Em seu segundo dia de atividades, e primeiro apresentando as suas mostras competitivas, o 41° Festival de Gramado levou à tela do Palácio dos Festivais a sua mostra de curtas gaúchos. Os 18 curtas foram produzidos no estado de forma independente, através de editais públicos, ou por universitários. A primeira parte destacou filmes diversificados pelos seus temas, com temas recorrentes como a figura feminina e como a mulher se vê e é vista pela sociedade, sexualidade, citações de filmes e um pouco da boa e velha ultraviolência.
Iniciando por O Matador de Bagé, dirigido por Felipe Iesbick, que também está presente na Mostra Nacional Competitiva de Curtas-metragens, a equipe de estudantes de cinema realizadora da produção presenteia os espectadores com uma história tarantinesca de um matador de aluguel porto-alegrense que acaba encontrando um rival na profissão originado da cidade do interior do estado, Bagé. Com muito sangue e referências que vão de Stallone a O Desprezo (1963), de Jean-Luc Godard, é um curta-metragem bem executado e divertido, mesmo que se mantenha preso aos clichês do cinema de Quentin Tarantino. Ainda nas realizações universitárias se encontram: Roda Gigante, filme em plano-sequência da PUC-RS, e o documentário Codinome Beija-Flor, da Unisinos. O primeiro é uma ciranda de personagens e uma demonstração de afeto ao cinema, trazendo referências a cineastas como Jim Jarmusch e Robert Altman. Aliás, essas citações parecem ser características das produções universitárias apresentadas. A maioria possui a necessidade de reafirmar outras filmografias e diretores constantemente e por consequência, subtrai um tanto de uma possível originalidade. Por outro lado, em Codinome Beija-Flor, que opta por um viés mais informativo e de entrevista, o filme acaba dando voz às pessoas que se descobriram inesperadamente soropositivas e como lidam com a forma em que a sociedade os vê.
Trilhando um caminho independente, sem a participação de leis de incentivo, algumas produções acabam se destacando, seja pelo bom ou pelo ruim. Em A Princesa, de Rafael Duarte e Taísa Ennes Marques, acompanhamos uma mulher que precisa se enquadrar em uma sociedade que a pressiona (assim como todas as mulheres) para uma perfeição estética. A direção, fotografia e direção de arte mesmo sendo recursos que possam salientar a temática, infelizmente parecem criar um enfadonho comercial de creme depilatório. A temática, envolvendo uma reflexão feminista e o modo em que as mulheres são aprisionadas a um estereótipo, é riquíssima e muito bem explorável, mas parece, aqui em A Princesa, ser abordada de uma forma rasa.
Outro filme que se perde é Entrevista, de Gabriel Horn, produzido através de um concurso da “Antonio Banderas Fragrances”. Nas entrevistas, como o título nos apresenta, vários homens são questionados sobre suas ex-namoradas, que na verdade é a mesma mulher. Apesar do ótimo gancho, as entrevistas se tornam arrastadas e não adicionam muito ao desfecho. Desfecho também parece ser um dos problemas de Logo ali ao Sul, filmado na cidade de Capivari do Sul. Com uma câmera estática que filma o corre-corre de uma família em uma pequena casa em uma área rural. Se revelando o difícil parto de uma jovem que vê seu filho ser tirado de seus braços, o curta estaciona por aí e resvala em um melodrama que não funciona, com sua trilha sonora exagerada e atuações sem muito timing para ações.
Outras produções acabaram sendo exibidas surpreendo positivamente. Caso do filme Armada, filmado em Caxias do Sul e retratando os anos de ditadura militar no estado e a tentativa dos militares em descobrir sobre um possível ataque de um grupo civil através de uma dolorosa cena de tortura. Ainda houve o destaque para a animação Ed, realizada com incentivos, que traz uma belíssima direção de arte e efeitos para contar a história de um coelho ator e sua melancolia.
Encerrando esse primeiro dia, o curta de São Leopoldo, Kassandra, nos coloca frente à sua personagem-título. Uma garota com problemas psiquiátricos que tem de lidar com os seus traumas do passado. Muito bem aprofundado, montado e com referências bem diluídas (lembrando até mesmo Repulsa ao Sexo, 1965, de Roman Polanski, em alguns momentos). Como saldo, o primeiro dia da mostra competitiva de curtas gaúchos nos dá uma prévia da pluralidade do que é produzido em nosso estado com a descentralização definitiva de Porto Alegre como um polo cinematográfico. Agora, cidades como Pelotas, Caxias do Sul, São Leopoldo e até mesmo Capivari do Sul.
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