma necessidade da realização, quando você esgota, também se prepara para o próximo. Como aconteceu comigo. Tinha esse sonho de trabalhar com o Miguel Falabella. Agora que realizei, estou pronta para o desafio seguinte. Quem sabe um novo filme com o Miguel Falabella (risos)?
Veneza é um filme de elenco. Como foi achar o equilíbrio ao lado de tantos talentos tão diferentes?
Seria pretensioso da minha parte querer criar uma lacuna pra si mesma dentro de um conjunto como esse. Quando mais misturados estivéssemos, melhor seria para o filme. Estamos todos falando desse realismo fantástico. Tudo pode ficar demais. Então, temos que experimentar algo novo. Como o Miguel nos disse, parece até que todas aquelas pessoas estão mortas. É muito ermo onde estão. Perdidas no tempo e no espaço. Por isso era importante se conectar com algo concreto, cotidiano. Procurei trazer para esse lugar. Mas quem puxa o bonde do fantástico é a Gringa (Carmen Maura). A personagem dela é quem dava a interface entre a loucura e a consciência.
Quem é a Rita, a tua personagem?
Estou feliz em ter conseguido fazer uma Rita que, ao mesmo tempo que assumia uma liderança – afinal, era o braço direito da Gringa – também era mais uma ali dentro. Depende daquelas pessoas para sobreviver. Então, não se comporta como dona da situação. De certa maneira, é o alicerce daquela comunidade.
Fantasia ou realidade? Na hora da necessidade, onde é melhor se refugiar?
Essa pergunta é pra Dira, né? (risos) Engraçado, mas prefiro a realidade. Curiosamente, faço questão de manter ao menos um pé no chão. Claro que, como ator e atriz, a gente não pode ser tão radical. Temos que estar abertos para voar. É preciso ter a capacidade de se abismar. Às vezes, quando se depara com um abismo pela frente, temos que conseguir nos jogar. Dito isso, digo que gosto da realidade. A minha me conecta com as pessoas que amo demais. Gosto de viver disso, viver de amor.
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2019)
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