Após uma breve folga de sol e até um pouquinho de calor (algo entre os 10 e 15 graus, o que é muito perto da temperatura dos dias anteriores), a chuva voltou com força total aqui em Gramado. O quinto dia de atividades foi marcado também por filmes estranhos – com tudo de bom e de ruim que essa definição pode carregar consigo. O momento mais emocionante, no entanto, começou a ser definido três décadas atrás: a homenagem aos 30 anos de lançamento de Sargento Getúlio (1983), longa de Hermano Penna estrelado por Lima Duarte que foi o grande vencedor da 11° edição do festival serrano. Os dois maiores responsáveis por esse grande sucesso estiveram presentes ao Palácio dos Festivais para receberem das mãos do prefeito municipal, Nestor Tissot, o Troféu Cidade de Gramado.
Sargento Getúlio saiu consagrado de Gramado em 1983 com cinco kikitos: Melhor Filme, Ator (Lima Duarte), Ator Coadjuvante (Orlando Vieira), Som e Prêmio da Crítica. Ontem, em coletiva à tarde para a imprensa, Penna revelou que até esse reconhecimento o trajeto não foi nada fácil. O filme fora feito em 1978, e amargou cinco anos nas prateleiras da Embrafilme até ser visto pelo produtor Luiz Carlos Barreto, que se encantou pela obra de decidiu enfrentar quem fosse preciso para que a mesma chegasse aos cinemas. Lima, também muito simpático, relembrou histórias do início de sua carreira, da emoção de ter participado desse clássico nacional e também de trabalhos recentes, como o drama A Busca (2013), lançado há poucos meses e no qual ele aparece ao lado de Wagner Moura, outro dos homenageados desse ano em Gramado.
A programação no Palácio dos Festivais começou cedo, às 14h, com a exibição do infantil Meu Pé de Laranja Lima (2013), de Marcos Bernstein. Após, foi a vez do terceiro filme da Mostra Cinema Gaúcho de Longas-metragens: Sobre Sete Ondas Verdes Espumantes (2012), de Bruno Polidoro e Cacá Nazário, baseado na obra do escritor Caio Fernando Abreu. A mostra competitiva nacional de curtas-metragens apresentou, em sessão noturna, dois trabalhos curiosos, porém um tanto frustrantes. Os Irmãos Mai, de Thais Fujinaga, de São Paulo, oferece um íntimo retrato da comunidade chinesa na cidade mais populosa do país. Os protagonistas são crianças, colegiais de classe média, e acompanhamos suas desventuras pela metrópole durante um dia comum. Uma obra singela, porém pouco instigante. Este filme representou também o primeiro deslize técnico desse ano: sua exibição apresentou sérios problemas na projeção, o que motivou sua interrupção minutos após o início da sessão, para que a mesma tivesse um novo início logo em seguida. O festival revelou atenção, pois o problema foi contornado com rapidez e eficiência, além de ter sido feito um pedido de desculpa à realizadora e ao público, lido pela apresentadora Renata Boldrini.
O segundo curta da noite, mais inquietante que o primeiro, foi Sanã, de Marcos Pimentel, de Minas Gerais mas filmado nos lençóis maranhenses. O título do curta é também o nome do protagonista, uma criança albina que vive em plena natureza árida e encantadora, perdido entre suas ondas, sejam de areias ou de mares. O silêncio repercute por todo o trabalho, apostando mais na força das imagens do que no texto. É uma investida arriscada, mas revela uma ambição que, para alguns, pode ser recompensadora.
À noite foram exibidos também dois longas. O primeiro, Repare Bem, de Maria de Medeiros, faz parte da mostra competitiva de longas estrangeiros. Coprodução entre Brasil, Itália, Espanha e França, mostra mais uma vez o talento da atriz e realizadora portuguesa em um documentário a respeito de uma família envolvida em um processo da Comissão de Anistia e Reparação do Brasil: Denise Crispim e Eduarda Crispim Leite são esposa e filha de Eduardo Leite, assassinado pela ditadura militar brasileira em 1970 e que agora, mais de quarenta anos depois, receberam um pedido de perdão do Governo Brasileiro. Medeiros trata com respeito o tema polêmico, porém o formato por demais convencional chega a incomodar em alguns momentos pela falta de ousadia e originalidade.
Incômodo esse, no entanto, que não chega perto ao provocado pelo longa nacional A Bruta Flor do Querer, de Andradina Azevedo e Dida Andrade, integrante da mostra competitiva de longas brasileiros. Andradina e Dida – dois rapazes, é importante destacar – são diretores, roteiristas, produtores e protagonistas desse filme amador e misógino, petulante e vazio, sobre um estudante de cinema perdido na vida, que não sabe o que fazer com sua profissão e envolvido em paixão platônica sem futuro. Nudez gratuita – masculina e feminina – e diálogos nada inspirados pontuam a trama, carente também de maiores cuidados técnicos e artísticos. Sua seleção à mostra principal é, no mínimo, questionável.