Daniel Cateano é um profissional experiente na seara audiovisual. Além de cineasta – co-dirigiu dois longas-metragens coletivos, Conceição: Autor Bom é Autor Morto (2007) e Rio em Chamas (2014), de ter dirigido alguns curtas-metragens e documentários –, foi colaborador das revistas Filme Cultura, Contracampo e Cinética, atuando como crítico. Com formação em cinema e pós-graduação em literatura, é professor da Universidade Federal Fluminense, no campus de Rio das Ostras, exatamente onde se passa Verão em Rildas (2018), seu mais novo filme que chega aos cinemas pela Cavideo. A trama dá conta de uma turma de jovens às voltas com trabalhos, festas, amores e expectativas, que resolvem produzir coletivamente um festival de artes com o intuito de homenagear um amigo prestes a partir para Londres. Todavia, a repercussão negativa de uma das controversas performances afeta diretamente suas vidas. Verão em Rildas é um híbrido entre o documentário e a ficção, com não atores e figuras carimbadas, tais como Jards Macalé. Conversamos por telefone com Daniel para saber como foi o processo da produção e mais sobre o filme. Confira.
Por que a opção por um formato híbrido em Verão em Rildas?
É uma boa pergunta. Eu tinha um roteiro antigo, escrito há quase 20 anos, cuja história se passava no Rio de Janeiro. A situação desse roteiro era exatamente o que aconteceu de verdade com alguns alunos meus em Rio das Ostras. Então, propus a eles mesmos que se interpretassem, uma coisa meio neorrealista, com os atores vivendo próximos da própria condição real, em locações naturais. Foram eles que propuseram incluir aquela conversa sobre a polêmica como um debate documental. Minha intenção com o filme era mostrar esse ambiente de uma juventude peculiar, de gente que sai muito cedo de casa para estudar em cidades pequenas e morar em república. Não vi sentido em fazer disso um documentário. E sobre aquilo da Xereca Satânica, achei melhor ouvir os alunos.
Como foi o processo de trabalho com os jovens não atores?
Cara, foi uma longa conversa (risos). Os alunos se assustaram um pouco, ainda que a proposta dissesse respeito a interpretar personagens próximos a eles mesmos. É necessária uma relação com a câmera. Eles fizeram alguns exercícios para se sentirem mais à vontade. Propus que me ajudassem a escrever o roteiro, mas isso não andou. Depois, a Alice, uma das meninas, me trouxe algumas cenas que ela bolou. Além de tudo, havia a complicação de ter de produzir um festival de verdade. A polêmica da Xereca Satânica não aconteceu na realidade num evento desses, mais num seminário acadêmico.
Por que abordar a polêmica do festival, assim como as questões sociais colocadas em xeque, apenas no final, após o excerto documental?
Na verdade, o foco do filme não é o famigerado episódio da Xereca Satânica. Foi a Ara Nogueira, atriz, poeta e performer quem bolou esse nome posteriormente, pois a performance originalmente não tinha título. Criamos o entorno ficcional do festival para abordar o episódio e esse ruído é intencional, a fim de que as pessoas saiam da sessão justamente se perguntando o que é verdade ou não. A polêmica é importante, pois um dado que marcou a vida dos alunos. Mas, o que mais me interessava era a experiência deles numa cidade como Rio das Ostras, pequena, cara, com muita violência, na qual criam uma espécie de comunidade para irem se apoiando cotidianamente.
Para você, não apenas como cineasta, mas enquanto professor, crítico e pesquisador, a relatividade dos limites entre ficção e documentário é algo instigante?
Acho muito interessante isso. Na verdade, tratamos como um fenômeno cinematográfico atual, mas vem acontecendo há um tempo. Para nortear os alunos, dizia que iríamos aplicar no filme o que havíamos estudado de neorrealismo italiano, ou seja, a utilização de locações naturais, planos mais longos, atores não profissionais. Cheguei a fazer a brincadeira de que o filme era o Rio das Ostras 40 Graus (risos). Algumas pessoas disseram que meu filme se tratava basicamente de documentário. Uma loucura isso de tachar. Essa relação sempre aconteceu no cinema pretensamente realista, que busca trazer uma dose de verdade, embora essa palavra seja complicada. Não acho que o cinema seja apenas isso, ele pode ser delirante, não abordar o real. Mas, para determinados projetos, esse tipo de roupagem acaba sendo ideal.
A energia juvenil, esse ímpeto ainda não totalmente contaminado pelas complicações da vida adulta, é uma constante na Duas Mariolas, a produtora do Verão em Rildas. A que atribui isso?
Vou te dizer, concordo totalmente com você, mas não é algo planejado. Mas, pensando agora, há realmente uma vontade de capturar essa energia. O Filipe Bragança, por exemplo, tem um fascínio por certo momento da adolescência. Há o desejo de tentar emular a energia jovem, que transmite vitalidade e permite que façamos um tipo de filme sem seguir certos parâmetros industriais. Existe uma cobrança sobre o cinema brasileiro, de ter medidas industriais, um dilema do cinema de modo geral. Acho que o cinema brasileiro de hoje acaba engessado por esses critérios comerciais. Isso bitola a cabeça das pessoas. De alguma maneira, a juventude permite certo frescor à forma de narrar, nos dando a liberdade de não ser iguais aos outros filmes. Tem que existir alguma coisa diferente. Amamos John Ford, um monte de cineastas, mas se formos seguir uma receita de bolo, melhor pegar o original.
(Entrevista concedida por telefone em outubro de 2018)