A Mostra Competitiva de Documentários em Curta-metragem do 46° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro talvez tenha sido a mais regular dentre as seleções apresentadas. Se nas outras o que se percebeu foi uma inconstância de (poucos) altos e (muitos) baixos, aqui a conclusão que se chegou após a exibição de todos os títulos é que foi tudo muito morno, com nada que tenha realmente empolgado. Em comum, histórias de vidas muito pessoais, de alcance limitado, e uma ou outra conjunção que refletisse momentos mais contemporâneos. Neste caso, a política era fator sempre relevante – como quase tudo que acontece aqui na capital federal.
Luna e Cinara, de Clara Linhart, é uma produção do Rio de Janeiro que leva 14 minutos num carinhoso e divertido registro familiar que ficaria bem para mostrar aos parentes, mas nunca em uma sessão de gala de um festival de cinema. Com evidentes e incômodos problemas técnicos e uma escassa pós-produção, o filme acompanha a rotina da avó da diretora, Luna, e sua convivência com a única companheira que lhe restou, a doméstica Cinara. As duas discutem notícias do jornal, revelam sentimentos típicos dessa situação e terminam o dia indo ao cinema juntas. Tem momentos engraçados, é sensível no retrato que faz do ocaso da terceira idade, mas não vai muito além disso. Suas carências são maiores que seus méritos, fazendo desta uma obra que dificilmente permanecerá na memória do seu espectador.
O título mais abrangente é o poético O Canto da Lona, de Thiago Brandimarte Mendonça, que veio de São Paulo para fazer um belo e singelo registro de antigos artistas circenses. A temática lembra um pouco a do longa Os Pobres Diabos – também exibido em Brasília 2013 – porém com uma pegada documental. Com uma delicada fotografia em preto e branco, peca no entanto pela extensa duração – 25 minutos é demais para um retrato que poderia ter sido feito na metade deste tempo. Mas com personagens curiosos e histórias nostálgicas interessantes, arrancou fortes aplausos do público presente.
Carga Viva, de Débora de Oliveira, é uma produção mineira que não diz a que veio e nem para onde vai. Seu recorte é perdido, sem maiores contextualizações, e com sentido apenas para os diretamente envolvidos – ao menos é o que se acredita. Tem-se em cena o cotidiano de uma família dos arredores de Belo Horizonte que sobrevive graças à criação de burros. Diariamente, os animais são retirados do curral onde vivem e levados para o centro da cidade, onde se transformam em atração em um parquinho de diversões. Praticamente sem diálogos – os existentes não adquirem relevância ao que se pretende narrar – o que resta é uma bonita fotografia e a ideia de um oficio que sobrevive às gerações.
O mais atual dos discursos documentais foi percebido em O Gigante Nunca Dorme, de Dácia Ibiapina, do Distrito Federal. Trata-se de um trabalho bastante promissor no papel, mas que não concretiza suas promessas por falta de ousadia. O documentário se propõe a traçar um olhar sobre as manifestações sociais que tomaram conta do país nos últimos meses. Porém, ao invés de investigar suas diversas origens e repercussões, se contenta em uma única entrevista, de uma fonte isolada, como se fosse suficiente para ser reflexo de uma insatisfação nacional. Frustrante, no mínimo.
Pecando pela carência de informações extra-fílmicas, A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?, de Rafael Urban e Terence Keller, apresenta um personagem curioso, ao menos. A produção paranaense novamente investe, sem necessidade, na extensa duração – problema recorrente na seleção aqui apresentada. Outro problema é o formato que a dupla de realizadores escolheu ao narrar a história de Max Conradt Jr., um excêntrico colecionador, que durante sua vida acumulou desde importante peças de arte até edições da Playboy. Ao se debruçar sobre suas relíquias, muitas acabam sem a devida relevância junto ao público justamente por não ser feita essa ponte de compreensão que analise a validade de tais investimentos.
Por fim, Contos da Maré, de Douglas Soares, vem do Rio de Janeiro. Lendas urbanas típicas da região da comunidade da Maré, na capital carioca, são reinventadas sem muita imaginação, em um resultado que parece mais com histórias de ninar – tanto que a sensação que melhor provoca é a de sono. Histórias de lobisomem, assombrações e outras fábulas são narradas por personagens protagonistas destas histórias, porém sem a devida profundidade – ou conexão – que investigasse de modo mais competente suas origens e porquês.
Neste cenário de seis títulos, o que se percebe é um excesso narrativo desnecessário. Os realizadores de hoje parecem ter muito a dizer, porém sem saber como. E o desperdício acaba sendo consequência natural. Com um maior poder de concisão, eventos caros ao povo brasileiro poderiam ser melhor explorados, perfazendo a ponte entre público e obra de modo mais eficiente. Cariocas, mineiros, paranaenses, brasilienses e paulistas servem, aqui, para mostrar um Brasil que ainda possui muito a ser documentado, porém lhes falta preparo e investimento – tanto deles, quanto também neles.
Premiados 2013
Melhor Filme: Contos da Maré, de Douglas Soares
Melhor Direção: Rafael Urban e Terence Keller, por A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?
Melhor Fotografia: André Moncaio, por O Canto da Lona
Melhor Trilha Sonora: Fabio Baldo, por Contos da Maré
Melhor Som: Samuel Gambini, por O Canto da Lona
Melhor Montagem: Ivan Costa e Dácia Ibiapina, por O Gigante Nunca Dorme
Prêmio Canal Brasil: A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?, de Rafael Urban e Terence Keller
Prêmio ABRACCINE – Melhor Filme pela Crítica: A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?, de Rafael Urban e Terence Keller
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