Não fosse sua reconhecida carreira como um diretor sensível e que emociona ao conduzir filmes que permeiam todos os gêneros, Ang Lee poderia ter se tornado “apenas” o primeiro asiático a ganhar o Oscar de Melhor Direção (fato que ocorreu em 2006 com O Segredo de Brokeback Mountain). Porém, muito além disso, suas produções são carregadas de questionamentos sobre o lado positivo da humanidade, mesmo que seus personagens sofram em meio aos tons de cinza do mundo (como o já citado filme dos cowboys ou o desconcertante Tempestade de Gelo, 1997).
O cineasta taiwanês não tem preconceitos ao contar uma boa história, seja por gênero, raça ou crédulo, como tão bem exemplificam outros filmes de sua trajetória, como Razão e Sensibilidade (1995), Hulk (2003) e Aconteceu em Woodstock (2009), fazendo com que Lee seja um dos diretores mais completos do cinema atual. Para celebrar seus 59 anos, a serem completos no dia 23 de outubro de 2013, a equipe do Papo de Cinema resolveu escolher seus cinco melhores filmes – e mais aquele que merece uma menção especial.
Por Conrado Heoli
Muito antes de ser o primeiro asiático a ganhar o Oscar de Melhor Diretor, Ang Lee conquistou projeção internacional com seu segundo longa-metragem. Taiwanês radicado nos Estados Unidos, Lee demonstrou excepcional sensibilidade para retratar a tragicômica desventura de Wai-Tung, jovem que vive em Nova York com seu namorado e decide se casar com uma artista chinesa para que ela receba o green card. Os problemas se iniciam quando seus pais, que vivem em Taiwan e nada suspeitam de sua orientação sexual, decidem participar do casamento. Roteirizado pelo próprio Lee com Neil Feng e James Schamus, esta inteligente comédia romântica funciona como uma sátira sobre a classe média e seus valores socioculturais, fascinante principalmente para espectadores ocidentais. Vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim e do prêmio de direção no Festival de Seattle, também recebeu indicações ao Globo de Ouro e Oscar na categoria de melhor filme estrangeiro, feito que Lee repetiu no ano seguinte com Comer Beber Viver (1994). Um ano e muitas outras láureas depois, o cineasta já era amplamente cultuado e figurava ao lado de Kate Winslet e Emma Thompson como o diretor de Razão e Sensibilidade (1995).
Por Danilo Fantinel
Uma fatalidade ocorrida durante um fenômeno natural em 1973 marca o clímax dos ritos de passagem gradativos que recaem sobre os integrantes de duas famílias disfuncionais de Connecticut, perto de Nova York. Os dois núcleos estão interligados em variados níveis, conforme as inter-relações de seus integrantes, e a perda que um dos lados sofre se refletirá profundamente no outro. Tendo como pano de fundo a era Nixon, o avanço das terapias psicológicas, linguísticas e místicas, a fugacidade do existencialismo burguês e principalmente a ressaca da revolução sexual sessentista, o filme aborda a perda da inocência de crianças, adolescentes e adultos em um mundo que começa a experimentar o materialismo que dominará a década seguinte. Baseado na obra de Rick Moody, o longa vê a família pela ótica niilista, apontando-a como a própria antimatéria pessoal, o vácuo de onde emergimos e o local para onde retornamos quando morremos, e também a força da qual, quanto mais nos aproximamos, mais nos perdemos. Ironicamente, os personagens habitam a suburbana New Canaan. Segundo a Bíblia, Canaã era a terra de fartura prometida por Deus ao seu povo. A Canaã mítica e a New Canaan de Moody são, definitivamente, lugares antagônicos.
Por Matheus Bonez
Um guerreiro prestes a se aposentar, sua amiga a quem ele confere a guarda de sua lendária espada e a filha do governador que pretende roubar o artefato. Somar estes três elementos e transformá-los em um simples filme de ação com lutas no céu e na água tão ou mais bem coreografadas dos que as vistas em Matrix (1999) seria algo que qualquer diretor poderia fazer. Para sorte dos amantes do bom cinema, muito mais do um filme sobre kung fu, Ang Lee usou da sua inerente sensibilidade sobre a condição humana ao narrar o épico O Tigre e o Dragão. A trama de ação, por mais que renda belas sequências que ficaram no imaginário cinematográfico mundial , fica em segundo plano perante a grandiosidade da história sobre liberdade (física e emocional) tão bem conduzida pelo cineasta taiwanês, além das emocionantes atuações dos astros Chow Yun-Fat e Michelle Yeoh e da então revelação Zhang Ziyi. Merecidamente vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e de outras três estatuetas (Fotografia, Direção de Arte e Trilha Sonora), além de outros 87 prêmios, O Tigre e o Dragão é um belo exemplar para ficar na memória, não apenas de quem gosta do gênero, mas de todos os amantes da sétima arte.
Por Marcelo Müller
Alguns veem O Segredo de Brokeback Mountain apenas como filme sobre dois cowboys que se apaixonam. Fosse Ang Lee um cineasta ordinário, e possivelmente a trama corria o risco de ficar excessivamente presa ao mote, à polêmica inerente ao relacionamento homossexual entre vaqueiros do Oeste americano, fatia territorial habitada por histórias de faroeste e pensamentos retrógrados disfarçados de tradição. Abordado, então, pelo talento desse taiwanês cujo trabalho já não precisa de apresentações e/ou provas de qualidade, o envolvimento de Ennis e Jack, para além de qualquer caráter panfletário (mesmo não havendo nada contra panfletos, desde que a causa defendida seja justa), simboliza num âmbito mais amplo a tristeza do amor não vivido, a paixão sufocada por obra de convenções sociais e outros impeditivos tão absurdos quanto, independente da orientação sexual dos protagonistas. O Segredo de Brokeback Mountain só não levou o Oscar de Melhor Filme em 2006, perdendo para o pífio Crash: No Limite (2005), pois a Academia (seus votantes) revelou-se, primeiro, suscetível demais ao marketing e, segundo, aferrada a um conservadorismo cujo caminho inevitável é miopia acrescida de insensibilidade.
Por Rodrigo de Oliveira
Ang Lee é um diretor com trabalhos tão diversos em sua filmografia que não chega a ser surpresa ele emendar produções como o pesado Desejo e Perigo (2007), o alegre e ensolarado Aconteceu em Woodstock (2009) e o reflexivo e tecnicamente impecável As Aventuras de Pi (2012). Este último lhe rendeu seu segundo Oscar como diretor, provando a maestria do cineasta taiwanês. Neste drama fantástico baseado na obra de Yann Martell (que por sua vez pegou emprestado um importante trecho do livro Max e os Felinos, do gaúcho Moacyr Scliar), Pi é um rapaz que se vê perdido em alto mar, dentro de um bote dividido com um perigoso tigre de bengala. Além de ser uma interessante história sobre fé, desenvolvendo de forma cativante o personagem central (e não esquecendo nunca o tigre), As Aventuras de Pi ganha muitos pontos pela sua beleza plástica. Ang Lee capricha na fotografia, capturando imagens que beiram pinturas – e o uso do 3D, que ultimamente tem se mostrado desperdiçado por inúmeras produções, só agrega às belíssimas tomadas comandadas pelo cineasta.
+1
Por Dimas Tadeu
Muito antes de ganhar todos os holofotes do mundo com o sucesso de O Segredo de Brokeback Mountain (2005), Lee já nutria um gosto por paixões tórridas e proibidas. Com Desejo e Perigo, que rendeu um Leão de Ouro ao diretor em Veneza, não é diferente, sendo possível inclusive observar a consolidação da linguagem que utilizaria mais tarde. Ao contar a história de uma mulher que se envolve com seu maior inimigo (tudo numa atmosfera “noir asiática” dos anos 40), o diretor também flerta com questões que dizem respeito à natureza do sexo e do desejo humano. A simplicidade usada para isso, no entanto, é a marca registrada do diretor: cenas de sexo não são editadas de forma erotizada e, embora os personagens sejam movidos por paixões, a condução da trama jamais foge à racionalidade. Um estilo que Ang Lee levou a frente e que, aqui, pode ser observado em seu primeiro ponto de amadurecimento.