André Novais Oliveira destoa do estereótipo que Hollywood criou no nosso imaginário a respeito dos diretores de cinema. Discreto e tímido, ele tem conquistado com muita propriedade o seu lugar na primeira prateleira dos realizadores brasileiros com um cinema estrelado por pessoas simples, geralmente da periferia mineira. Um dos sócios da Filmes de Plástico, empresa que já teve um longa-metragem indicado para representar o Brasil no Oscar (Marte Um, 2022), André já se tornou uma referência na área, alguém em quem se espelhar. Um cineasta que faz filmes em família, com mãe, pai e irmãos (o de sangue e os da vida) e que atribui às narrativas uma intimidade muito singela.
Neste 5+1 André Novais Oliveira elegemos os cinco principais filmes do cineasta e mais um que merece ser (re)descoberto. André foi seis vezes indicado ao Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro, também lembrado no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, premiado nos festivais de Cannes, Brasília, Locarno, no Bafici, no Olhar de Cinema, no Festival do Rio, na Mostra de Cinema de Gostoso. Sem mais delongas, confira abaixo os filmes que escolhemos para você conhecer a carreira desse cineasta mineiro ou aproveitar a estreia do terceiro longa-metragem dele nos cinemas, O Dia que Te Conheci (2023), para fazer uma revisão certamente prazerosa.
André Novais Oliveira já era um respeitado diretor de curtas-metragens quando se lançou à feitura de Ela Volta na Quinta (2014), longa-metragem no qual vemos uma grave crise no relacionamento de um casal de idosos afetando a rotina dos filhos, dois rapazes que se preparavam para finalmente sair de casa. Os intérpretes principais eram seus pais, Maria José Novais Oliveira e Norberto Novais Oliveira, ele próprio e seu irmão Renato Novaes que, adiante, seria uma das figurinhas mais carimbadas de seu cinema. O resultado foi estranho para alguns, mas desconcertante para outros, especialmente pela dificuldade de estabelecer uma fronteira entre verdade e encenação, entre ficção e documentário. Aliás, com seu primeiro longa, André tomou esse caminho fértil que tem sido tendência nas últimas décadas do cinema brasileiro, o de relativizar limites e demarcações cartesianas em busca de um tipo novo de encenação que mais embaralhe do que determine. Ela Volta na Quinta foi escolhido como Melhor Filme da mostra Olhares Brasil do Olhar de Cinema Curitiba 2015, venceu o Prêmio Especial do Júri no BAFICI (Buenos Aires Festival Internacional) 2015 e ainda fez bonito no 47º Festival de Brasília – Melhor Ator Coadjuvante (Renato Novaes) e Atriz Coadjuvante (Elida Silpe).
No 25º Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, Temporada (2018) foi premiado como Melhor Atriz (Grace Passô) e indicado ainda a Melhor Filme, Direção, Ator Coadjuvante (Renato Novaes), Revelação Masculina (Russo APR), Roteiro Original, Montagem e Elenco; e, além de outros prêmios, foi o grande bicho-papão do Festival de Brasília 2018: premiado como Melhor Filme, Atriz (Grace Passô), Ator Coadjuvante (Russo APR), Fotografia e Direção de Arte. Na trama, Juliana (Grace Passô) acabou de se mudar para a periferia de Contagem a fim de trabalhar no combate às endemias da região, por exemplo, batendo de porta em porta para verificar se os vizinhos estão fazendo o possível para controlar a proliferação do mosquito da dengue. Na esperança de que o marido também venha para lhe fazer companhia, ela conhece pessoas que vão dando significado a essa nova rotina feita de um trabalho que ainda precisa dominar, assim como as emoções decorrentes da novidade e de uma possível frustração amorosa. Temporada é aquele tipo de filme que não reivindica artificialmente o nosso carinho, pois o conquista genuinamente a cada interação da protagonista, a cada diálogo dito como se fosse um trecho da realidade, a cada testemunho de uma comunidade que vai se formando.
O Dia que Te Conheci
Em O Dia que Te Conheci, Zeca (Renato Novaes) bem que tenta, mas não consegue acordar cedo para trabalhar. E como ele é um trabalhador, percorrer a cidade atrasado, torcendo para não chegar depois do horário, pode ser uma aventura e tanto. Depois de receber uma notícia não muito animadora da escola onde é bibliotecário, ele fica sem perspectivas. Isso até conhecer melhor Luísa (Grace Passô), aquela que primeiro lhe oferece uma mão amiga, depois o convite para uma cervejinha, mais tarde, quem sabe, a possibilidade de um novo amor. Temos um filme que transborda afeto por todos os seus poros, principalmente pela observação nada afetada de um trabalhador meio à deriva que pode encontrar uma nova perspectiva de vida na companhia de uma mulher. Não há promessas de um relacionamento transformador, de algo que faça Zeca ser, a partir daí, um homem completamente realizado. Luísa não é a sua tábua de salvação, nem nunca promete algo próximo disso. O mais interessante nesse longa-metragem é a atenção às sutilezas que conferem um ar genuíno e espontâneo às interações humanas que vão (re)significando cada gesto e acontecimento aparentemente banal. Não à toa o filme vem angariando fãs entusiasmados e prêmios pelos festivais nos quais passou antes de sua estreia.
Filme de estreia de André Novais Oliveira, Fantasmas (2010) é um abre-alas e tanto, um cartão de visitas sobre essa capacidade do cineasta de fazer emergir algo profundo de uma situação aparentemente tão simples. Nele, dois amigos conversam na sacada de um apartamento. No entanto, Gabriel (Gabriel Martins) e Maurílio (Maurílio Martins) – sócios da Filmes de Plástico que mais tarde assinariam juntos a direção do ótimo No Coração do Mundo (2019) – nunca aparecem na imagem, são presenças fora de quadro, extracampo. Eles conversam sobre amenidades, dívidas empurradas com a barriga e a possibilidade de uma pelada com os amigos. Aliás, a coloquialidade da conversa é fundamental. Enquanto isso, vemos o que a câmera de Gabriel está gravando da janela, um olhar vidrado na esquina em que há um posto de gasolina. Não acontece nada de espetacular, o dispositivo não flagra um ato extraordinário ou algo que o valha. No entanto, a espera pela confirmação da câmera sobre a presença de alguém importante do passado é permeada por uma genuinidade melancólica. O homem que espera para ver novamente a sua ex-amada. O amigo que não acredita nessa obsessão voyeur corriqueira. Eis aqui um grande filme em curta-metragem. Assista aqui gratuitamente ao curta.
Em Quintal, André Novais Oliveira volta a colocar seus pais, Maria José Novais Oliveira e Norberto Novais Oliveira, como protagonistas. Novamente, filma na casa da família, supostamente capturando um trecho de cotidiano que não teria nada de muito cinematográfico. Mas coisas pouco ortodoxas começam a acontecer. Depois de retratar um dia comum, em que marido e esposa assistem à TV e colocam em prática afazeres domésticos, do nada surge uma ventania que quase leva de arrasto a mulher e, logo depois, um portal dimensional que transporta o homem a outro lugar (qual? não sabemos) depois que ele estava contemplando tranquilamente um filme pornográfico na sala como se estivesse passando o tempo com algo banal. André vai quebrando essa expectativa de um dia a dia sem grandes acontecimentos com o aconselhamento a um político, a mãe ouvindo um fortão na academia e, mais tarde, o homem voltando sem qualquer alarde. Portanto, essa convivência que começa como algo mais trivial do que qualquer coisa é adicionada de componentes que a particularizam num curta bem-humorado e muito inteligente, que oferece ao cineasta uma nova perspectiva nessa utilização de sua família nas telonas. Assista aqui gratuitamente ao curta.
O filme que escolhemos para ser (re)descoberto é essa belíssima homenagem de André Novais Oliveira e seu irmão Renato Novaes a Maria José Novais Oliveira, a infelizmente já falecida mãe de ambos, uma presença constante nos filmes que eles começaram a fazer há mais de 10 anos. Trata-se de um documentário afetuoso que traz diversas imagens de bastidores de produções, além de flagrantes de momentos especiais entre uma cena e outra que mostram o quanto Maria José levava a improvável carreira de atriz a sério. Os irmãos misturam cinema e vida real até os tornarem indissociáveis como gesto de celebração de uma mulher forte que encontrou ao lado dos filhos a vocação que para a sua geração parecia absolutamente inalcançável. Será que algum dia ela sequer sonhou que aos 60 anos de tornaria artista de cinema? Maria José Novais Oliveira virou atriz pelas mãos dos seus garotos que decidiram viver de cinema, virou estrela premiada e celebrada em festivais internacionais, justamente, pela verdade que injetava em personagens ora muito semelhantes a ela, ora caracterizados por nuances oriundas de uma composição técnica, um talento natural dessa mulher que infelizmente nos deixou. Assista aqui gratuitamente ao curta.
CONFIRA TAMBÉM
– Podcast Papo de Cinema
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