Uma paixão retratada, mas desta vez com olhar crítico. Também em formato de registro, o curta de Murilo Bittencourt mostra o pacato cotidiano de Arno. Este senhor tem duas grandes paixões: Ivone, sua companheira, e o futebol de botão. Mais do que nutrir carinho e nostalgia, o futebol de botão de Arno o tornou obcecado e cego diante do mundo que o cerca. Organizar de forma minuciosa suas escalações de plástico o lembram de uma época de juventude. Tal atividade é para ele tão importante que o faz esquecer de que sua esposa nunca se sentirá inserida neste mundo fantasioso que é o futebol de tabuleiro. Em depoimento, emocionante, Dona Ivone se pergunta, como se soasse loucura, como alguém pode gostar tanto de algo irreal? Mas logo consente ao lembrar que “Se Arno, está feliz, é o que importa”. Mesmo assim, interpela: “ele não percebe que já tentei gostar, mas que nunca vou sentir o mesmo que ele. Ele não percebe que isso me causou dor no passado?”. A devoção do protagonista é também sua maior obstinação, uma relação estabelecida de forma competente por Bittencourt, porém não livre de questionamentos. Afinal, os dois aqui enfocados são os avós do diretor, e há, evidentemente, um olhar carinhoso sobre eles, indicado o tamanho envolvimento entre criador e criatura(s). Outro ponto questionável é a última cena, que deixa clara uma certa encenação ficcional – e isso em um documentário. Tal opção abre muitas possibilidades: o que foi visto até esse momento, portanto, é real ou ensaiado? Cabe ao espectador tirar suas próprias conclusões.
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