Homenagens são sempre motivos mais do que suficientes para encher o palco do Palácio dos Festivais de emoção. Mas na noite de terça-feira, quinto dia do 43º Festival de Cinema de Gramado, este sentimento foi transbordado pela estrela que recebeu o Troféu Oscarito. E não era por menos. A diva Marília Pêra foi surpreendida pela organização do evento ao receber das mãos dos seus três filhos a honraria. Visivelmente emocionada, a atriz – vencedora de dois kikitos – agradeceu aos amigos e à família por sua trajetória tão iluminada. O público aplaudiu de pé a estrela, ovação mais do que merecida.
Antes deste momento histórico para o Festival, as sessões de cinema – como de praxe – foram a tônica do dia. À tarde, continuaram as exibições dos longas-metragens gaúchos, exibidos fora de competição. Errante: Um Filme de Encontros, de Gustavo Spolidoro, ganhou a tela do Palácio. O diretor não esteve em Gramado para apresentar o documentário, mas teve membros da equipe do filme o representando no palco. Mais um exercício de experimentação do talentoso e irrequieto realizador, Spolidoro mergulha em seus sonhos para buscar um novo jeito de contar uma história no cinema.
À noite, novamente com elogiável pontualidade, as sessões competitivas tiveram início. O primeiro curta foi Sêo Inácio (ou O Cinema Imaginário), de Helio Ronyvon, apresentando um senhor idoso fanático por filmes, que vive em sua “prisão” de dvds, livros e cadernos – anotando (quase) todas as produções que já assistiu. Inácio esteve presente na sessão e fez questão de elogiar o evento no palco do Palácio dos Festivais. O documentário em curta é divertido e cativante por nos apresentar uma figura com tamanho amor pela sétima arte.
O longa-metragem latino da noite veio de Cuba. Venecia, de Kiki Alvarez, apresenta três protagonistas com personalidades bastante distintas, arquetípicas, que trabalham no mesmo salão de beleza. Quando o expediente acaba, o trio sai à procura de uma forma de esquecer de si mesmo. Em uma época em que a sororidade está tão em voga, o filme de Alvarez parece ser um passo atrás. Aquelas três mulheres (vividas por Claudia Muñiz, Marianela Pupo e Maribel García Garzón) nunca parecem amigas de verdade. Cada uma está mais interessada em seus dramas e dilemas, observando na outra defeitos e falta de virtudes. O diretor empreende uma jornada pela noite tentando dar movimento à história que é, na verdade, muito mais voltada aos diálogos. Poderia ser mais interessante caso os conflitos fossem melhor trabalhados e as personagens não tão unidimensionais.
O segundo curta-metragem em competição da noite foi o extrovertido Virgindade. Chico Lacerda é o faz-tudo desta produção, assinando a direção, a montagem, o roteiro, a direção de fotografia e a narração. Na história, um homem remonta seu passado e relembra como, desde criança pequena, já sentia impulsos sexuais fortes por pessoas do mesmo sexo. A narração é bastante honesta e cativa exatamente por este fato. Na tela, imagens que vagamente ligam a fala do diretor ao seu passado. E diversos pênis, uma ode ao corpo masculino.
Fechando a noite, um dos melhores longas-metragens do Festival até o momento e um dos francos concorrentes ao kikito de Melhor Ator. Ausência é dirigido por Chico Teixeira e apresenta a revelação Matheus Fagundes, que vive o menino Serginho. Na trama, o rapaz sente a falta de uma figura paterna presente e tenta buscá-la em outros lugares. Sua mãe (Gilda Nomacce, ótima) bebe demais e praticamente delega ao filho os cuidados com o irmão mais novo. Trabalhando na feira, gostando de uma menina, mas buscando a presença de um homem em sua vida, Serginho passa horas na companhia do professor Nei (Irandhir Santos), em uma relação que beira ora a sexualidade, ora a paternalidade.
O filme concebe personagens intensos, muito bem trabalhados pelos atores. Sérginho tem responsabilidades de adulto, mas ainda é criança. Sonha com o circo, sonha com o amor de Silvinha, sonha em ganhar mais atenção de Nei. Sua realidade, no entanto, é muito mais dura. A relação do garoto com o professor são os melhores momentos, principalmente quando entendemos que Serginho pode ser jovem, mas não tão inocente. Irandhir, como de praxe, constrói um personagem cheio de camadas e consegue transmitir muito apenas com o olhar. Uma história de formação maiúscula, outro belo filme de Teixeira que, infelizmente, não pode estar em Gramado por passar por um tratamento contra o câncer. Torcida para que ele ganhe esta batalha e continue nos presenteando com belos trabalhos como este.
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