Como já virou costume no Palácio dos Festivais, em Gramado, o segundo dia da Mostra Gaúcha de Curtas-metragens foi marcado pela recorrência da frase de protesto: primeiramente, Fora Temer! O palco da sala de exibições do Festival virou um belíssimo palanque. A cada sessão, a cada apresentação de curta-metragem, foi quase como lavar a alma. Foi assim na sessão do excepcional Aquarius (2016), com o público gritando a pleno pulmões e continua acontecendo nas sessões paralelas. O palco-palanque vem trazendo manifestações sobre classe artística, quilombolas, representação feminina, permanecendo, mais do que nunca, uma tela que reflete (e muito) as preocupações dos realizadores gaúchos.
Algumas dessas preocupações e temáticas são constantes entre os produtos apresentados: a busca pela saída da zona de conforto, a vertente artista-criadora de personalidades locais ou ainda, a busca por um novo olhar dentro do gênero documentário. Não tão novo esse olhar, é verdade, mas certamente uma tendência entre os filmes exibidos, eles que se valem da metalinguagem, buscando mostrar os bastidores das filmagens como algo homogêneo e pulsante em meio ao objeto principal de análise. O problema é que se era para soar inovador, experimental ou arrojado, apenas parece uma muleta fraca. É como subestimar o público. Como se quem assiste não soubesse que, na maioria das vezes, um documentário cria uma verdade, a forja.
No primeiro dia o destaque ficou com o minimalista e impactante Sesmaria. Fica até difícil encontrar alguma outra produção de impacto similar no segundo turno do famoso Gauchão. Entre animações, documentários e ficções, foram exibidos nove filmes. Um misto de produções sem incentivo fiscal (como destacou Boca Migotto ao apresentar seus curtas selecionados), trabalhos para universidades e outros com o devido incentivo fiscal que, como muito bem foi destacado por uma realizadora presente, não é um auxílio para que se realize cinema no país, é criação de trabalho, mão-de-obra e expertise.
Migotto foi selecionado com Às Margens e Horas. O primeiro é um documentário sobre a trajetória em tom de road movie do escultor Tieppo, natural de Carlos Barbosa, cidade-natal também de Migotto. Já o outro título é uma ficção com bela interpretação de Nelson Diniz e, como sempre, uma direção de fotografia impecável de Bruno Polidoro. Escape, de Jonatas Rubert, parte de uma ideia promissora ao colocar um casal em crise protagonizando discussões e debates acalorados sobre feminismo, machismo e problemáticas sócio-políticas, em junção com as redes sociais. Infelizmente, a proposta fica na ameaça e não se consuma de forma adequada. Parece acelerada e sem respiros com atuações carentes de direcionamento.
As animações tiveram grande destaque neste segundo dia de exibições. Foram três realizações utilizando a técnica e a com melhor acabamento e proposta inspiradora foi o curta de Felippe Steffens e Carlos Mateus: Lipe, Vovô e o Monstro. Realizado em conjunto com alunos de uma escola pública, que dublaram e conceituaram os personagens, Steffens e Mateus criam um belíssimo e tocante trabalho sobre um neto e um avô que descobrem um mundo nas profundezas de um lago com a ajuda de um monstro com leves referências a animações do Studio Ghibli, sem perder a originalidade.
O encerramento do dia se deu com o documentário Vida Como Rizoma, de Lisi Kieling, sobre Klaus Volkmann, músico da OSPA que mantém uma relação respeitosa e sustentável com o meio ambiente e de positividade com o seu entorno. Apesar de muito simples, a realização de Kieling explora facetas sobre indivíduo e coletividade de maneira muito sutil.