O quarto dia de atividades do 43º Festival de Cinema de Gramado teve a primeira exibição de dois documentários gaúchos interessantíssimos, dois curtas-metragens nacionais que dividem opiniões e dois longas-metragens que utilizaram da emoção para contar suas histórias, cada um ao seu modo, mas ambos com a mesma pergunta: o que fazer sem ela? No primeiro, esta ausência é da esposa. No segundo, da mãe.
À tarde teve início a mostra de longas gaúchos do Festival. Evento já tradicional, dá oportunidade para realizadores do estado mostrarem seus trabalhos em sessões fora de concurso. Curiosamente, foram dois médias-metragens que abriram os trabalhos: Sobre Amanhã, de Diego de Godoy e Rodrigo Pesavento; e Tormenta, de Lucas Costanzi.
Sobre Amanhã fala sobre a trajetória da banda gaúcha De Falla, uma das mais ousadas e interessantes que surgiram na cena porto-alegrense nos anos de 1980. Conseguindo depoimentos de membros do grupo, músicos e produtores, o filme ainda captura uma das apresentações históricas do De Falla, quando a formação clássica da banda se reuniu para participar do projeto Discografia Rock Gaúcho, mais de vinte anos depois do último show. O que se viu em tela é uma ode ao rock criativo, sem medos ou vergonhas. Uma pena que o filme é curto demais. Fosse um pouco mais longo, talvez uns 70 minutos, encontraria espaço mais fácil em cinemas no futuro. Destaque para as cenas de arquivo e para as apresentações das músicas “Sobre Amanhã”, “It’s Fucking Boring to Death” e “Não me Mande Flores”.
Já Tormenta, que seguia o programa de longas na tarde do Palácio, tem estilo completamente diferente. Bem comportado, clássico, poético. O trabalho de Lucas Costanzi faz um belo passado a limpo da carreira da artista Vera Tormenta, mostrando suas vivências e estudo em Paris, seu passado trabalhando ao lado de grandes figuras como Jorge Amado, e seu presente no interior do Rio Grande do Sul, onde vive com seu marido. Relevante pela temática e bem realizado, o filme só ficou um tanto prejudicado por não ter apresentado legendas em momentos em que a língua dos depoentes era o francês.
À noite, com início quase pontual, era chegada a hora das mostras competitivas. O curta Enquanto o Sangue Coloria a Noite, Eu Olhava as Estrelas, de Felipe Arrojo Poroger, parte de uma premissa contundente e bastante válida, mas acaba resvalando na construção dos personagens. Na trama, menino sofre bulling no colégio e, em casa, seu pai, um militar que definha em sua cadeira de rodas, não lhe tem espaço para diálogo. Existem ótimas ideias, muito subtexto e uma cena em plano-sequência que mostra a reação do pai a um fato bombástico. Mas o desfecho deixa a desejar.
Na mostra competitiva de longas latinos, a diretora colombiana Libia Stella Gómez traz uma história que tinha tudo para ser um pungente retrato de uma população às margens da sociedade, que não é vista, não é notada. Nem na morte encontra seu descanso, mesmo porque até morrer não é barato. De início promissor, mas desenvolvimento capenga e maniqueísta, Ella guarda suas forças no elenco bem escalado, na bela fotografia preto e branco e em algumas cenas com certeira crítica social.
Continuando o programa da noite, veio o segundo curta, S2, de Bruno Bini. Na trama, rapaz precisa escrever roteiro de curta-metragem, mas tem problemas para deslanchar o texto. Divertido, mas autorreferente demais, o curta é uma brincadeira com a linguagem cinematográfica. A metalinguagem é um artifício muito usado em curtas universitários e em S2, eles utilizam à exaustão o conceito. O elenco é bom – principalmente os dois rapazes principais – e algumas piadas funcionam (destaque para a participação relâmpago de um ator famoso).
Fechando a noite, o belo O Último Cine Drive-In, de Iberê Carvalho, é uma ode ao efeito transformador do cinema. Othon Bastos é destaque do elenco, vivendo um homem que ficou parado no tempo, vivendo dos trocados do seu drive-in, derradeiro no Brasil. Quando sua ex-mulher está para morrer, seu filho retorna e tenta uma última alegria para a mãe, ver aquele cinema com sua majestade de outrora. O elenco é ótimo e o roteiro, ainda que precisasse de alguns ajustes, consegue entreter o espectador de forma fácil. Destaque desta comédia dramática fica para a atriz Rita Assemany, emocionante como a mãe do personagem de Breno Nina, outro bom nome do filme.
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