No 22º Festival de Cinema de Vitória, os curtas-metragens têm espaço de destaque em diversas mostras espalhadas pela programação do evento. Com maior prestígio e longevidade, a 19ª Mostra Competitiva Nacional de Curtas separou 20 produções de várias partes do Brasil para concorrer aos disputados troféus Vitória. Separados em quatro programas com cinco filmes em cada, a seleção dá um belo panorama do que se tem sido feito em matéria de curta-metragem no País, mostrando trabalhos que têm cativado os espectadores presentes no Theatro Carlos Gomes. O Papo de Cinema continua acompanhando as sessões e dá um panorama do que foi visto no segundo programa de curtas, exibido no domingo, dia 13 de setembro.
Evo, de Renata Ferraz e Rubiane Maia (ES)
Em um local aparentemente inóspito, onde as vagas são permanentes e a escolha de ficar ou ir embora não está nas mãos do hóspede, uma mulher busca abrigo em meio a um temporal e acaba percebendo que sua estada não será nada breve. As duas diretoras, que servem como atrizes do curta, emprestando seus nomes verdadeiros às personagens, buscam o não dito, a alegoria, para construir sua trama. No léxico, “evo” significa eternidade, perpetuação. Aquele local onde Rubiane se hospeda pode ser um estado de espírito, pode ser o pós-vida, pode ser uma estalagem em um mundo fantástico, onde em uma lado chove, do outro a luminosidade ofuscante se mostra arrebatadora. A bagagem de Rubiane pode ser apenas uma mala, pode ser um fardo que carregamos conosco, pode ser pecados, pode ser arrependimentos. Os significados ficam a cargo do espectador, que pode se divertir na reflexão destes símbolos ou ficar totalmente de fora, enxergando uma história de desencontro entre duas mulheres. Um curta interessante, cheio de entrelinhas. Teve sua estreia no 26º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.
A Outra Margem, de Nathália Tereza (MS)
Em um sábado à noite, no Centro-Oeste brasileiro, acompanhamos um jovem rapaz dirigindo sua caminhonete, bebendo cerveja e ouvindo uma rádio popular. Até que um recado dado pelo locutor o faz mudar seu caminho. A diretora Nathália Tereza participou de oficina de roteiro com a diretora argentina Lucrécia Martel e parece ter conseguido trazer uma ou duas características dos longas da cineasta responsável por O Pântano (2002) e Menina Santa (2003). Um exemplo disso é a narrativa estar centrada nos personagens e em suas ações (ou na falta destas ações). A Outra Margem é o típico curta no qual parece que nada acontece, ainda que muito tenha sido explorado e realizado no interior dos protagonistas. Ainda falta maior profundidade para que possamos nos encantar com o passeio psicológico empreendido pela diretora. Mas temos alguns belos momentos, embalados com música popular do quilate de Simply Red, Zezé di Camargo e Luciano e Christian & Ralf. O primeiro ato é muito bem concebido, transformando o rádio em um companheiro daquele cavaleiro solitário. O curta-metragem foi exibido na Mostra de Tiradentes, no 26º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo e está programado para o 48º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro.
Pontos de Vista, de Fábio Yamaji (SP)
Cinematograficamente falando, Pontos de Vista é o curta-metragem mais arrojado deste segundo programa da mostra competitiva do Festival de Vitória. Sua protagonista é uma guia de excursões cega, que confia em seu cão e em sua memória invejável para dar conta do trabalho. Fábio Yamaji utiliza do som e da tela escura para nos dar uma aproximação da sensação que aquela mulher sente ao andar pelas ruas de São Paulo. Existem ótimas ideias, como o homem que se repete em diferentes cenários – e saberemos até o final porque estamos sempre o enxergando por onde ela passa. Filmado em película, com bela fotografia granulada, Pontos de Vista só se perde no terceiro ato, quando adota um desfecho abrupto que parece destoar do resto da história. É bem verdade que a vida tem dessas coisas e fatos inesperados podem acontecer com qualquer um. Mas uma melhor construção desta reviravolta renderia melhores frutos. De qualquer forma, a cena em que “presenciamos” este twist da trama é bem bolado, com os sons nos dando as informações necessárias, enquanto a tela escurece. Exibido na Mostra de Tiradentes.
Biquíni Paraíso, de Samuel Brasileiro (CE)
Um dos curtas-metragens inéditos da Mostra Competitiva Nacional, Biquíni Paraíso é mais um trabalho do pessoal da Praia à Noite, produtora cearense que tem talentosos novos nomes surgindo no cenário nacional. Com direção de Samuel Brasileiro, que também é um dos diretores do longa-metragem O Animal Sonhado (2015) – exibido fora de concurso no Festival , o curta é uma reflexão acerca da amizade e do desejo. Na história, um rapaz está com amigos em sua casa de praia, em um final de semana de carnaval. Na estrada, ele conhece um casal – o homem está com a cabeça sangrando depois de um malfadado pulo na água, a mulher não está feliz com a irresponsabilidade do namorado – e oferece abrigo em sua residência. Isso é o começo de uma história que renderá uma noite diferente para dois vértices deste triângulo. Assim como em O Animal Sonhado, a sexualidade está muito presente no curta e a mulher tem papel decisivo no desenrolar das ações. O filme ganha pontos por fugir do óbvio e apresentar uma visão adulta a respeito dos relacionamentos. Longe de ser um curta de verão, no qual o carnaval e a bebida tomam conta da razão, os protagonistas estão bastante cientes de suas ações e poderão mudar o status quo caso este seja o desejo de ambos. Boa surpresa, com bom andamento narrativo e personagens cativantes.
Tarântula, de Aly Muritiba e Marja Calafange (PR)
Selecionado para o Festival de Cinema de Veneza, Tarântula é um misto de drama e suspense muito bem executado pela dupla Aly Muritiba e Marja Calafange, com lapsos de Os Outros (2001). Na trama, uma garotinha sem uma perna observa sua mãe, ultrareligiosa, se relacionar com um caminhoneiro – este, por sua vez, sem um braço. A irmã mais velha da garota não compactua com aquele relacionamento entre os dois e constrói um cenário no qual decisões drásticas serão necessárias. A direção de arte do curta é de uma beleza sem igual. Só o fato de terem encontrado um casarão como aquele para abrigar a produção é digno de louros. No seu interior, crucifixos enfeitam as paredes, a tinta descascada revela a idade da residência, e os móveis demonstram a austeridade da sua matriarca. Com bom elenco e história bem construída, Tarântula poderia muito bem ser expandido para um longa-metragem, mantendo-se o clima claustrofóbico e os interessantes enquadramentos dentro daqueles recintos escuros. Além de Veneza, o curta vai viajar bastante internacionalmente, com participações no Festival de Biarritz, na França e de Bristol, no Reino Unido. No Brasil, será exibido no Festival de Brasília de Cinema Brasileiro.
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