Cinema é uma atividade coletiva. Sendo assim, é compreensível os diferentes olhares e diversas visões que cada obra possa conter. Mas ainda mais amplo é a necessidade de se comunicar com um público vasto e variado. Isto é, desde que se haja esta pré-disposição. Algo que, infelizmente, faltou à maioria dos títulos apresentados na sexta noite da programação oficial do 46° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A maioria dos cinco títulos selecionados – dois longas e três curtas – tinham em comum um hermetismo de difícil transposição, além do fato de se desenvolverem dentro de universos característicos daqueles que vivem disso – ou para isso. E “isso”, nesse caso, nada mais é do que o próprio cinema. Para o bem, e para o mal.
O melhor exemplo desta percepção foi o (bom) documentário em longa-metragem Plano B, de Getsemane Silva. A produção era prata da casa, o que foi suficiente para elevar os ânimos da plateia presente no Cine Brasília – muito mais cheia do que o visto nos demais dias. A obra nada mais é do que uma grande investigação a respeito do paradeiro da filme ‘perdido’ Brasília: Contradições de uma Cidade Nova, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade em 1967. O curta, de pouco mais de 20 minutos, foi exibido no Festival de Brasília daquele ano e, depois, simplesmente desapareceu. O que Getsemane faz é ir atrás de quem o fez, analisar as condições da sua feitura e os porquês do incômodo que o resultado gerou. Mas, se o prazer cinematográfico se faz, por outro ele seria mais completo caso o espectador tivesse visto o filme anterior em questão. Um depende muito do outro, e por maior que seja a curiosidade, ela não se completa por si só.
Essa carência de informações extra-fílmicas se percebe também no curta-metragem documental A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?, de Rafael Urban e Terence Keller. A produção paranaense peca pela extensa duração – problema recorrente na seleção aqui apresentada – e pelo formato que escolhe ao narrar a história de Max Conradt Jr., um excêntrico colecionador, que durante sua vida acumulou desde importante peças de arte até edições da Playboy. Ao se debruçar sobre suas relíquias, muitas acabam sem a devida relevância junto ao público justamente por não ser feita essa ponte de compreensão que analise a validade de tais investimentos.
Talvez o projeto mais bem acabado da noite seja a animação Ed., de Gabriel Garcia. Exibido na Mostra Gaúcha do 41° Festival de Gramado – quando foi premiado como Melhor Produção Executiva – chega ao evento brasiliense com melhores possibilidades de premiação, seja pela técnica e roteiro apresentado como também pela fraca concorrência presente. Ed, o protagonista, é um coelho astro de cinema, e nos minutos finais de sua vida se misturam os muitos personagens que já interpretou com as tantas vidas que precisou levar diante de todos ao seu redor. É um desenho animado adulto, muito bem acabado, e surpreende a olhos vistos.
Algo que, infelizmente, não pode ser dito do curta ficcional Fernando que ganhou um Pássaro do Mar, de Felipe Bragança e Helvécio Marins Jr. uma coprodução entre Brasil e Portugal. A partir de um enredo que combina a atual insatisfação social do país europeu com a visão estereotipada que os estrangeiros possuem sobre nós, a obra resulta em mais um amontoado de clichês do que em material relevante que ofereça possibilidades de reflexão a respeito. As imagens são jogadas aleatoriamente, sem as necessárias conexões, e o todo termina por ser mais fraco do que suas partes individuais.
A noite terminou com o aguardado longa-metragem Riocorrente, estreia na ficção do montador e documentarista Paulo Sacramento. Se a primeira metade é instigante e curiosa, com o seu desenvolvimento a falta de uma correspondência a esses anseios retiram sua força, colocando em evidência uma vontade maior em provocar através da gratuidade e do choque superficial ao invés de se criar condições narrativas que proporcionem a troca. É um filme que exige demais – seja pelas referências, pelos discursos ou mesmo pelas imagens – sem entregar algo à altura em troca. O final, apesar de provocativo, pouco motiva a audiência, resvalando para a irrelevância. O exagero, aqui, extrapolou o necessário.