A quinta-feira, sétimo dia do Festival de Cinema de Gramado, foi marcada pela irreverência de Alceu Valença, a homenagem ao ator Jean Pierre Noher e a exibição de dois dos mais aguardados filmes brasileiros da competição oficial: Sinfonia da Necrópole, de Juliana Rojas, e Infância, do veterano Domingos Oliveira. A função começou por volta das 11h na Sede do Recreio Gramadense, ponto de encontro dos profissionais da organização e da imprensa, onde ocorrem as coletivas e algumas programações paralelas. A equipe do filme Las Analfabetas conversou com os jornalistas e o público presente, contando um pouco como foi transpor a peça escrita por Pablo Paredes ao cinema. Logo após, a tão esperada coletiva do cantor, e agora também diretor, Alceu Valença, ele que deu um show à parte, não apenas falando sobre todos os percalços e dificuldades para finalmente ver A Luneta do Tempo pronto, como também brincando com a plateia, naquela verborragia poética que lhe é peculiar. Alceu inclusive cantou, numa imitação impagável de Cauby Peixoto.
A mesma sala de debates contou, logo após, com a assembleia geral da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). No encontro, cerca de 30 críticos discutiram os rumos da entidade, a mais importante e significativa da classe no Brasil. Já no Palácio dos Festivais, depois de encerrada a reprise dos longas da noite anterior (Las Analfabetas e A Luneta do Tempo), foi a vez de mais um título da Mostra Gaúcha ganhar a tela. Dromedário no Asfalto, de Gilson Vargas, é um filme de estrada, debruçado sobre os conflitos do protagonista que se desloca em busca do pai (e de si mesmo), numa trama contada de maneira bastante sóbria, porém sem perder a eloquência. O público, em sua maioria composto de jovens, embarcou de carona na jornada de Pedro (Marcos Contreras), no que seguramente foi um dos pontos altos da Mostra Gaúcha.
De volta ao Recreio Gramadense, foi a vez da entrevista coletiva do ator franco-argentino Jean Pierre Noher, que mais tarde receberia o Kikito de Cristal como reconhecimento a uma carreira que trafega nos mais diversos meios e países. Noher expressou não apenas sua felicidade com a deferência, mas também, e sobretudo, seu amor pela cidade de Gramado.
A programação noturna, com a cidade sob um frio pesado, começou com a exibição do curta-metragem O que Fica, de Daniella Saba, co-produção Brasil/França que mostra o acerto de contas entre um pai e sua filha. No meio disso, um simpático cachorro que fica como herança tardia da relação bastante conturbada. Logo depois, um dos longas mais aguardados do festival: Sinfonia da Necrópole, de Juliana Rojas. O insólito musical quase todo passado num cemitério conquistou o público aos poucos, tanto pela trilha sonora quanto pela encenação propositalmente antinatural que, por paradoxo, toca questões muito próximas do cotidiano comum.
Após uma breve pausa, foi a vez da homenagem a Jean Pierre Noher, que subiu ao palco para então receber seu Kikito de Cristal. O clipe de apresentação deixou clara a riqueza de sua carreira, merecidamente reconhecida pelo festival que havia lhe dado menção honrosa em 2001, pelo filme Um Amor de Borges (2000). Noher falou demoradamente, fazendo questão, mais uma vez, de externar seu apreço não apenas pela cidade de Gramado, mas também pelo Festival que lhe proporcionou “uma janela”, segundo palavras dele, para futuros trabalhos.
Finda a homenagem, foi a vez do curta Max Uber, de André Amparo, ganhar a tela. A trajetória do artista visual brasileiro que vem ganhando cada vez mais projeção no cenário internacional por seu trabalho em múltiplos suportes, é a base do filme. Embora interessante, a estrutura se ressente da pouca duração. E para encerrar a noite, foi exibido Infância, de Domingos Oliveira. Antes da sessão, Priscilla Rozenbaum, atriz do filme e esposa do diretor, leu uma carta afetuosa na qual Domingos lamentou não estar em Gramado este ano. O filme, talvez um dos mais pessoais da carreira do artista, fala sobre uma família chefiada pela matriarca interpretada por Fernanda Montenegro. Ainda que bastante irregular, o longa possui aquela graça típica dos filmes de Domingos, numa reunião de personagens que se chocam para evocar certa nostalgia de tempos passados.
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