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5+1 :: Alan Parker

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Nascido no dia 14 de fevereiro de 1944, o cineasta inglês Alan William Parker comemora hoje mais um aniversário. Motivo de comemoração, mas também de tristeza quando lembramos que passou-se mais um ano sem um novo filme deste aclamado diretor: seu último longa a chegar às telas foi o drama de tribunal A Vida de David Gale (2003). Se sua ausência tem sido sentida, aos menos os fãs tem à disposição uma obra de destaque, composta por pouco mais de 10 títulos em uma carreira que se iniciou em 1974 com a realização de dois curtas-metragens. Neste meio tempo, Parker concorreu duas vezes ao Oscar (ambos os trabalhos lembrados aqui na nossa seleção), ganhou 5 BAFTAs (os últimos conquistados como Melhor Filme e Direção pelo enérgico Os Commitments: Loucos Pela Fama, de 1991), foi premiado no Festival de Cannes (Asas da Liberdade, 1994, que ganhou o Grande Prêmio do Júri) e deixou sua marca em filmes que até hoje estão impregnados na cultura pop (Fama, de 1980, e Pink Floyd The Wall, de 1982, são apenas alguns exemplos). E para marcar seu retorno aos holofotes, que aconteceu no último dia 10 de fevereiro, quando foi o grande homenageado deste ano no BAFTA – o prêmio máximo do cinema inglês –“em reconhecimento de uma notável e excepcional contribuição para o cinema”, a Equipe Papo de Cinema aponta seus trabalhos preferidos do diretor. Confira!

 

O Expresso da Meia-Noite (Midnight Express, 1978), por Matheus Bonez
O Expresso da Meia-Noite pode ser considerado o filme que consagrou Alan Parker como um grande diretor, mesmo sendo este apenas seu segundo longa-metragem realizado. A produção de 1978 concorreu a seis Oscar (inclusive o de direção para Parker) e levou dois prêmios para casa, o de Melhor Trilha Sonora (as perfeitas composições de Giorgio Moroder) e de Melhor Roteiro Adaptado, para um então novato Oliver Stone. Mesmo após 30 anos, o título é cercado de polêmicas. Isto porque a trajetória do adolescente irresponsável Billy Hayes (Brad Davis, excelente), preso ao tentar transportar haxixe da Turquia para os EUA, é controversa ao apontar os turcos como os “bad guys” torturadores (o que inclusive gerou um mal estar na própria Turquia, onde o filme foi proibido por mais de dez anos). Porém, apesar desta ambígua nota, o longa não exime a (ir)responsabilidade do protagonista, mesmo mostrando todo o sofrimento que ele passou em suas décadas na cadeia, que vão desde a tortura psicológica, a podridão física do local em si e os abusos sexuais. Muito mais que um filme sobre prisão ou crítica à política autoritária daquele país, o que se vê nesta obra de Alan Parker é um retrato de autoconhecimento do ser humano e como uma péssima escolha pode alterar totalmente sua vida. Neste caso, para o extremo mal. O que Alan Parker conduz de forma excepcionalmente chocante, o que ainda pode ser percebido mesmo tanto tempo depois de seu lançamento.

 

Coração Satânico (Angel Heart, 1987), por Marcelo Müller
Estamos em Nova York, anos 1950, logo após a Segunda Guerra Mundial. O detetive particular Harry Angel (Mickey Rourke) é contratado por Louis Cyphre (Robert De Niro) para localizar o devedor Johnny Favorite, de quem há muito não se tem notícia. O investigador parte em busca de pistas, mas algo começa a se deslocar para longe da averiguação pura e simples quando uma de suas testemunhas falece violenta e inexplicavelmente. A partir daí, o caminho de Angel será pavimentado por mortes, sacerdotisas, rituais de magia negra e a presença constante e opressora do mal. Esses e outros elementos fazem de Coração Satânico um tipo bastante sui generis de neo-noir. Ao passo que sustenta seu filme num inquérito empreendido por figura calcada nas pulp fictions, o diretor Alan Parker usa e abusa de aspectos que evidenciam a caça ao desaparecido como experiência além da compreensão ou dos limites terrenos. Então, o que credencia Coração Satânico ao hall das boas realizações oitentistas do cinema americano é a originalidade da forma amplificando o caráter inusitado do enredo. Méritos de Alan Parker, artesão habilidoso como poucos.

 

Mississippi em Chamas (Mississippi Burning, 1988), por Rodrigo de Oliveira
Só a presença de Gene Hackman e Willem Dafoe no elenco já valeria uma conferida mais de perto. Dirigido de forma robusta por Alan Parker, que encontrou na história de três ativistas mortos uma forma de criticar o preconceito racial, o longa-metragem mostra uma faceta dos Estados Unidos que não deixaria ninguém orgulhoso. Na trama, ambientada em 1963, dois agentes do FBI tentam chegar ao fundo de uma investigação à procura de militantes dados como desaparecidos, mas acabam batendo de frente com a odiosa Ku Klux Klan e com o todo o preconceito racial que existia no local. Indicado a sete estatuetas do Oscar: Melhor Filme, Diretor, Ator (Hackman), Atriz Coadjuvante (Frances McDormand), Montagem, Som e Fotografia, Mississippi em Chamas levaria para casa apenas esta última, pelo belo trabalho do diretor de fotografia Peter Biziou. Passados 25 anos da estreia do longa-metragem, ele ainda mantém-se forte, por fazer um registro sem concessões de um episódio baseado em fatos reais.

 

Evita (Evita, 1996), por Robledo Milani
Este talvez seja o mais completo musical já lançado. Realizado por um diretor mestre no gênero – títulos como Fama (1980), The Wall (1982) e Os Commitments (1991) falam por si só – pode ser visto como a execução máxima de um estilo que há muito vinha sendo experimentado por Alan Parker, cineasta de respeito que conseguiu transformar uma estrela da música pop em uma atriz completa. Foi por causa deste sucesso – mais de US$ 140 milhões faturados em todo o mundo – que as portas da indústria se abriram para outras adaptações da Broadway, como Chicago (2002), O Fantasma da Ópera (2004) e o recente Os Miseráveis (2012). De todos estes projetos, foi o único premiado com o Oscar de Melhor Canção (“You Must Love Me”, que resume com perfeição o espírito das letras e músicas de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber) e ainda levou para casa 3 Globos de Ouro: Melhor Filme em Musical ou Comédia (vencendo os badalados Jerry Maguire, 1996, e Fargo, 1996, que depois seriam indicados ao Oscar), Canção e Atriz em Musical ou Comédia (Madonna, superando a oscarizada Frances McDormand). Sem falar na genialidade de narrar apenas com canções uma trajetória épica, a da mítica ex-Primeira Dama da Argentina, Eva Peron, que da pobreza conseguiu se alçar ao posto mais importante do país para uma mulher naquela época. Inesquecível e dono de um resultado absurdamente fantástico, que ainda hoje serve de inspiração para muitos.

 

A Vida de David Gale (The Life of David Gale, 2003), por Conrado Heoli
Kevin Spacey, Laura Linney e Kate Winslet estrelam o último filme dirigido por Alan Parker, A Vida de David Gale (2003), que em 21 de fevereiro completa 10 anos desde seu lançamento. Spacey interpreta o papel-título deste surpreendente thriller, um professor universitário entusiasta de movimentos contra a pena capital que é acusado de estupro e assassinato – e enviado para o corredor da morte. Pela delicada temática que aborda, o filme ainda suscita grandes discussões e curiosamente dividiu o público – que em geral aprecia o longa-metragem – e a crítica, responsável por severos e inflamados apontamentos. O respeitado Roger Ebert, do Chicago Sun-Times, chegou a publicar o seguinte: “Eu estou certo de que os realizadores acreditam que o filme é contra a pena de morte. Eu acredito que ele a apoia e espera descreditar os oponentes da pena como fraudadores sem princípios”. Independente das reações extremadas, a obra de Parker guarda qualidades louváveis, como as interpretações acertadas de seu trio protagonista, o roteiro contundente de Charles Randolph e sua marcante trilha sonora, que curiosamente é utilizada à exaustão em trailers de filmes como Milk (2008), O Artista (2011) e A Dama de Ferro (2011). Polêmicas à parte, A Vida de David Gale merece o prestígio de figurar entre grandes suspenses sobre a pena de morte, ao lado dos excelentes Doze Homens e Uma Sentença (1957), de Sidney Lumet, A Tênue Linha da Morte (1988), de Errol Morris, e Ao Abismo (2011), de Werner Herzog.

 

+1

 

As Cinzas de Ângela (Angela’s Ashes, 1999), por Pedro Henrique Gomes
Os filmes de Alan Parker quase sempre são marcados por histórias e personagens que passam por condições extremas para viver. Em As Cinzas de Ângela é a sobrevivência que está em jogo. Para os personagens do filme, sobreviver pode muito bem ser entendido como uma forma de resistência. Resistir é o que faz o personagem condenado à pena de morte em A Vida de David Gale, seu filme posterior e que não por acaso complementa o olhar de Parker sobre “os sistemas” – o sistema penal em um, o econômico no outro. Antes de incorrer nas facilidades do olhar caridoso, Parker coloca na tela toda a sujeira que a história pedia. A coisa fica mais próxima do real sem ser cópia dele. Funciona porque quer perturbar o espectador, antes mesmo de querer agradá-lo. E a fotografia, aqui, merece menção especial. Não estritamente naquilo que ela cria (a cor do filme: a cor fome, do desemprego, da desintegração do Estado e da miséria de seu povo), mas precisamente pela qualidade das emoções que insere nos rostos dos personagens. É sempre mais difícil existir e significar algo nas sombras.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.

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