A quarta-feira, sexto dia do Festival de Cinema de Gramado, marcou a primeira noite em que os dois filmes exibidos, um da Mostra Competitiva Latina, outro da Nacional, foram igualmente elogiados e bem recebidos pela plateia do Palácio dos Festivais. Las Analfabetas, de Moisés Sepulveda, e A Luneta do Tempo, de Alceu Valença, contavam com cineastas estreantes e mostrando talento em suas empreitadas. Esta qualidade mostrada pelos longas só pode ser saudada com entusiasmo, visto que à tarde, o Festival reservou espaço para o, até agora, mais fraco longa-metragem que passou pela Serra Gaúcha, O Céu sobre Mim, do cineasta italiano Gian Baldi.
Mas antes dos filmes, é importante ressaltar que mais debates interessantes foram realizados na sede do Recreio Gramadense, local onde acontecem estas programações alternativas. Pela manhã, entrevistas coletivas a respeito dos curtas e longas exibidos na noite de terça-feira aconteceram e, à tarde, às 14h, teve inicio o painel Novos Olhares da Crítica sobre a Produção Latino Americana de Cinema, com participação dos críticos Luís Zanin, Martha Ligia Parra (Colômbia) e Diego Lerer (Argentina), com mediação do presidente do Instituto Estadual de Cinema, Iecine, Juan Zapata. Logo depois, a produtora Paula Astorga fez palestra a respeito da prospecção de fundos para produções cinematográficas.
No Palácio dos Festivais, aconteceram pela manhã as tradicionais reprises da noite anterior e um bom intervalo se deu entre esta atividade e a Mostra Gaúcha, marcada para as 16h. O fato explica a louvável pontualidade do evento, que logo deu início aos trabalhos da exibição do longa-metragem gaúcho O Céu sobre Mim, do italiano Gian Baldi. O cineasta não pode estar presente, mas mandou mensagem para o público: “Não falem de mim, falem de meu trabalho”, dizia o recado. E o que foi possível falar sobre isso não é nada abonador. Constrangedor em alguns momentos, O Céu sobre Mim tenta mirar em diversos assuntos, mas não acerta em alvo algum. Dentre as temáticas, a pequenez do homem frente ao universo, os mistérios dos relacionamentos, o fim do cinema (?), entre tantas outras coisas, misturadas em um balaio em que pouca coisa faz sentido. Trilha sonora e animações despertam certa atenção em uma sessão que, por pouco, não ficou sem os protocolares aplausos finais.
A noite, ao menos, reservava melhores momentos. Novamente pontual (e é importante ressaltar e elogiar isso, para que a prática continue), os apresentadores Leonardo Machado e Daniela Escobar começaram a cerimônia com uma nota oficial publicada pelo Festival lamentando a morte do candidato à presidência do Brasil, Eduardo Campos. A mensagem, repetida antes do início da segunda sessão, foi aplaudida pelo público.
As mostras competitivas iniciaram com o bom curta-metragem de Larissa Lewandowski, Se Essa Lua Fosse Minha, trabalho realizado na disciplina de documentário na Unisinos. Partindo de uma premissa amalucada, a diretora busca depoimentos fora do comum de moradores de Porto Alegre que, claramente, vivem em sua própria realidade.
Até agora o melhor longa estrangeiro exibido no Festival, Las Analfabetas, de Moisés Sepúlveda, conta com a principal postulante ao Kikito de Melhor Atriz Latina: Paulina García. Ela vive Ximena, uma mulher de meia idade que nunca aprendeu a ler ou escrever. Quando conhece a jovem professora Jackeline (Valentina Muhr), a realidade de ambas muda completamente. Com apenas duas atrizes no elenco, Sepúlveda faz um filme igualmente terno e engraçado, conseguindo transformar a dificuldade de uma em habilidade da outra (e vice-versa). Uma boa surpresa de seleção.
Às 21h30min começava – pontualmente – a segunda parte da noite no Palácio dos Festivais. Em exibição, o curta-metragem Brasil, de Aly Muritiba, produção que toma emprestado o momento conturbado pelo qual viveu o país em 2013, durante as manifestações, para contar a história de dois irmãos em lados opostos. Com boa fotografia, e muitas cenas retiradas de gravações da época, o curta vai costurando uma história que acaba com final bombástico (mas pouco convincente).
O grande momento da noite chegaria com Alceu Valença subindo ao palco ao lado de sua equipe. Para apresentar A Luneta do Tempo, longa-metragem que gestava em sua mente há 14 anos, o cantor (e agora diretor) encarnou Chacrinha no palco, pedindo aplausos fervorosos a cada novo nome da equipe que citava. Antes de falar sobre o filme, Valença também citou a morte de Eduardo Campos como um fato pesaroso naquele dia, mas logo deixou a tristeza de lado para comemorar a realização do seu filme.
A Luneta do Tempo é uma surpreendente estreia de Alceu Valença como cineasta. Contando de forma livre a história de Virgulino Lampião (Irandhir Santos) e Maria Bonita (Hermila Guedes), o diretor busca as memórias que tinha do pai, que lhe contava a época do cangaço, fazendo um belo cordel cinematográfico. Amplamente musicado – com canções do próprio Valença – A Luneta do Tempo é esteticamente belo, ambicioso em sua narrativa não convencional e com elenco inspirado, capitaneado pelo sempre competente Irandhir Santos. Tem momentos que a narrativa se solta por demais, mas isso é logo corrigido no terceiro ato, no qual acontece uma interessante reencenação de uma cena chave do primeiro.
Em uma daquelas coincidências tão bacanas de lembrar, a sessão de A Luneta do Tempo foi conferida por Nelson Xavier, um dos nomes de destaque deste ano no Festival de Cinema de Gramado, e que viveu uma das versões mais antológicas daquele cangaceiro na televisão, na minissérie Lampião e Maria Bonita (1982). Se Irandhir Santos estivesse no Palácio dos Festivais, o encontro entre Lampiões seria inevitável. Pena que não aconteceu.
Últimos artigos deRodrigo de Oliveira (Ver Tudo)
- Made in Italy - 1 de fevereiro de 2019
- Medo Viral - 13 de agosto de 2018
- Nico 1988 - 1 de agosto de 2018
Deixe um comentário