Mesmo que tenha começado a abrigar longas-metragens em mostras competitivas há cinco edições, o DNA e grande destaque do Festival de Vitória sempre foi dar espaço ao que de melhor os curta-metragistas brasileiros têm realizado. Nesta 22ª edição, as mostras são as mais variadas e contemplam desde talentos locais, passando por temáticas de diversidade sexual, animação e, claro, os realizadores do Brasil todo.
A 19ª Mostra Competitiva Nacional de Curtas conta com 20 produções das mais distintas localidades do país. Separados em quatro programas – um por noite, com cinco filmes em cada – os curtas dividem a atenção do público nas sessões noturnas do Festival, abrindo os trabalhos para os longas-metragens também em competição. Abaixo, seguem detalhes dos primeiros cinco curtas exibidos no Festival.
A Festa e os Cães, de Leonardo Mouramateus (CE)
Vencedor dos prêmios de melhor curta-metragem no Cinéma Du Réel, em Paris, e no Olhar de Cinema, em Curitiba, A Festa e os Cães, do diretor cearense Leonardo Mouramateus, é daquelas produções que tem em sua execução pouco ortodoxa e em seu roteiro seus grandes chamarizes. Mais de dois terços da duração do curta são vozes em off, conversando e contando suas aventuras e desventuras enquanto fotos reveladas dos antigos filmes de 36 poses nos são apresentadas. No terço final, Mouramateus dá as caras e faz um intenso relato sensorial ao seu irmão a respeito de uma música dançante, que pode muito bem ser entendido como uma forma de seus familiares enxergarem o mundo após sua ausência próxima – ele partiu para Portugal pouco depois das gravações do filme. Por sua estética diferente, o curta chama atenção, mesmo que nem sempre as conversas que se sobrepõe às fotos sejam tão soltas e naturalistas quanto o realizador desejaria que fossem.
Dorsal, de Carlos Segundo e Cristiano Barbosa (MG)
Duas mulheres separadas por um continente, mas com um passado que as liga. A sinopse deste curta é vaga, assim como a primeira metade do filme. Vemos duas mulheres se comunicando através de uma vídeo-chamada no celular. Uma delas vive no exterior. Outra no Brasil. Elas conversam, dividem experiências e acabam por chegar ao passado que as tanto machuca. Carlos Segundo e Cristiano Barbosa mantém a trama completamente em aberto até começarem a se embrenhar na história que querem contar – e falar aqui a respeito da temática seria um desserviço ao trabalho deles. O problema é que o curta-metragem é longo demais e as digressões de sua narrativa tomam muito tempo, perdendo a atenção do espectador no caminho. Da segunda metade para frente o curta ganha em emoção e algumas belas cenas são inclusas. Destaque para a praia com as duas estátuas, que também representa o momento de uma última despedida. Exibido no festival suíço Visions du Réel e no curitibano Olhar de Cinema.
Eu Não digo Adeus, Digo Até Logo, de Giuliana Monteiro (SP)
Giuliana Monteiro parece beber na fonte do cinema de Walter Salles para construir seus personagens e a trama de seu belo curta-metragem Eu Não Digo Adeus, Digo Até Logo. Central do Brasil (1998) e Linha de Passe (2008) são algumas obras que logo vieram à mente ao assistir ao curta, que mostra um menino que sonha conhecer seu pai, um caminhoneiro que utilizava os dizeres do título em sua carreta. Ou, ao menos, era isso que sua mãe, interpretada com autoridade por Simone Iliescu, queria que o menino acreditasse. A diretora constrói a expectativa daquele menino ao enxergar um novo caminhão se aproximando com muita sensibilidade e costura esta busca (talvez eterna) com pitadas de esperança e pura imaginação infantil. O garotinho Caio Henrique da Silva é uma bela surpresa do curta, muito bem dirigido por Giuliana. Exibido no Festival de Berlim e no Huesca Film Festival, na Espanha.
Rufião, de Arthur Dalla Bernardinda (ES)
Algo sempre interessante no cinema é quando o realizador convida o espectador para, junto dele, compreender as imagens e construir com seu próprio entendimento os significados vistos na tela. É a forma mais corajosa de fazer cinema, não mastigando o conteúdo para o público e fazendo dele mais do que apenas espectadores. Arthur Dalla Bernardinda certamente compactua com este pensamento e, desta forma, realizou este seu curta. Infelizmente, no caso de Rufião, o diretor foi longe demais e deixou praticamente tudo nas mãos do público, sem dar subsídios suficientes para uma maior fruição de sua obra. O curta é forte para qualquer pessoa que goste de animais, parecendo um filme-protesto contra os maus tratos dados às cabeças de gado em criadouros. Mas o que estamos vendo ali realmente? Sem informações a mais, acabamos apenas acompanhando – um tanto chocados – o desenrolar daquelas cenas. Se esta era a intenção do cineasta, o trabalho foi bem feito. Mas algo um pouco mais narrativo poderia amplificar os resultados. Destaque positivo é a mistura das imagens com diálogos do filme Um Pistoleiro Chamado Papaco (1986), que acabam dando um clima curioso ao curta.
Quintal, de André Novais Oliveira (MG)
Um dos destaques do primeiro programa de curtas nacionais do 22º Festival de Vitória foi, certamente, Quintal, de André Novais Oliveira. Na sinopse, um dia corriqueiro na vida de dois idosos. Na tela, um filme divertidíssimo, fugindo totalmente do lugar comum e colocando seus protagonistas – vividos com certo naturalismo forçado (e, até por isso, engraçado) pelos pais do diretor, Maria José Novais e Norberto Oliveira. Pequenos acontecimentos, como uma ventania de proporções épicas, um DVD com um filme adulto, uma fresta cósmica que se abre no quintal. Tudo isso é usado de forma criativa, com o cineasta abraçando o absurdo e nunca o largando. Por escapar completamente de expectativas pré-estabelecidas e por divertir com o incomum, André Novais Oliveira entrega um curta-metragem imperdível. Não à toa, exibido na Quinzena dos Realizadores durante o Festival de Cannes, em 2015.