Rodrigo Aragão está sorrindo de orelha a orelha. Afinal, ele é o primeiro cineasta capixaba a ver um longa-metragem seu participando de uma mostra competitiva no Vitória Cine Vídeo, o festival de cinema oficial do Espírito Santo. E o filme escolhido foi Mar Negro, capítulo final da trilogia iniciada com Mangue Negro (2009) e que teve sequência com A Noite do Chupacabras (2011). Seu mais recente trabalho tem sido exibido com sucesso desde o primeiro semestre, quando foi lançado na abertura do Fantaspoa – Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre – e desde então já se apresentou em mais de vinte eventos do gênero no Brasil e no exterior. E foi durante sua passagem por Vitória, no dia seguinte a exibição de Mar Negro, que o Papo de Cinema conversou com exclusividade com o realizador. Confira como foi esse bate-papo!
Mar Negro é o primeiro longa capixaba a concorrer no Vitória Cine Vídeo em 20 anos de festival. Como é receber essa honra?
É lindo. Mostrar meu filme aqui é uma oportunidade única. O que desejo provocar na plateia é o mesmo prazer que os americanos sentem quando veem Nova York sendo destruída por alienígenas, meteoros caindo… tudo acontece lá, né? E na minha infância sempre quis ver alguma coisa incrível acontecendo no Brasil, acontecendo com pessoas iguais a mim. Então o que tento é isso, fazer um filme fantástico, com monstros, mas também com personagens típicos brasileiros e, principalmente, capixabas. Tem várias piadas em Mar Negro que são muito próprias dessa região, que só capixaba entende. Já exibi esse filme em vinte festivais, e dessa vez foi a primeira vez que as pessoas riram em determinados momentos, porque só aqui tem graça. Tem um prazer todo especial.
Como você sentiu a reação do público aqui em Vitória?
Foi fantástico. Este é um filme-festa, nós nos divertimos muito fazendo. E o que tentamos é passar um pouco disso para o público. Por mais que o espectador tenha se divertido, não foi 10% do que sentimos durante a realização. E um filme só é pleno quando acontece o que pude ver aqui, com as pessoas rindo, levando sustos, pulando da cadeira… ou seja, reagindo. E essa coisa de você poder juntar a equipe técnica com o contato direto com o público é uma experiência muito boa. Todo mundo que fez, se envolveu porque se apaixonou pelo projeto. E agora é a vez de levarmos essa paixão a outras pessoas.
Mar Negro possui personagens marcantes, como a Madame Úrsula, interpretada pelo Cristian Verardi. Como você consegue pensar nestes tipos?
O Cristian estava no meu filme anterior, o A Noite do Chupacabras, como o Velho do Saco, ou seja, um papel completamente diferente. Então é assim, todo mundo que convido para trabalhar nos meus filmes é porque já assistiu a algum dos meus outros trabalhos ou porque é fã do gênero. Se não for fã, sei que não vai aguentar. Banho de sangue, frio, horas de maquiagem… não é pra qualquer um. Em Mar Negro eu tinha uma espinha dorsal da história, ainda sem um roteiro fechado. Sabia das coisas que queria que acontecesse. Convidei amigos e fãs para participar, e uma vez que fechamos quem tava dentro, sentamos e escrevemos juntos a versão final, a que seria filmada. Os diálogos, refinamos as situações, as características dos personagens, quem faria o que… foi tudo feito junto, um processo bem coletivo. Tem um monte de gente que sonhava ver esse filme pronto, e talvez seja por isso que ele é tão absurdo, pois é a mistura de várias ideias.
Você viu um curta chamado Ataque de Pânico (2009), do uruguaio Fede Alvarez?
Claro, é o cara do remake do Evil Dead (2013), aquele maldito! Tenho uma inveja danada desse cara (risos)…
Pois então, o cara fez um curta sem recursos, em Montevidéu, e quando percebeu estava em Hollywood, trabalhando numa megaprodução. Este é também um sonho teu?
Eu to tentando criar um universo, com personagens e referências ao lugar onde nasci e cresci. Com criaturas fantásticas, várias coisas que povoam a minha mente. Gostaria de fazer filmes cada vez maiores, sim. É uma ambição minha. Queremos voar mais alto. Só não sei como fazer isso (risos).
Como você consegue fazer filmes tão universais, porém com recursos limitados, sem grandes patrocinadores?
Até hoje nunca inscrevi meus projetos em leis de incentivo, tudo é feito através de recursos próprios. Quem sabe daqui pra frente não tenha que mudar essa posição? Até hoje meus filmes são do mesmo produtor, o Hermann Pidner, que me conhece desde criança. Desde 2000 ele investe no meu trabalho, ou seja, há treze anos ele vem perdendo dinheiro comigo (risos). Mas a gente se diverte bastante – ele também aparece como ator no filme, é o bêbado do bar. Somos independentes, mas não por questão de ideologia – é porque não nos deram dinheiro, mesmo. Se um dia tivermos mais recursos, tudo poderá ser maior.
O lançamento de Mar Negro foi no Fantaspoa, em Porto Alegre, em maio deste ano, e até chegar aqui em Vitória o filme já passou por mais de vinte festivais no Brasil e no exterior. Como tem sido esse percurso?
O filme já está no seu sétimo corte desde a primeira exibição – mas agora juro que parei! Já diminuímos bastante, mudamos a ordem de algumas cenas, acho que tá com um ritmo melhor. A sessão aqui no Vitória Cine Vídeo foi com o corte final, que é a que vai para os cinemas. A estreia tá agendada para o dia 27 de dezembro, ainda neste ano, e calculamos inicialmente umas 20 salas por todo o país. Ainda não temos distribuição acertada para dvd e televisão, mas vamos tentar, claro! E já fechamos distribuição no Japão e na Alemanha! É mais fácil negociar filme de terror brasileiro no exterior do que por aqui, infelizmente.
Falando em filme de terror no Brasil, quais são suas principais referências? Até que ponto o Zé do Caixão influenciou a sua obra?
Minhas referências técnicas, do tipo de cinema que gosto, é muita coisa dos anos 1980: Peter Jackson, Sam Raimi, A Volta dos Mortos Vivos (1985), Um Lobisomem Americano em Londres (1981)… estes são os nomes e filmes que me fizeram ir pelo caminho do terror, em querer fazer efeitos especiais. O Mojica é um ícone, merece todos os elogios, referências, tudo! O impacto dele em mim é muito maior como história de vida, a trajetória dele é algo que me inspira. Temos várias semelhanças: nossos pais trabalharam em cinema, não nos formamos em nada, temos essa facilidade de distribuir mais fora do Brasil nossos trabalhos. Temos várias coisas em comum, e é nisso que mais me identifico com ele. Tive a oportunidade de conhecê-lo em eventos e nossa relação é ótima, ele me trata sempre muito bem. Fiquei mais fã dele após conhecê-lo pessoalmente. Ele é o cara que fez várias coisas antes de qualquer um. O que ele fez em À Meia-Noite Levarei sua Alma (1964), que é anterior à Noite dos Mortos Vivos (1968), do Romero, tem um resultado muito mais ousado, mas o mundo inteiro venera o Romero e o Mojica ainda não é tão reconhecido assim. Ao menos não como deveria. Uma pequena fração do trabalho dele já o colocaria num lugar muito especial. É alguém por quem tenho profunda admiração. Acho muito bacana quando vejo alguém se espelhando nele, mas sem tentar imitar, pois o Zé do Caixão é inimitável.
Qual a expectativa de estar concorrendo num festival como o Vitoria Cine Vídeo, que não é temático?
É muito bacana. Claro que já é um sucesso estar aqui, mas sobre a premiação a gente procura não pensar muito. A vitória é estar concorrendo, o resto é consequência. Quem tento agradar, mesmo, é a plateia. Outro dos meus ídolos é o Mazzaropi, que falava: “ninguém gosta dos meus filmes, só o público”. Se for comigo assim também, estará ótimo! Se os prêmios vierem, será maravilhoso, mas ao mesmo tempo sei que tem filmes feitos com vinte vezes o meu orçamento, com atores conhecidos, e que às vezes dialogam melhor com os sentimentos dos jurados. Então não dá pra criar expectativas, o que importa é curtir o momento.
(Entrevista feita ao vivo em Vitória, ES, durante o Vitória Cine Vídeo, no dia 29 de outubro de 2013)
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