Vozes da Floresta (2019) é um documentário que oferece uma necessária visibilidade a importantes causas amazônicas. Baseado na série de televisão Guardiões da Floresta (2017), o longa-metragem de Betse de Paula (também a diretora geral do programa de TV) se foca na luta cotidiana de mulheres contra o avanço desenfreado de grupos predatórios. Na contramão destes, quebradeiras-de-coco, indígenas, quilombolas, extrativistas e demais lideranças femininas são observadas enquanto parte imprescindível da brigada de defesa das pautas da floresta. Elas lutam não apenas pela preservação do bioma, mas também em função da perpetuação de costumes seculares.
Conversamos com a cineasta Betse de Paula no Cine Ceará 2019, que aconteceu de 30 de agosto a 06 de setembro. De lá para cá, obviamente muita coisa mudou, mas não o desalento da realizadora com o nosso mercado exibidor. Tanto que ela menciona uma falta de ambição quanto a espaços nas salas comerciais e agora Vozes da Floresta chega efetivamente ao público diretamente em VoD, sem esperar passar a crise. Confira este Papo de Cinema exclusivo.
Você tinha um planejamento muito definido ou preferiu se deixar levar pelas histórias da floresta com as quais foi se deparando?
Muita coisa mudou tendo em vista a ideia original. Gravamos bem mais do que acabou entrando no filme, inclusive quanto a depoimentos que não utilizamos. Por exemplo, entrevistamos um antropólogo, mas depois percebemos que o filme não tinha espaço para a voz dele. Durante a montagem houve essa construção. Nas gravações a nossa situação era completamente de boa, sem pressões e preconcepções. A ideia era realmente entender aquelas circunstâncias e as personagens enquanto rodávamos o filme. Como esses modos de vida quilombolas e indígenas não são os nossos, partimos desse local de aprendizado. O processo de compreensão nos conduziu. Para mim era vital sublinhar as coisas que as protagonistas achavam importantes. É essencial combater a invisibilização.
Às vezes você tinha várias equipes trabalhando simultaneamente. Como foi equacionar isso?
Ocasionalmente na base do “seja o que Deus quiser” (risos). Mas, a ânsia dessas mulheres por veículos de expressão era tão grande que senti que podíamos confiar na abundância de narrativas que vinha delas. Fomos tentando, ajustando, e quando não dava certo voltávamos. Muitas vezes essas demandas de retornar a determinado lugar nos dava novos ganchos para que a gente adentrasse noutras histórias.
Essa vontade de tornar determinadas lutas visíveis foi o que te motivou a fazer o filme?
Com certeza, essa sempre foi a coisa mais importante. Exatamente por causa disso fiz o filme. Por isso ele existe. Para isso ele serve. Era essencial lançar luz sobre as pessoas que hoje estão protegendo a Floresta Amazônica, lugar totalmente violentado. O documentário também tem essa vontade de apontar para certos lugares e mostrá-los como relevantes e pulsantes. As pessoas que neles habitam não querem ser marginais na cidade grande, são felizes ali, a despeito dos problemas. Como diz uma delas, não querem virar problema para polícia e despesa para o Estado numa metrópole. É importante mantê-las felizes no lugar em que estão realmente felizes.
Levando em consideração que pode existir tensão nesses locais florestais, diante de madeireiros, latifundiários e grileiros, vocês sofreram algum tipo de violência nas filmagens?
Não. Até porque acredito que a câmera confere proteção. Aliás, acredito muito nessa proteção que a câmera dá. Ao longo das décadas o audiovisual se transformou num meio de defesa potente. Felizmente os indígenas estão se valendo dele. O filme utiliza imagens da Mídia Índia, instrumento por meio da qual conseguem construir narrativas.
No debate no Cine Ceará você falou que não tinha muita pretensão de chegar às telonas…
Mas é verdade. Sempre falo isso e todo mundo fica triste (risos). Para mim é pior ficar nutrindo expectativas de que vai ter estreia nas salas de cinema, quando sei que isso não vai acontecer. Meu filme vai passar no Cinemark? Não vai passar no Cinemark. As redes estão todas ocupadas pelo cinema norte-americano. Aliás essa é uma realidade terrível. Me parece urgente lutar para a continuidade da obrigatoriedade de conteúdo brasileiro na televisão à cabo, conquista incrível desde 2011. Temos de segurar isso. Se formos depender somente da tela do cinema… Se o De Pernas pro Ar 3 enfrentou problemas com a chegada dos Vingadores, imagina o que falar do Vozes da Floresta (risos). Por isso os festivais assumem uma importância enorme, especialmente para dar visibilidade aos filmes.
(Entrevista concedida no Cine Ceará, em setembro de 2019)
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