Depois de uma semana de intensa programação, está na hora de acabar. Chegado o último dia das mostras competitivas do 43º Festival de Cinema de Gramado e podemos ter, finalmente, uma real noção do nível do corpo audiovisual que nos foi mostrado no Palácio dos Festivais. Tanto a mostra estrangeira quanto a nacional provaram ser irregulares. Diferente de 2014, ano em que os filmes brasileiros foram bastante superiores aos de língua espanhola, neste, se mostraram equivalentes em sua qualidade mediana, com pouquíssimas produções arrebatadoras.
O último dia de atividades no Palácio dos Festivais teve mais um longa gaúcho fora de competição ocupando a telona. Filme Sobre um Bom Fim, de Boca Migotto, é um relevante e interessante documentário sobre a efervescente cena cultural gerada no bairro portoalegrense na década de 1980. Cinema, teatro, literatura, música. Muito saiu dali, dos artistas que se encontravam na Oswaldo Aranha, tomavam uma cerveja na Lancheria do Parque e terminavam a noite no Bar Ocidente. Os realizadores do longa tiveram uma longa jornada para ver seu trabalho na tela grande, com 13 anos separando o início de toda a função até a primeira projeção, no festival É tudo Verdade. A boa notícia é que a espera valeu a pena. Com ótimos depoimentos, com inesquecíveis músicas e imagens da época e algumas boas sacadas na hora da montagem, Filme sobre um Bom Fim tem tudo para conquistar o público.
À noite, era hora de conhecer os últimos concorrentes nas mostras competitivas. O primeiro curta conquistou a plateia, arrancando aplausos entusiasmados. Dá Licença de Contar, de Pedro Serrano, mergulha no universo das canções do sambista Adoniran Barbosa, construindo sua trama em cima de diversos trechos das letras do músico paulistano. Paulo Miklos vive uma figura com os traços de Adoniran, sujeito malandro, sempre com uma frase de efeito na ponta da língua. Com fotografia caprichada e recriação de época impressionante, Dá Licença de Contar foi uma das boas surpresas do festival. Impossível sair da sessão sem assoviar um dos clássicos do sambista. Destaque para a versão de Iracena, cantada por Ney Matogrosso.
Último dos concorrentes à mostra estrangeira, La Salada, de Juan Martin Hsu, apesar de demorar para engrenar, conseguiu conquistar por sua multitrama enfocando os novos imigrantes na Argentina. Contando três histórias, o cineasta faz um interessante mosaico da situação destas pessoas que tentam melhor sorte no país, sendo ele mesmo alguém vindo de fora. O elenco é ótimo, com destaque para Ignacio Huang (conhecido pelo filme Um Conto Chinês, 2011), que vive um rapaz taiuanês com saudades da mãe e com desejo ardente de encontrar uma namorada. Sensível e nada formulaico, La Salada fechou bem esta mostra.
O intervalo entre sessões geralmente é preenchida com homenagens. E nesta sexta não foi diferente. O diretor argentino Fernando “Pino” Solanas, conhecido por sua filmografia bastante política, foi ovacionado de pé pela plateia do Palácio dos Festivais. Ele veio à cidade gaúcha para receber o prêmio Kikito de Cristal e fez questão de lembrar de cineastas brasileiros que tiveram trajetória importante e que “buscaram ajudar a América Latina a se irmanar”. Nomes como Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade foram lembrados pelo mestre, casado com uma brasileira. “Me irmanei tanto que estou casado com uma brasileira há 23 anos”, brincou.
Últimas sessões da noite. O curta-metragem O Teto Sobre Nós, de Bruno Carboni, mistura ficção e documentário para retratar a situação dos moradores de um prédio abandonado. Sabendo que serão despejados a qualquer momento, o clima de tensão entre todos cresce a cada minuto. Isso dá margem para situações cada vez mais angustiantes, com a paranoia se transformando em pesadelo. Carboni consegue construir uma atmosfera quase surreal em alguns momentos, ainda mantendo firme suas intenções acerca da reflexão de um caso social real.
Para fechar o Festival, o longa-metragem brasileiro Um Homem Só, dirigido pela estreante Claudia Jouvin. Com Vladimir Brichta, Mariana Ximenes, Ingrid Guimarães (em raro papel dramático) e Otávio Müller, o filme parte de uma premissa fantástica: e se você pudesse criar uma cópia de si mesmo? O protagonista fica embasbacado com a ideia, pensando ser a saída para seu cotidiano monótono. Mas nem tudo é o que parece nesta trama com boas ideias, mas clima de deja vu. De qualquer forma, é muito saudável que na cinematografia nacional os realizadores passem a fazer produções com um pé no fantástico. Mariana Ximenes está luminosa como a apaixonante Josie e Brichta tem mais trabalho na hora de criar duas figuras diferentes, porém iguais (por mais estranho que isso possa soar). Faltou o filme se decidir entre comédia e drama, mas o resultado final, ainda que não seja extraordinário, diverte o suficiente para uma conferida.
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