O segundo dia do 41º Festival de Cinema de Gramado foi marcado pelo início da competição com a exibição do primeiro bloco de curtas-metragens da Mostra Gaúcha, dois concorrentes da Mostra Competitiva de Curtas Nacionais, um longa estrangeiro e outro nacional. Sem contar, é claro, a grande atração da noite, o homenageado Wagner Moura, que ganhou o Troféu Cidade de Gramado.
Com mais um dia marcado pela chuva e pelo leve atraso, a sessão dos curtas gaúchos apresentou os primeiros nove concorrentes ao Prêmio Assembleia Legislativa. Os diretores de cada uma das produções foram chamados ao palco para fazer uma pequena introdução sobre a seus trabalhos. Todos com temas variados, da falta de voz da mulher na sociedade à falta que as mesmas fazem na vida dos homens, comédias de humor negro tarantinescas e de terror, a onipresente e relevante discussão sobre a tortura na ditadura militar, a AIDS nos dias atuais e com direito a uma bem realizada animação.
Por sinal, a animação Ed, de Gabriel Garcia, foi um dos grandes destaques da tarde, recebida com entusiasmo pelo público que lotou o Palácio dos Festivais. Mesclando humor e melancolia, a história de um coelho astro do cinema foi uma das mais divertidas da tarde, assim como O Matador de Bagé, de Felipe Iebisck, que resgata até créditos a la Tarantino para contar a história de um assassino de aluguel que precisa enfrentar seu novo concorrente. No lado mais sério da mostra, assim digamos, Codinome Beija-Flor, de Higor Rodrigues, resgata de forma documental depoimentos de quem convive há anos com o vírus HIV e leva uma vida como a de qualquer outra pessoa. Um interessante retrato sobre a doença nos dias atuais.
Após três horas e um merecido intervalo, o público pode acompanhar, já no início da noite, a primeira produção da Mostra Competitiva de Curtas Nacionais, Pouco Mais de Um Mês, de André de Novais Oliveira, o retrato de um casal que começa a atingir novos níveis de intimidade. Um aquecimento para o primeiro filme da Mostra de Longas Estrangeiros, Puerta de Hierro – El Exilio de Perón, de Dieguillo Fernández e Víctor Laplace, que retrata (como já sugere o título) o exílio de Juan Domingos Perón, ex-presidente da Argentina, e sua luta para voltar à terra natal.
Apesar dos aplausos ao fim da sessão (talvez pela presença do carismático Laplace, que além de ser um dos diretores do longa é também seu protagonista), Puerta de Hierro deixa a desejar ao mostrar o líder argentino como uma pessoa unilateral em um roteiro pobre de diálogos e que beira muitas vezes ao melodrama sem contexto. Sem falar que há varias pontas soltas, assuntos jogados a esmo na tela e, principalmente para quem não conhece a história da Argentina, a falta de contextualização histórica e politica. Quem se salva é o próprio Laplace e sua bela atuação. Arrisco já em coloca-lo como um dos fortes concorrentes a Melhor Ator no festival deste ano.
Com um atraso de mais de trinta minutos, a entrega do Troféu Cidade de Gramado para Wagner Moura só não irritou o publico pelo carisma do homenageado. Recém chegado dos EUA (onde participou da estreia oficial de Elysium, produção internacional que tem seu nome no elenco), Moura subiu ao palco para receber o premio do critico de cinema Rubens Ewald Filho e se ateve a um longo, porém interessante discurso, em que dedicou o troféu a sua mãe (presente na cerimônia). Com o sotaque baiano acentuado, o ator também homenageou seus colegas e amigos de profissão, especialmente Lázaro Ramos e Vladimir Brichta, aceitando o premio como se ele representasse toda esta geração de astros. Conhecido por sua veia política e social, Moura ainda lembrou o Dia dos Pais com a história de um homem que foi levado há um mês pela policia carioca, nunca mais apareceu e seus filhos não sabem de seu paradeiro.
Para encerrar a noite, ainda foi exibido outro curta da mostra nacional, Merda!, de Gilberto Scarpa, uma interessante e divertida história que resgata textos de Shakespeare (com Hamlet como destaque), e o primeiro longa da competição brasileira do Festival de Gramado, Éden, de Bruno Safadi. Chamado para apresentar o filme no palco, o próprio diretor (ao lado da equipe, que inclui Leandra Leal e Julio Andrade) ressaltou que as filmagens foram feitas em apenas duas semanas. Talvez isto reflita o tanto de estranheza que o longa causa. Ao bater em um tema relevante como a profusão de igrejas que prometem salvar a vida das pessoas, Safadi talvez se perca um pouco no que ele realmente quis dizer no fim das contas – e do filme. Porém, o talentoso elenco merece um olhar atento, especialmente Leandra Leal, que pode levar seu segundo Kikito para casa.
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