42º FestCine de Gramado :: Dia 04 – O crítico e a tragédia revivida

Publicado por
Rodrigo de Oliveira

Mostrando ser um lugar não apenas de exibições de produções cinematográficas, mas também de discussões interessantes a respeito do fazer cinema, o quarto dia do 42º Festival de Cinema de Gramado teve intensa programação tanto no Palácio dos Festivais quanto na Sede do Recreio Gramadense. Neste, os trabalhos iniciaram pouco depois das 14h deixando lugar para os realizadores dos curtas gaúchos exibidos no final de semana (e premiados no domingo) falarem com o público a respeito de suas obras. Logo depois, às 16h, em evento organizado pelo Instinto Estadual de Cinema, o Iecine, foram discutidos os segredos do script, tanto para tevê quanto para cinema. Participaram do debate, com mediação do crítico Rodrigo Fonseca, o cineasta Neville D’Almeida, o roteirista Di Moretti, o ator Werner Schünemann, o animador Marcelo Marão e a diretora e roteirista Caru Alvez de Souza.

Marla Martins apresentando a Mostra Infantil - Foto: Dani Villar

Já no Palácio dos Festivais, o início da tarde deu espaço para as crianças com a exibição de Antes que o Mundo Acabe (2009), de Ana Luiza Azevedo. Às 16h, chegou a hora do início da Mostra Cinema Gaúcho, no qual são exibidas produções do Rio Grande do Sul inéditas no circuito. O documentário Mamaliga Blues, de Cassio Tolpolar, teve a missão de iniciar os trabalhos. Curto, com apenas 55 minutos, o filme do cineasta propõe um mergulho e uma investigação a respeito de suas origens. Com uma foto de seu avô ao lado do túmulo de seus bisavós, Tolpolar empreende uma jornada aos recônditos da Moldávia tentando encontrar os restos mortais de seus antepassados. Ainda que seja interessante a temática da busca das raízes, o documentário acaba pecando pela falta de ritmo.

A noite reservava alguns bons momentos do Festival. O curta-metragem O Clube, de Allan Ribeiro, conta de forma semidocumental uma noite especial da Turma OK, confraria gay formada na Lapa, no Rio de Janeiro. Com personagens extravagantes e emoção à flor-da-pele (e egos também), O Clube é um interessante mergulho naquele grupo que se diverte interpretando clássicos do cancioneiro brasileiro e internacional vestindo as mais coloridas roupas femininas e as mais carregadas das maquiagens.

Hernan Guerschuny e equipe apresentando o filme El Critico - Foto: Edison Vara

O quarto dia do Festival também marcou o início da Mostra Competitiva de Longas-Metragens Latinos com o divertido e eficiente El Critico, de Hernán Guerschuny. Brincando com a figura do crítico carrancudo e mal amado e fazendo um interessante pastiche das comédias românticas, o filme argentino tem tudo para conquistar o grande público assim que estrear nas salas comerciais do país. Talvez não fosse um título tão pungente para estar em um festival, mas diverte na medida certa escancarando os clichês do gênero e usando a figura do crítico de forma sagaz.

Já exibido anteriormente em Gramado durante a Mostra Gaúcha – Prêmio Assembleia Legislativa, o curta-metragem A Pequena Vendedora de Fósforos, de Kyoko Yamashita, teve nova exibição, desta vez à noite, por ter sido selecionado também para a Mostra Nacional. Animação baseada na obra de Hans Christian Andersen, o filme conta a história de uma jovem garota moradora de rua que acaba por espantar sua realidade de formas nada saudáveis. O destaque fica para a ótima técnica, que mistura o processo de rotoscopia (transformando a cidade de Porto Alegre em desenho animado) com traços oriundos do anime japonês. A música eletrônica dita o ritmo, enquanto acompanhamos a trajetória da garota até o apoteótico final. As cenas do porco assado e do vídeo game são fantásticas.

Equipe de Janeiro 27 ao lado dos familiares das vítimas da boate Kiss - Foto: Dani Villar

Para fechar a noite, um dos momentos mais doídos do Festival até o momento. A exibição do documentário Janeiro 27, dirigido por Luiz Alberto Cassol e Paulo Nascimento, trouxe à tona a dor dos familiares da tragédia de Santa Maria, que contam suas histórias neste longa-metragem. Ainda que tecnicamente precário e circular em suas ideias, o doc foi realizado como uma forma de expurgar alguns males, na tentativa de relembrar o ocorrido e assegurar que eventos traumáticos como aquele jamais se repitam. Muitos saíram emocionados da sessão, alguns revivendo a tragédia, outros apenas solidários com o sofrimento das famílias – algumas presentes na sala de cinema. Um filme nada fácil de ser assistido, certamente.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.

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