Eduardo Moscovis anda bastante ocupado. Após ter feito seu primeiro filme internacional (Nona: Se Me Molham, Eu Os Queimo, 2019), uma série de sucesso (Bom Dia, Verônica, 2020), um filme (Pai em Dobro, 2021) e mais uma série prestes a estrear (Colônia, 2021), ele ainda arrumou tempo para se destacar no elenco de Veneza (2019), de Miguel Falabella, que foi premiado no Festival de Gramado e já deveria ter estreado, mas teve seu lançamento adiado em mais de um ano por causa da pandemia do Covid-19. Nós conversamos com o ator quando da sua passagem pela Serra Gaúcha, e ele comentou sobre como foi ter participado desse projeto de sonhos e ilusões, como foi ser o único homem no meio de tantas mulheres e como foi ter trabalhado ao lado da grande Carmen Maura. Confira!
Edu, o Tonho é a força bruta no meio de tantas mulheres. Quem é esse personagem?
Ele é a figura masculina daquele universo. Nasceu de uma prostituta e foi criado por outras mulheres como a mãe. Tudo se junta nessa figura. É o segurança, um faz tudo. É o filho, pois a Gringa é quase uma segunda mãe para ele. Ele a trata dessa forma. Tem uma relação de irmão com aquelas garotas. Mas é também o macho, e não de uma forma pejorativa. Um cara viril, mas doce. Embarca naquela viagem e se esforça para realizar aquele sonho. Fica altamente incomodado por não poder ajudar e ver o quanto aquela senhora está sofrendo. De que forma vai conseguir solucionar aquilo?
Ele é emoção em estado bruto, mas o espectador consegue vislumbrar uma sensibilidade.
É uma figura utópica. Um cara que se relaciona com aquelas mulheres de uma forma sincera e genuína. É parceiro de todas elas. O Tonho é um cara que eu gostaria de ser. Na minha busca evolutiva, como ser humano, vejo que quero ser como esse cara.
Como foi trabalhar com o Miguel Falabella como diretor?
O Miguel não é nada. Ele não é diretor, não é ator, não é alguém que possa ser definido. Ele é o Miguel, e ponto. É um talento absurdo. Um ser de muita luz. É uma pessoa magnética. Quando puxa a palavra, é capaz de não soltar por mais de uma hora. E sem perder o ritmo. Você fica ali, só admirando a capacidade que tem de contar histórias. Passa da parte romântica para o engraçado, e daí para o absurdo, e você flui junto. Nas nossas leituras, quando lia a personagem da Carmen Maura, por exemplo, porque ela não estava com a gente, era de uma forma brilhante. Parecia que era ela quem estava ali. Tanto que, no set, a própria Carmen pedia para ele fazer como queria a personagem para pegar o tom (risos).
Pegando essa gancho, a Carmen Maura é uma figura maiúscula. Você certamente já tinha visto muitos filmes com ela. Como foi tê-la ao seu lado no set?
São dessas coisas que acontecem com você e não dá pra acreditar que é real. Pensar que estou ali, fazendo um filme com a Carmen Maura. Como assim? Você também se despluga desse lugar que as pessoas, aparentemente, te colocam. Você vira o Tonho. E se confunde nisso tudo. “Nossa, é a Carmen Maura mesmo!” Preciso contar pra alguém, sabe? (risos) Eu e Dira, principalmente, pois tivemos um número maior de cenas com ela, quando nos encontrávamos depois, no hotel, comentávamos da potência, da técnica, como ela compreendia o set. Foi um prazer, uma verdadeira aula.
Um cara como tu, que está há tanto tempo nessa estrada, ainda sente um friozinho no estômago quando um encontro como esse acontece?
Lógico que sim. A Fernanda Montenegro não fala que, cada vez que vai entrar no palco, sente o mesmo frio do começo? É isso que nos motiva. É uma chance, e é importante sentir. Uma coisa que gosto é de jogar futebol. Imagina ir jogar bola com o Zico ou com o Falcão? Não posso deixar essa bola cair, quando chegar em mim preciso devolvê-la bonitinho. Então é isso, é não deixar a bola cair. É não atrapalhar.
Teu personagem tem uma cena forte, de violência, com a Danielle Winits. Como foi o preparo de vocês?
Nós trabalhamos isso antes de filmar. Nessa cena específica, quando o Tonho dá um tapa na personagem da Dani, logo em seguida é ela quem pede desculpas. Pois sabe que passou dos limites. Mexeu num lugar que não podia. A violência dele, física, é genuína. É lógico que podem aparecer defensores e ativistas, mas isso acontece. Não estamos incentivando, estamos retratando. Foi um tapa que representa uma violência que existe por aí.
Não chega a ser um fato isolado dentro do filme.
Com certeza, não. Há outros. Mas esse é significativo. Há potência nessa cena. É difícil fazer algo assim. Mas é, também, pertinente, e isso pelo jeito como se encaixa na história.
Vocês foram até Veneza para as cenas finais. Como foi essa experiência?
Tudo está nessa transição do teatro para o cinema. Ao meu ver, o filme ocupa esse lugar, de quando você consegue fazer essa passagem e se manter fiel à obra. Afinal, ainda vê teatro no filme. E, ao mesmo tempo, não se afasta daquilo. O cinema segue presente. Os argentinos costumam fazer isso de uma forma muito interessante. E acho que o Miguel também conseguiu. Pra começar, pegou atores que fazem muito teatro. Quando você conta uma história, está sempre testando se irão acreditar ou não. Contar para uma criança, ou num banco de praça, é sempre uma fábula que está sendo dita. Vamos nessa.
Mas tendo Veneza ao seu redor fica mais fácil.
Exatamente. Esse filme me trouxe um monte de presentes. Vários mimos que daqui há dez, quinze anos, vou olhar e lembrar com carinho. “Como fui sortudo”. Pelas pessoas com quem trabalhei, pelo elenco e equipe que estava conosco, a possibilidade de ter ido até Veneza. Ficamos três noites apenas, no máximo. Passamos duas filmando. Em cantos e vielas completamente vazias, que a equipe de produção de lá escolheu. Estava frio, filmávamos às duas ou três da manhã. Pra completar, numa dessas noites choveu de uma forma absurda, interrompendo os trabalhos por quase duas horas. Tudo contribuiu para termos uma Veneza mais vazia, completamente nossa. O que ajudou nesse sonho. Estava lá eu, na gôndola, cantando, e carregando a Carmen Maura. Posso parar por aqui, né? (risos)
(Entrevista feita ao vivo em Gramado em agosto de 2019)
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