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Na noite de abertura do 22º Festival de Vitória, o espaço de maior destaque para obras cinematográficas foi para realizadores locais, na Mostra Foco Capixaba. Festivais abrindo espaço para talentos locais não é novidade em lugar algum do mundo. Mas são poucos que dão uma janela tão privilegiada para seus jovens cineastas, delegando grande responsabilidade aos curta-metragistas em abrir o evento oficialmente.

Foram seis curtas-metragens exibidos e o que se viu foram boas ideias, atores interessantes e um belo senso de cinematografia. Alguns problemas com captação de som prejudicaram algumas produções, mas o que mais incomodou foi a falta de síntese das histórias. Metade dos curtas batia (ou passava) os 20 minutos de duração. Em obras deste formato, é necessário contar mais com menos. E muitos dos realizadores fizeram exatamente o oposto. De qualquer modo, tivemos alguns bons momentos na Mostra Foco Capixaba. Logo abaixo, segue uma análise mais minuciosa sobre cada um dos curtas exibidos.

 

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Dinossauros, de Eduardo Madeira
Uma menina vive em seu mundo particular e, dentre algumas imaginativas sequências, sonha em ser um dinossauro. Formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Eduardo Madeira parte de um ponto interessante ao retratar o isolamento de uma menina com transtorno autista e cria uma obra sensível, colocando a trama sob o ponto de vista da garotinha interpretada por Sofia Alcântara. Com narrativa episódica, acaba abandonando ideias estabelecidas no início e não as revisitando no decorrer – exemplo disso é o forte construído apenas de polenguinhos, um conceito interessante e carregado de surrealismo, mas que acaba sendo esquecido. Incomoda, portanto, o fato dos episódios serem muito estanques dentro da mesma obra. Ponto positivo é a boa direção dada à atriz mirim Sofia Alcântara, que tem bom desempenho, convencendo em um papel difícil.

 

Insular-Papo-de-Cinema-Festival-de-vitoria

Insular, de Tati W. Franklin
Documentário realizado em disciplina do curso de Cinema e Audiovisual da UFES, Insular mostra a vida de uma família humilde, habitante de uma pequena ilha. A diretora Tati Franklin é hábil em enquadrar diversos planos mostrando as luzes e a movimentação de Vitória ao fundo, fazendo um inteligente contraste entre aquelas pessoas que vivem uma vida menos movimentada e a cidade grande. O curta é uma experiência a partir do chamado Cinema Direto, no qual a câmera deve mostrar, sem influenciar o meio, a verdade do que filma. Compreensível, visto ser um trabalho de uma disciplina da UFES, que a cineasta queira experimentar o conceito, ainda que ele esteja cada vez mais sendo usado em curtas universitários. O filme já é válido pelo encontro de personagens interessantes, que tem um ritmo de vida completamente oposto ao da capital capixaba. Infelizmente, a captação de som se mostrou problemática e entender o que os retratados diziam se mostrou um grande esforço. Não tão grande, claro, quanto o que os realizadores tiveram ao fazer este trabalho relevante, vencedor de prêmio no III Curta Colorado, mostra competitiva de produções locais.

 

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Distopia, de Tatiana Rabelo e Rodrigo Linhales
Baseado em um conto de Jovany Sales, que também assina o roteiro do curta, Distopia é uma bela surpresa por se tratar de uma produção voltada ao universo fantástico. Em um futuro distópico, uma moça acorda cercada por figuras curiosas e aprende que o mundo mudou – e que o futuro depende dela. Com esta pequena sinopse, o filme parece igual a muito do que já se viu. Mas a ironia fina inclusa no desenrolar da história transforma este curta em algo um tanto diferente. A fotografia é bem realizada e existe um esmero grande em criar um universo futurista, mas decadente. O destaque vai para a protagonista, vivida por Emilze Junqueira, que tem em sua boca as falas mais sujas que uma heroína de ficção científica poderia ter. Enxuto, consegue dizer a que veio sem enrolar ou perder a atenção do espectador.

 

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A Própria Cauda, de Virginia Jorge
Exibido em outros festivais e com produção capixaba e catarinense, A Própria Cauda mostra o relacionamento amoroso e por vezes sufocante entre um homem e uma mulher. A diretora Virginia Jorge passeia pelo universo fantástico e dá àquela mulher misteriosa, interpretada com sensualidade e tenacidade pela atriz Fabiola Buzim, o poder de se transformar em animais dos mais variados. São os bichos que vivem dentro de nós, como a sinopse do curta-metragem entrega. Como a trama é contada em flashback, temos uma história moldura que sustenta as “viagens ao passado” – moldura esta a parte menos interessante do filme, com interpretações irregulares de Higor Campagnaro e Alê Bertoli. O que importa mesmo é a convivência daquele casal que, simplesmente, não dá certo. Algumas belas cenas e o uso curioso de animais como aranhas, corujas e cobras dão um tom surreal e bastante ímpar à obra, um dos destaques da mostra ao lado de Distopia.

 

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Invisível, de Diego de Jesus
Documentário, trabalho de conclusão do curso de Cinema e Audiovisual da UFES, Invisível mostra a paixão capixaba pelo futebol através das torcidas organizadas de clubes do Espírito Santo. Diego de Jesus demonstra que mesmo times que estão longe do mainstream do esporte brasileiro podem gerar tanta paixão e angústia em suas torcidas quanto os grandes clubes. Da mostra Foco Capixaba, este é o curta que mais sofre por não saber o valor da síntese. Ele começa muito bem, mostrando seus personagens, encaixando tomadas da torcida aos berros, causando inclusive risos pela curiosidade de algumas passagens – a velhinha engrossando o coro dos palavrões é sensacional. Mas com 23 minutos, o documentário se perde do meio para o fim, se tornando por vezes repetitivo e sem foco aparente. De qualquer forma, Diego consegue buscar bons personagens para seu documentário. Um corte mais arrojado, com os quinze melhores minutos do que vimos renderia um curta-metragem mais consistente.

 

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Exílio, de Saskia Sá
Filme-poema, Exílio é uma das mais arrojadas produções a serem exibidas na Mostra Foco Capixaba. Descontruindo a linearidade da história e dando à sua protagonista, vivida pela bela Mariana Preti, ares de andarilha sem rumo, Saskia Sá propõe ao espectador uma viagem ao interior daquela mulher, que não se sabe se saiu ou se caiu em um relacionamento abusivo. É verdade que o som não estava dos melhores e atrapalhou o entendimento das poesias narradas pela atriz, mas no quesito imagético, o curta tem alguns belos planos. Em certos momentos, derrapa no lugar comum, como no jarro se espatifando no chão ou nas transições entre atriz e mar. Mas como discurso, o filme apresenta ideias que vão além. Exibido em mostra com viés feminista no cinema da UFES, o curta-metragem conversa muito bem com a temática.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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