Com a multiplicidade de meios para se fazer cinema hoje em dia – afinal, todo mundo carrega, literalmente, uma câmera no bolso – a democratização do acesso à atividade cinematográfica trouxe, evidentemente, prós e contras. Entre os fatores positivos está a descoberta de novos talentos. Por outro lado, ninguém mais quer ver – e estudar, e aprender, e reconhecer. O que todos querem é exercitar, é realizar. Para quem? Pouco se sabe. E como resultado temos uma série de filmes que desconhecem elementos básicos como tempo cênico, importância de silêncios, fluência narrativa e relevância de argumentos. Os filmes apresentados na quarta noite da programação oficial do 46° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foram bons exemplos dessa nova, e triste, situação.
Os três curtas apresentados – um documentário, uma animação e um de ficção – tinham como maior pecado a extensa duração. O poder da concisão, percebe-se, foi abandonado há muito tempo. O mais curto dos três tinha 18 minutos de duração. Quando o uso da película – mais cara e de difícil acesso – era imperativo, percebia-se raro se assistir a um curta-metragem com mais de 10, 15 minutos no máximo. Nesta realidade atual, o cuidado com o formato não é mais tão necessário, e abusa-se dos excessos ao invés de investir no poder da imagem. Temos, portanto, obras verborrágicas, repletas de cenas desnecessárias e redundantes.
Carga Viva, de Débora de Oliveira, é um documentário mineiro que não diz a que veio e nem para onde vai. Seu recorte é perdido, sem maiores contextualizações, e com sentido apenas para os diretamente envolvidos – ao menos é o que se acredita. Tem-se em cena o cotidiano de uma família dos arredores de Belo Horizonte que sobrevive graças à criação de burros que possui. Diariamente, os animais são retirados do curral onde vivem e levados para o centro da cidade, onde se transformam em atração em um parquinho de diversões. Praticamente sem diálogos – os existente não adquirem relevância ao que se pretende narrar – o que resta é uma bonita fotografia e a ideia de um oficio que sobrevive às gerações.
O curta de animação da noite foi o já viajado Faroeste: Um Autêntico Western, do goiano Wesley Rodrigues. Exibido há menos de um mês no 41° Festival de Gramado – de onde saiu de mãos abanando – a trama se perde, novamente, pela extensa duração (quase 19 minutos), e pelo roteiro que começa com uma ideia, mas logo se desvia por diversos atalhos, sem nunca assumir um objetivo. Com uma forte pegada de cangaço, o início nos mostra um urubu que, ainda pequeno, vê a família esquartejada e, por isso, pega gosto pela violência. Até que uma família de coelhos contrata um matador profissional para dar cabo dele. O que soava como ousado e original termina caricatural e americanóide. Um desperdício.
O curta de ficção Au Revoir foi um dos que chegou com mais expectativas. Produção pernambucana – estado que tem apresentado alguns dos melhores trabalhos do cinema nacional recente – a história sobre uma intercambista radicada em Paris que sofre com a solidão e a distância da família ao mesmo tempo em que se vê envolvida com a vizinha de porta, uma senhora idosa e doente, oferece elementos interessantes. No entanto, estes nunca são tratados com o devido respeito pela diretora Milena Times, que os descarta quase que ao mesmo tempo que os apresenta. O final, abrupto apesar do longo desenrolar da trama, frustra a atenção despertada até aquele momento.
Ao contrário das noites anteriores, sempre com três curtas e dois longas no programa oficial, o quarto dia de atividades apresentou um longa a mais. Foi a oportunidade de ser conferido na íntegra Os Pobres Diabos, de Rosemberg Cariry, que enfrentou problemas técnicos que interromperam sua exibição na noite de estreia da mostra competitiva. A espera, no entanto, não se justificou. Apesar da história mostrar na tela um circo que literalmente ‘pega fogo’, do lado de cá a experiência foi bastante morna. Algo semelhante com o que aconteceu durante as projeções de Hereros Angola, documentário de Sérgio Guerra, e com a ficção documental Avanti Popolo, de Michael Wahrmann. Se o primeiro é antropologicamente curioso, porém não se justifica enquanto cinema, o segundo tem como valor a participação do cineasta Carlos Reichenbach como ator, em seu último trabalho antes de sua morte, no início deste ano. Fica a memória de um grande realizador, aqui, infelizmente, envolvido em um projeto que não está à altura do seu talento.
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