O segundo dia de programação oficial do 46° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi, na verdade, o primeiro dia de fato, pois foi quando tudo começou. E as atividades tiveram início cedo, já à partir das 9h, com uma Oficina de Roteiro, ministrada por Marcus Aurelius Pimenta, seguido por um debate, às 10h30, com a equipe do filme Revelando Sebastião Salgado (apresentado fora de concurso na noite anterior). Estes dois encontros foram no Kubitschek Plaza Hotel, que é o QG do evento, onde a maioria das atividades diurnas acontecem. Além disso, é neste hotel – e no Manhattan, que fica logo em frente – onde praticamente todos os convidados, sejam da imprensa, artistas ou produtores, ficam hospedados, fazem suas refeições e demais compromissos. Ou seja, apesar do evento ser na cidade, ele se resume praticamente a dois lugares: ao hotel e ao cinema.

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Debate sobre o filme Revelando Sebastião Salgado

O Kubitschek Plaza Hotel abrigou também, a partir das 14h, os seminários “Estratégias para o desenvolvimento das pequenas empresas do audiovisual brasileiro”, que discutiu a atual conjuntura econômica com a presença de secretários de estado e chefes de entidades de classe, e a “distribuição cinematográfica”, com representantes de distribuidoras como a Downtown, Imovision, Vitrine e H2O Filmes. Enquanto isso, no Cine Brasília, quem ocupou a manhã foi o Festivalzinho, que exibiu o longa O Rei de uma Nota Só e a Borboleta Azul, de Carlos Del Pino, produção do DF de 2013, além de uma programação extra de curtas-metragens infantis feitos na região.

As mostras competitivas tiveram início à noite, também no Cine Brasília. Foi quando aconteceram, também, os primeiros percalços. Agendado para as 19h, a sessão contou com mais de meia hora de atraso. A primeira metade da programação é composta pelos documentários (um curta e um longa), e a segunda pela animação (curta) e ficções (um curta e um longa, também).

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Luna e Cinara, de Clara Linhart

Luna e Cinara, de Clara Linhart, é uma produção do Rio de Janeiro que leva 14 minutos num carinhoso e divertido registro familiar que ficaria bem para mostrar aos parentes, mas nunca em uma sessão de gala de um festival de cinema. Com evidentes e incômodos problemas técnicos e uma escassa pós-produção, o filme acompanha a rotina da avó da diretora, Luna, e sua convivência com a única companheira que lhe restou, a doméstica Cinara. As duas discutem notícias do jornal, revelam sentimentos típicos dessa situação e terminam o dia indo ao cinema juntas. Tem momentos engraçados, é sensível no retrato que faz do ocaso da terceira idade, mas não vai muito além disso. Suas carências são maiores que seus méritos, e dificilmente deverá permanecer na memória dos jurados até o final do evento.

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Deixem Diana em Paz, de Julio Cavani

O segundo curta da noite foi a animação Deixem Diana em Paz, de Julio Cavani. A produção pernambucana de 10 minutos conta com locução de Irandhir Santos, que narra a história da protagonista, uma mulher viciada em trabalho que certo dia larga tudo para fazer duas coisas: ir à praia e dormir um pouco mais. Os bonitos traços, feitos à mão pelo artista Cavani Rosas (pai do diretor), são mais interessantes do que a história em si, que termina abruptamente. O prazer, aqui, é mais estético do que de conteúdo.

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Sylvia, de Artur Ianckievicz

O primeiro curta de ficção da mostra competitiva foi Sylvia, de Artur Ianckievicz. Feito em Londrina, interior do Paraná, chama mais atenção pela forma escolhida pelo realizador do que pelo enredo em si. Sem usar um único diálogo, mostra o que acontece à protagonista, uma jovem que trabalha como camelô e passa suas noites treinando numa academia de boxe, quando descobre que sua melhor amiga no esporte está no outro lado da lei. Elaborado de forma bastante engenhosa, possui uma direção competente, um roteiro que faz um bom uso dos silêncios e das elipses e uma atriz – Juliana do Espirito Santo – em bastante sintonia com sua personagem.

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Público deixando o Cine Brasília após o cancelamento da projeção de Os Pobres Diabos

Na sequência veio o longa Outro Sertão, de Adriana Jacobsen e Soraia Vilela, um curioso retrato sobre o período em que o escritor Guimarães Rosa atuou como vice-cônsul em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 até 1942. Bem feito e apresentado de forma competente, deve surpreender. O mesmo, no entanto, não pode ser dito a respeito do outro longa da noite, a ficção Os Pobres Diabos, de Rosemberg Cariry. A produção cearense, exibida como hors concours no encerramento do recente Cine Ceará, chegou cheia de expectativas a Brasília, mas além de não justificá-las com sua trama, ainda foi prejudicada pela projeção, que apresentou vários problemas técnicos de som, até que teve que ser interrompida faltando cerca de meia-hora para o final. O pior, no entanto, veio depois, já com as luzes acesas e mais da metade do público tendo partido, quando o coordenador do Festival, Sérgio Fidalgo, se pronunciou afirmando que o problema era devido ao formato de exibição do filme, que ia contra o regulamento inicial do evento – teria sido aberta uma exceção para sua inclusão, o que estaria naquele momento provocando seu arrependimento após os problemas vistos. Já Petrus Cariry, filho do diretor e responsável pela fotografia do longa, lembrou que em Fortaleza a projeção havia sido perfeita e que era a mesma cópia que veio para cá – ou seja, se há algo de errado, não haveria de ser com o filme. E, com esse constrangimento, encerrou-se o segundo dia de atividades, com um filme a menos e uma dor de cabeça a mais.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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