Depois de alguns anos em formato reduzido, o Festival de Cinema de Gramado retornou à duração original de 9 dias em 2010. E se isso foi uma boa notícia – mais filmes, mais eventos, mais encontros – também provocou uma necessidade de reajuste e adaptação entre os participantes. E foi isso que se percebeu no segundo dia de programação, um sábado com cara de segunda-feira. Nem parecia que estávamos em pleno fim de semana – o ritmo de atividades era tão intenso que sobrava pouco tempo para descanso ou reflexão.
Mas foi justamente isso que pontuou a primeira grande ação do dia: um seminário promovido pela ABRACCINE – Associação Brasileira de Críticos de Cinema – em parceria com a ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul – com o seguinte tema: “A censura voltou? O veto ao longa A Serbian Film em questão”. Essa notícia, que motivou as conversas e discussões de críticos e jornalistas de todo o país nas últimas semanas, foi explorada com afinco por praticamente toda a imprensa, que marcou presença massiva no debate. Coordenando o encontro estavam Frederico Machado, diretor da Lume Filmes e do Festival Internacional Lume Filmes, que exibiu o A Serbian Film em São Luis do Maranhão no mês passado; Davi Pires, diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação do Ministério da Justiça; João Pedro Fleck, diretor do Fantaspoa – Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, que também exibiu uma cópia de A Serbian Film em sua última edição; Luiz Zanin Oricchio, crítico de cinema e presidente da ABRACCINE; e Roger Lerina, crítico de cinema e presidente a ACCIRS. Extremamente proveitoso, a conversa teve como foco a necessidade de uma posição firme da mídia contra qualquer tipo de censura, independente da qualidade ou não do produto oferecido. O julgamento se certa obra deve ou não ser vista deve caber ao espectador final, e não a intermediários.
Após a exibição, à tarde, fora de competição, dos filmes Origens, de Renê Goya Filho, e O Senhor do Labirinto, de Geraldo Motta, foi a vez dos longas selecionados para as mostras oficiais. Primeiro teve início a competição latina, com uma co-produção entre Argentina, Espanha e Alemanha: Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual, de Gustavo Taretto. Com dois jovens solitários como protagonistas, essa é uma história que mostra como a tecnologia e modernidade, ao invés de nos aproximarmos, termina por nos afastar. Mariana (Pilar López de Ayala) é arquiteta, trabalha como vitrinista e voltou a morar sozinha após o fim de um relacionamento de quatro anos. Martin (Javier Drolas, ao lado, em sua passagem por Gramado) passa os dias sentado em frente ao computador, trabalha desenvolvendo websites e desde que sua ex-namorada o deixou para ir viver nos Estados Unidos há alguns anos nunca mais conheceu alguém. Os dois são vizinhos, mas não se conhecem – apesar de serem perfeitos um para o outro. Quem sabe disso é o espectador, que vai acompanhando as andanças dos dois torcendo por um final feliz. É um trabalho singelo e bonito, que ao mesmo tempo que envolve também oferece uma profundidade insuspeita.
Como já é de praxe há muitos anos, mais uma vez o concorrente estrangeiro mostrou-se muito superior ao representante nacional. Ponto Final, de Marcelo Taranto, é uma obra que beira o constrangimento, e sua inclusão na seleção final é quase injustificável. Uma adolescente é assassinada por uma bala perdida no Rio de Janeiro. O pai sofre pela perda, ao mesmo tempo que a mãe aproveita a tragédia para desfazer o casamento infeliz. Esse homem abandonado por todos encontra aconchego numa mulher desconhecida que tem como passatempo viajar de ônibus pela cidade. Ela é uma garota de programa que ainda não encontrou algo que verdadeiramente a motivasse. Tudo isso, no entanto, se dá dentro de um ônibus estilizado, que serve como transporte, casa, chegada e partida. Tanto o cobrador quanto o motorista também participam da discussão, num arremedo de filosofia barata que impressiona pelo mal gosto. Exageradamente teatral, em alguns instantes se aproxima perigosamente a poesia mais rasteira possível, como se fosse um instrumento de auto-ajuda já desgastado. É mais absurdo ainda presenciar atores de gabarito como Roberto Bomtempo, Hermila Guedes, Othon Bastos, Silvio Guindane e Dedina Bernardelli envolvidos em algo tão horroroso. Uma vergonha que merece ser esquecida com a maior urgência possível.
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