Atrasos são naturais em festivais, mas no último dia de exibição da sua programação, o Festival de Cinema de Gramado conseguiu que nenhuma sessão começasse no horário previsto. Os problemas começaram pela manhã, com o efeito dominó atrapalhando boa parte do dia. Com algumas avarias no projetor, as sessões de reprise que deveriam começar às 10h só tiveram início uma hora depois. Neste interim, enquanto a equipe técnica reparava os problemas, a plateia acabou presenciando uma sessão extra de A Liga dos Canelas Pretas, documentário de Antonio Carlos Textor, homenageado no final de semana passado no Festival. Depois disso, com atraso de uma hora, iniciava a sessão de A Oeste do Fim do Mundo, mas não sem percalços. A projeção foi bastante escura, eclipsando o comentado bom trabalho da fotografia do longa-metragem.
À tarde, chegava a vez dos dois últimos filmes a serem exibidos na Mostra Gaúcha de Longas: Simone, de Juan Zapata e Mais uma Canção, de Rene Goya Filho e Alexandre Derlam. Ambas sessões começaram com atraso, mas isso não chegou a atrapalhar a boa recepção do público para os filmes. Durante seu discurso, Zapata fez questão de agradecer a equipe, que assina junto com ele o longa-metragem. Sensual e interessante em sua forma de discutir o momento de uma mulher ainda descobrindo sua sexualidade, Simone ganha pontos pelas boas performances do elenco e pela realização caprichada. A falta de linearidade na história é algo questionável, parecendo apenas um floreio sem muita função. Nada que mine a boa fruição da história.
Já Mais uma Canção, documentário sobre Bebeto Alves, não pôde contar com seu retratado em Gramado, que se recupera de um transplante de fígado. Os diretores acabaram lendo um divertido discurso escrito pelo músico, que brincou inclusive com os jargões dos roteiros cinematográficos. O filme, um belo mergulho na carreira de Bebeto Alves e nas suas inspirações musicais, tem dois momentos distintos, parecendo dois documentários em um. O primeiro, mais biográfico, é melhor resolvido.
Chegada à noite, obviamente com atrasos, era hora de conferir os últimos dois longas e dois curtas que concorrem aos Kikitos nas mostras competitivas. Para abrir a sessão, Acalanto, de Arturo Saboia, e o colombiano Cazando Luciérnagas, de Roberto Prieto. Saboia faz um pequeno grande filme em Acalanto, um dos melhores em exibição em Gramado. Cinematograficamente sublime, baseado em conto de Mia Couto, com duas performances emocionantes dos protagonistas Luiz Carlos Vasconcelos e Léa Garcia, o curta é uma aula de como contar uma boa história. Uma carta de um filho lida e relida diversas vezes ganha outros significados com o desenrolar deste pungente drama.
O longa colombiano também não fica muito atrás no quesito beleza. Prieto faz um filme com narrativa bastante lenta, mas que deve conquistar o espectador com suas lindas imagens. Um homem, fechado para qualquer tipo de emoção, encontra em uma visita inesperada uma fagulha de vida há muito perdida. A cena envolvendo os vagalumes do título do longa é, sem medo de errar, uma das mais belas vistas nesta edição do Festival de Cinema de Gramado.
Intervalo tradicional depois das sessões findado, o momento era de homenagem. E muito merecida. Aplaudido de pé, Othon Bastos recebeu das mãos do cineasta Cacá Diegues o Kikito de Cristal, prêmio cedido pela primeira vez a um ator. Visivelmente emocionado, Othon dividiu a homenagem a toda sua categoria e relembrou os diretores que lhe ajudaram nesta jornada, brincando que podia ver cada um deles nos detalhes do troféu. O eterno Corisco de Deus e o Diabo na Terra do Sol encerrou seu discurso afirmando: “a carreira de ator é penosa, mas não existe nada melhor do que ser ator”.
Para fechar a noite, foram exibidos o curta-metragem Simulacrum Praecipitti, de Humberto Bassanelli, e o longa brasileiro A Coleção Invisível, de Bernard Attal. Bassanelli, em seu discurso, afirmou que estava com sentimentos conflitantes em relação à exibição de seu trabalho em Gramado: feliz pela honra, mas triste pela temática. Em formato documental, Simulacrum Praecipitti mostra os horrores do vício do crack em moradores de rua da chamada Cracolândia, em São Paulo. Repetitivo em seu formato, e perturbador pela forma, o curta acaba mostrando um retrato doloroso de uma população perdida pela droga, mas também se perde eticamente ao oferecer dinheiro para conseguir imagens e depoimentos daquelas pessoas. Os cinco reais oferecidos seriam gastos em quê, afinal de contas?
Já a equipe de A Coleção Invisível fez questão de relembrar Walmor Chagas, ator gaúcho falecido em janeiro deste ano, e que fez seu último trabalho no cinema neste longa-metragem. O filme, diga-se, é muito válido pela performance do saudoso ator e também pela descoberta verve dramática de Vladimir Brichta. Bernard Attal cria situações que não se desenvolvem a contento. A seu favor, o cineasta capricha no ritmo do longa-metragem e tem ótimas atuações do elenco para manter sempre a atenção do espectador. A plateia que ficou até o final da sessão, por volta das 12h30min da madrugada, pode se despedir de Walmor Chagas com aplausos merecidos.
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