Nascido em São Paulo na década de 1970, Claudio Marques considera Salvador sua terra natal, influenciado pela família baiana. Amante da literatura, sempre considerou a sétima arte um passatempo até o dia em que, morando em Paris, percebeu uma fila enorme na porta da Sala Georges Pompidou. Aquele movimento captou sua atenção, o fez se juntar aos demais e, quando percebeu, estava lá dentro, assistindo ao clássico nacional Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha. Foi o que precisava para ser mordido pelo “bicho do cinema”. Em seguida voltou para o Brasil, abriu uma videolocadora, montou um jornal cinematográfico e, aos poucos, começou a se aventurar também como realizador. Depois de diversos curtas premiados no Brasil e no exterior, ele agora estreia em longa-metragem, mais uma vez ao lado de Marília Hughes, com Depois da Chuva, filme que lhe rendeu um Candango de Melhor Roteiro no 46° Festival de Brasília. Selecionado também para o 20° Vitória Cine Vídeo, o diretor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema no dia seguinte à sua exibição na capital capixaba. Confira!
Depois da Chuva estreou no Festival de Brasília, onde teve uma repercussão muito boa, e chegou ao Vitória Cine Vídeo cheio de expectativas. Como está sendo a carreira do filme e qual é a previsão para a chagada aos cinemas?
O Depois da Chuva é um filme que está vivo já tem bastante tempo, na verdade. Antes de estar pronto, foi convidado para participar de uma sessão Work in Progress, para filmes não finalizados, no BAFICI, em Buenos Aires. Lá veio o convite para uma sessão também de filmes não finalizados no Festival de Cannes. Estes foram encontros muito especiais, bacanas, mesmo antes do filme estar pronto.
Sendo esse o primeiro longa-metragem de vocês, como aconteceu de antes mesmo de estar pronto já estar participando de eventos de destaque internacional?
Isso só foi possível porque temos uma carreia de curtas, que chamam a atenção por serem filmes diferentes, autorais, e que tiveram um reconhecimento interessante. Isso despertou o interesse de muitas pessoas para o nosso primeiro trabalho em longa-metragem. E já rendeu esses dois convites antes mesmo de dele ficar pronto. Termos sido selecionados para Brasília nos deixou muito felizes. Para mim é um orgulho enorme ter um filme selecionado e exibido no mesmo festival em que Rogério Sganzerla e Joaquim Pedro de Andrade tiveram seus trabalhos reconhecidos. Foi muito bacana, não apenas pela premiação, mas também pelas conversas, pela recepção do público, dos colegas e amigos cineastas, e também pelo retorno da crítica. Estamos com mais de 30 críticas ao filme, e a imensa maioria muito positiva. É obvio fizemos Depois da Chuva pensando que todo mundo iria gostar, não era essa a nossa proposta. Mas, majoritariamente, estamos tendo críticas positivas. Algumas são muito tocantes, nos deixaram felizes e emocionados, não apenas por comprarem nossa proposta, mas por entenderem a ideia, nos ajudando a entender o filme que fizemos. Isso é muito legal, quando há esse encontro da crítica com o cineasta.
O que gostei no resultado de Brasília foi o reconhecimento de dois pontos que para mim são fundamentais do filme: a atuação do Pedro e o roteiro de vocês. Vocês contavam com esse reconhecimento?
Pois então, teve também a trilha sonora, que foi uma coisa muito especial porque traz uma Bahia mais rica, mais diversa, diferente do que a gente está acostumado a ver no cinema e na televisão. Isso nos ajuda a discutir muito essa questão da nossa representatividade. O roteiro foi um trabalho de quatro mãos, então foi árduo. Ficamos com muita tensão, esmero e cuidado. Com certeza esse reconhecimento nos deixou muito felizes. Pedro Maia é o protagonista, um jovem de 16 anos, que está em 95% do filme. Sabíamos que se errássemos nessa escolha, não teríamos um longa-metragem. Trabalhamos durante oito meses no filme antes de encontrarmos o Pedro. E ele foi de uma generosidade e disponibilidade incríveis. Para a gente, foi como se tivéssemos ganho o melhor prêmio.
Como foi a seleção do elenco? Tem muita gente ali atuando pela primeira vez. Vocês queriam gente nova, ou acabou sendo a solução para os papéis?
Queríamos gente jovem. Levou um ano até achar o Pedro. Procuramos, inclusive, em outros estados. Quando batemos o olho, e conversamos com ele, não tivemos dúvida que seria o protagonista. Ele tinha uma formação que possibilitava montar esse personagem. E, a partir dele, definimos praticamente todos os outros autores. De acordo com a preparação, íamos fazendo teste de elenco com os demais. Para nós era muito importante essa sintonia com o Pedro. Tanto que, hoje, acho que temos um elenco notável. As atuações são sempre ressaltadas e são muito fortes. É um naturalismo, mas não histérico, é da vida real. É um tom bem abaixo.
Percebe-se de vocês, diretores, um carinho muito forte com os atores. Além da história, vocês concedem o espaço necessário aos atores fazerem o trabalho deles…
É bem verdade. Tanto que o Pedro e a Sofia, que formam o casal protagonista, sempre falavam assim “Cuidado, cuidado, que Cláudio e Marília estão chegando…”, pois tudo que escutávamos deles, a gente roubava para o roteiro também. Nosso texto era como um guia, estava constantemente em formação, porque queríamos deixá-los muito à vontade. Ensaiamos essas improvisações também, para que em cena eles estivessem em pleno domínio daquelas vidas que estávamos criando naquele momento.
De onde surgiu a inspiração para a história de Depois da Chuva?
Eu era um jovem na década de 1980. Vivi meu despertar político e amoroso naquele momento de convulsão. Era uma sensação muito forte de que a vida poderia ser maior, que as coisas poderiam ser melhores. Eu falava muito isso com Marília, que é oito anos mais jovem que eu. Contava minhas experiências, e foi ela a primeira quem falou: “poxa, aí está o nosso primeiro longa-metragem”. Demorei um pouquinho para aceitar, achava que eram coisas muito minhas, mas aos poucos fui entendendo que poderiam dizer respeito a mais pessoas, poderiam comunicar, não apenas a quem vivenciou aquele momento, pois trabalhamos com questões que são atemporais, universais, e que podem tocar jovens na Ucrânia ou Islândia. Mesmo que não estejam interessados ou não sejam conhecedores da história do Brasil.
Esse é um fato interessante. O filme fala sobre a história do Brasil como país, mais do que apenas da Bahia, por exemplo. Era um objetivo fazer um filme que fugisse do estereótipo dos filmes baianos?
A Bahia é muito rica e diversa. Ela tem capoeira, candomblé e tem acarajé. Essas coisas são poderosas. Mas da forma que todos esses símbolos vêm sendo utilizados pelo cinema, pela televisão e teatro, faz parecer que a Bahia é só aquilo. Ela não é só isso. E a gente precisa questionar como queremos aparecer. Percebo que Depois da Chuva coloca em discussão como as outras pessoas acham como devemos nos representar. Encontrei pessoas do sul do país que ficam um pouco chateadas, pois não tem música afro. Digo que temos capacidade de fazer outro tipo de música. Uma jornalista me perguntou ao vivo: “Estranho, é um filme baiano que tem uma certa tristeza”. Eu respondi “poxa, a gente não pode ser triste na Bahia?”. Temos essa capacidade e esse direito de ser triste. Parece que baiano está sempre eufórico, dançando e alegre. Tem uma riqueza, uma diversidade que precisamos e temos o direito de tratar no cinema.
Sei que isso não se pergunta a um realizador, mas mesmo assim vou questionar. Qual o significado do título do filme?
O Depois da Chuva é uma ideia que durante a chuva, tempestade, todas as coisas podem acontecer. Você está com a roupa molhada, de alma aberta para o que pode vir e para o que pode acontecer. E depois da chuva você encerra um ciclo e vai estar pronto para tocar sua vida de uma maneira nova. Essa é a ideia.
Aqui em Vitória é o segundo festival em que o filme participa?
Ele participou também do Janela Internacional de Cinema, em Recife. Foram duas exibições lá.
E daqui para frente? O que estão pensando para o filme, há previsão de chegada nas salas comerciais?
Já tem um distribuidor, que é o Ademar Oliveira, do Circuito Espaço, e estamos discutindo qual é a melhor época para o lançamento. Com certeza será ano que vem, quando estaremos comemorando trinta anos das Diretas Já, e, não comemorando, mas lembrando, os cinquenta anos de Golpe de Estado. Então é um momento político que acho que faz todo o sentido para o público em geral conhecer o nosso filme.
E aqui no Vitória Cine Vídeo? Como foi receber este convite e qual a expectativa em relação aos demais filmes?
É uma curadoria maravilhosa. Eu acho que o Rodrigo e o Erly são curadores incríveis. São pessoas de cinema pelas quais tenho o maior carinho e respeito. Inclusive o Festival de Vitória é importante para nossa carreira de curta-metragem também. Mas o que estou questionando é a qualidade de exibição. Ontem o nosso filme passou com a imagem congelando, é um cinema improvisado, a acústica não é boa. Então acho que precisamos tomar mais cuidado com a exibição. Foram oito curtas antes de um longa, é muito cansativo. Nos primeiros dez minutos de exibição do longa havia gente entrando e saindo. Isso é muito difícil para nós que passamos cinco anos fazendo um filme e chegar no momento da exibição e não ter esse cuidado em um momento tão importante. Não me importam que tenham dez pessoas na sala de cinema, mas gostaria que essas dez pessoas tivessem condições plenas de avaliar a obra que a gente passou cinco anos fazendo.
E como você achou a repercussão do público após o término da sessão?
É muito recente. Terminou à meia-noite. Claro que várias pessoas vieram falar conosco, de uma maneira muito bacana, carinhosa e generosa. Estou indo embora agora de manhã e não tenho como saber exatamente do público que ficou lá. Sei que estavam cansados pela maratona. Então, teremos que esperar um pouquinho ainda. Vou falar de todo o coração e sinceridade. Claro que ganhar prêmio é bacana, todo o realizador gosta, mas não é a coisa mais importante. O bacana é estarmos junto com outros cineastas, exibir os filmes em boas condições de projeção. Discutir o seu filme. Tem gente que gosta, tem gente que não gosta, tem gente que vai levantar questões que você nunca pensou. Para mim isso é o mais importante de um festival. Temos que colocar a premiação em seu devido lugar, também é uma coisa importante, que pode vir a legitimar um filme, mas não pode ser colocada como a coisa mais importante.
(Entrevista feita ao vivo em Vitória no dia 30 de outubro de 2013)
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