42º FestCine Gramado :: Curtas Gaúchos – 1ª Parte

Publicado por
Marcelo Müller

Certamente uma das mais prestigiadas janelas de exibição do curta-metragem local, a Mostra Gaúcha do Festival de Gramado teve início ontem, 09, no Palácio dos Festivais. Concorrem ao Prêmio Assembleia Legislativa, possível devido ao convênio firmado entre Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e Prefeitura Municipal de Gramado, 17 produções, escolhidas dentre 84 inscritos. Fizeram parte da comissão de seleção os jornalistas Rodrigo de Oliveira (subeditor aqui do Papo de Cinema) e Vicente Romano, além do professor Wagner Iván da Rosa Pires. A exibição do primeiro bloco contou com nove filmes, de qualidades variáveis, mas que no todo formaram um painel bastante interessante da atual produção gaúcha.

 

– Bacon ou Rúcula – Direção: Laércio Leitzke
O mérito maior do filme está no acúmulo de situações expostas ao cara que apenas queria pedir sossegadamente sua pizza gordurosa por telefone. A ideia central é mostrar, com bom-humor, o quanto podemos ter nossas vidas monitoradas (e controladas) pelo simples uso de recursos modernos que acabam se integrando irremediavelmente ao cotidiano.

– Caçador – Direção: Rafael Duarte e Taísa Ennes Marques
O grande destaque do primeiro dia. Filme com acurada construção de imagem e som, Caçador gira essencialmente em torno de um personagem forjado por sacrifícios, cuja defesa territorial é a urgência de sobreviver. Impressiona, além das qualidades técnicas já mencionadas, a capacidade de comunicação quase universal do curta, sobretudo por conta de sua estrutura independente da palavra.

Gildíssima – Direção: Alexandre Derlam
Referência em sua época, Gilda Marinho é resgatada neste curta que busca, dentro das limitações impostas pela pequena duração, dar uma ideia da representatividade social dessa personalidade à frente de seu tempo. As geralmente malogradas encenações enfraquecem um pouco o resgate, feito ainda de depoimentos e imagens de arquivo.

  

– Hotel Farrapos – Direção: Lisandro Santos
Animação simpática que brinca com características do povo gaúcho. No entanto, os acontecimentos se desenrolam com pouca aproximação que os justifique enquanto parte de uma trama maior. Ainda assim, vale pela curiosidade.

– Servido com Candura – Direção: Tatiane Andréa Enzweiler
É como se a integrante de uma típica família de comercial de margarina se rebelasse contra as relações monocórdicas e viciadas pela droga da apatia, resolvendo então partir para uma série de assassinatos. Quem dá o tom é o humor negro, viés que amplia o escopo inclusive crítico, por opor a perfeição falsa à brutalidade verdadeira.

– Espelhos – Direção: Diego Tafarel
Neste filme, o protagonista é um porteiro que faz análises dos condôminos baseado no cotidiano do ir e vir, rotina que, ao contrário do que ele pensa, não dá conta da complexidade humana, o que resulta numa série de pré-conceitos. Se no plano formal não há nada de muito destaque, a trama merece menção pela engenhosidade com que ganha novo significado após a última cena.

 

A Pequena Vendedora de Fósforos – Direção: Kyoko Yamashita
Aqui temos uma animação mais encorpada, não apenas pela evidente qualidade técnica, mas, e principalmente, pela maneira como relê o conto clássico Hans Christian Andersen, denunciando a pobreza e o abandono de uma criança que vaga viciada numa grande cidade, e que utiliza os fósforos como trágica centelha de fuga.

Linda, Uma História Horrível Direção: Bruno Gularte Barreto
Uma bela dinâmica entre mãe e filho, cheia de verdades não ditas e sentimentos mal resolvidos pela necessidade do silêncio conciliador, é a base deste filme. A fotografia acentua o drama familiar em que o represar de emoções sufoca os personagens. O trabalho dos atores Sandra Dani e Rafael Régoli é outro dos pontos altos deste belo curta.

O Relâmpago e a Febre – Direção: Gilson Vargas
Aqui também a construção de uma atmosfera é imprescindível (e muito bem feita). Há inserções de fotos e gravações que nos remetem aos tempos da ditadura militar e que tratam de preencher as lacunas deixadas pela ausência da palavra, em outro bom exemplo de como contar uma história sem recorrer vulgarmente a diálogos essencialmente explicativos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.