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Alfred Hitchcock é considerado o mestre do suspense, mas o cineasta é muito mais do que isso. Desconfiado por natureza, dono de um humor negro sem igual e cheio de medos e traumas, Hitchcock colocou nas telas todas suas fobias e desejos, como se através da lente conseguisse combatê-los ou saciá-los. Não à toa a polícia, um dos seus desafetos, é tratada como incompetente na maior parte de sua cinematografia. Já as loiras, seu objeto de desejo, são sempre gélidas, misteriosas, porém vitais no desenrolar das tramas.

O diretor morreu em 1980 por conta de uma insuficiência renal. Nascido em 13 de agosto de 1899, completaria 114 anos em 2013. Para celebrar a data e uma filmografia tão completa (são mais de 50 títulos), a equipe do Papo de Cinema resolveu escolher seus cinco filmes – e mais um especial. Mas não estranhe se faltar algum, como Intriga Internacional (1958), Pacto Sinistro (1951), Rebecca – A Mulher Inesquecível (1940) ou ainda títulos de sua fase inglesa, como Os 39 Degraus (1935) ou A Dama Oculta (1938). A seleção foi árdua pra tanta coisa boa, mas eis o resultado!

 

51 hitchcock papo de cinema04aFestim Diabólico (Rope, 1948)
Por Pedro Henrique Gomes
Um filme no qual a morte já está configurada logo no arranque e que tem toda sua história construída literalmente em cima do corpo do morto. O cardápio é uma aventura de sutilezas discursivas: dois jovens oferecem um banquete servido no baú dentro do qual descansa a vítima, conversam sobre assuntos correlatos, versam sobre assassinatos, morte e inocência. James Stewart, um dos convidados, é quem investiga. Assim é Festim Diabólico, obra-prima de um cinema capaz de fazer do espectador cúmplice de suas “barbaridades”. Exercício supremo da tensão cinematográfica, alargamento consciente da ação, da mise en scène. A virtude do suspense de Hitchcock é que ele se cria nos cantos das palavras, nas bordas das imagens, nas expressões dos personagens, nos movimentos e nos ângulos que a câmera realiza. Festim Diabólico não só é um dos melhores de seus filmes, o que não é dizer pouco, mas é um dos grandes filmes dos anos 1940. É preciso recorrer várias vezes ao seu poderio de imagens.

 

51 hitchcock papo de cinema05Janela Indiscreta (Rear Window, 1954)
Por Rodrigo de Oliveira
Janela Indiscreta sempre está nas listas dos grandes filmes de Alfred Hitchcock e sua presença é justificada pela maestria com que o cineasta conta esta história. O mestre do suspense coloca a plateia como protagonista da trama, visto que o fotógrafo de perna engessada interpretado por James Stewart acaba tornando-se um espectador da vida alheia, uma pessoa que passa seus dias espiando os vizinhos, preso a uma cadeira de rodas. Quando um provável crime acontece, o fotógrafo precisa desvelar o mistério. Mas como fazer isso estando incapacitado de movimentos? A tensão com o desenrolar da história, a periculosidade das situações e a forma como Alfred Hitchcock passeia pelas janelas daquele cortiço são verdadeiras aulas de suspense. O espectador sente-se tão impotente quanto o protagonista, fazendo uma ligação direta entre personagem e platéia. Memorável, para dizer o mínimo. Isso sem contar a presença da belíssima Grace Kelly (com quem já havia filmado Disque M Para Matar no mesmo ano) como a mocinha da história, que também deseja aventurar-se para impressionar o namorado, papel que a colocou definitivamente no panteão das grandes estrelas do cinema e, claro, das loiras de Hitchcock.

 

51 hitchcock papo de cinema06Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958)
Por Conrado Heoli
Um Corpo Que Cai é o melhor filme de todos os tempos. Pelo menos para o American Film Institute, que chegou a esse consenso após compilar 846 opiniões de especialistas numa lista que é revista a cada década. O melhor Hitchcock para muitos, Vertigo possui todos os principais elementos da cinematografia do cineasta em forma e conteúdo. A música enérgica de Bernard Herrmann, os créditos de Saul Bass, o inesquecível figurino de Edith Head e a fotografia de Robert Burks; todos elementos à serviço de uma narrativa sombria, repleta de nuances e profunda como os mais inspirados trabalhos do grande mestre. James Stewart deixa de lado seu carisma costumeiro na personificação de um ex-detetive perturbado pela idealização de uma mulher – a deslumbrante Kim Novak – e o mistério que a envolve. Grande arquiteto do cinema, Hitchcock conduziu Um Corpo Que Cai como uma grande espiral, da trilha aos complexos planos, e ainda é reconhecido pelo pioneirismo na aplicação de técnicas ousadas, como a irretocável dolly shot na sequência da escadaria vertiginosa. Sacrifício, morte e culpa acompanham este excepcional thriller, que permanece como uma obra obrigatória para quaisquer cinéfilos.

 

51 hitchcock papo de cinema07 e1376411547154Psicose (Psycho, 1960)
Por Marcelo Müller
Em oposição aos estudiosos que colocam a cena da escadaria de Odessa, de O Encouraçado Potemkin (1925), como a mais influente do cinema, há, entre outros, os defensores da morte sob o chuveiro em Psicose como legítima dona do posto. 78 cortes, trilha de Bernard Herrmann, 45 segundos suficientes para eliminar a protagonista e fazer Hitchcock soterrar as desconfianças que pairavam sobre o, até então, projeto barato e fadado ao fracasso. Mas Psicose não é apenas a cena do chuveiro, há bem mais. Marion é construída como figura de moral duvidosa e sua morte prematura (nos primeiros 30 minutos de filme, algo quase impensável) ocorre como que para violentar as expectativas da plateia e trazer à tona Norman Bates, quem sabe o maior dos psicopatas cinematográficos. Esse assassino é um Édipo cuja morbidez não enfrenta resistência. Seu esforço para manter “viva” a mãe, de fato já morta, é fruto de grave quadro patológico responsável também, além de outros sintomas, por consumir sua própria identidade. Por essas e outras (muitas outras) Psicose habita o panteão dos melhores filmes de Alfred Hitchcock e figura, da mesma maneira, em meio aos grandes do cinema enquanto meio de expressão.

 

51 hitchcock papo de cinema08Os Pássaros (The Birds, 1963)
Por Matheus Bonez
Há inúmeras possibilidades para se analisar o ataque incessante das aves à pequena cidade de Bodega Bay em Os Pássaros. Por um lado, pode ser a chegada da contemporaneidade na pele de Melanie Daniels (Tippi Hedren em sua estreia nas telas e sob a direção de Hitchcock) a um reduto pacato dos EUA. De outra forma, representa a superproteção de uma mãe (Jessica Tandy) que não quer deixar o filho (Rod Taylor) se aproximar de qualquer outra mulher com medo de ser abandonada. Ou, simplesmente, pode ser um surto da natureza. Quaisquer que sejam as hipóteses, corretas ou não, aqui o mestre do suspense trata o terror, a violência e a destruição de uma comunidade com maestria, utilizando como trilha sonora apenas o canto, ou melhor, os gritos dos pássaros. Após a cena do chuveiro em Psicose (1960), o que pode causar mais agonia do que Melanie presa em um quarto sendo atacada por aves por todos os lados? Além de revelar uma bela atriz, Os Pássaros comprova, mais uma vez, a genialidade de Hitchcock ao tratar um assunto tão complexo sem deixar uma resposta pronta ao público. Algo que muito cineasta tenta até hoje, mas não consegue fazer.

 

+1

51 hitchcock papo de cinema09Marnie: Confissões de uma Ladra (Marnie, 1964)
Por Renato Cabral
Originalmente planejado por Hitchcock para ser o retorno de Grace Kelly às telas, Marnie: Confissões de uma Ladra é baseado no livro de Winston Graham e uma das produções mais subestimadas do diretor. Substituindo Kelly, Tippi Hedren reprisa a parceria com o diretor como a personagem-título do filme, uma mulher psicologicamente instável que tem medo de se relacionar com homens e, para completar, é cleptomaníaca. Co-estrelado por Sean Connery como o homem que desestrutura Marnie, Hitchcock explora em sua produção uma temática explicitamente psicológica e as instabilidades mentais da personagem principal. Não somente subestimado pelos críticos da época de seu lançamento em 1964, o filme possui uma das menores bilheterias do diretor.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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