Nascido no Rio de Janeiro em 18 de abril de 1949, Antônio da Silva Fagundes Filho – mais conhecido como apenas Antônio Fagundes – é um dos grandes atores da nossa teledramaturgia. Começou na TV Tupi, com papéis destacáveis em novelas como Mulheres de Areia (1973) e O Machão (1974), até estrear na Rede Globo em 1976 na novela Saramandaia, de onde jamais saiu. Foram dezenas de personagens marcantes, muitos galãs no horário nobre – e um papel importante na série Carga Pesada. Ainda que seja muito identificado com a televisão, Fagundes também tem uma carreira expressiva no teatro e no cinema. Seu papel de estreia nas telonas foi como Chicó, personagem de Ariano Suassuna, no filme A Compadecida (1969). Desde então, foram mais de 40 filmes, trabalhando com diretores importantes como João Batista de Andrade, Tizuka Yamazaki, Neville D’Almeida, Roberto Farias, Ugo Giorgetti, Lúcia Murat, Bruno Barreto e Cacá Diegues. No dia do seu aniversário, a equipe do Papo de Cinema relembra cinco produções imperdíveis da carreira do ator – e mais uma, que merece muita atenção do público. Confira!
No filme de Neville de Almeida, baseado por sua vez na peça de teatro de Nelson Rodrigues, o destaque maior em atuação certamente é de Lima Duarte como o contínuo Noronha. Mas para chegar no estágio de irritação causado no personagem, é preciso uma série de eventos que possuam uma carga de insanidade e ligação com a realidade que assustam por sua harmonia visível. É neste interim que o Bibelô de Antônio Fagundes age, sendo o cafetão e alma mais canalha de Sete Gatinhos. Seu personagem é um autêntico cafajeste, machista, autoritário, desrespeitoso e sacana. Bibelô consegue driblar até a imbecilidade da sua alcunha, apresentando um sujeito que dentro de suas limitações morais e de caráter, consegue ser um contraventor com a maior quantidade de nuances possíveis, ainda que seu papel seja um pastiche, que debocha da moral da família tradicional ao flertar com uma das filhas de Noronha, se envolvendo em tramas ainda mais cabeludas e complicadas com a família do contínuo. Fagundes consegue executar com maestria o conjunto de características típicas dos imorais aproveitadores que Rodrigues denunciava em suas peças e contos, além de fazer o público até simpatizar com sua figura melancólica e digna de pena. – por Filipe Pereira
A ditadura militar agonizava no Brasil quando o diretor Roberto Farias lançou este filme corajoso, que aborda frontalmente a brutalidade da qual o regime se valeu para coibir discordâncias. Ambientado nos anos de 1970, quando o Brasil torcia pela seleção canarinho que nos traria o tricampeonato mundial, o longa-metragem apresenta um grande trabalho de Antônio Fagundes, ator que ficou bem mais conhecido do grande público em virtude de sua atuação televisiva. Ele interpreta Miguel, homem que encara a sordidez da ditadura durante o doloroso processo de procurar o irmão preso por suposta subversão. O personagem é uma espécie de representante do espectador, pois junto dele tomamos contato com os pormenores político-sociais da época, vemos a dificuldade de apelação aos meios oficiais quando se tinha um parente “desaparecido”, sem contar as outras esferas desnudadas frente aos seus, e por conseguinte aos nossos, olhos incrédulos. Enquanto a massa entoa os gritos de apoio ao time de Pelé, Jairzinho, Gérson e companhia, Miguel come o pão que o diabo amassou em busca do ente querido. Antônio Fagundes faz desse personagem um símbolo da batalha de muitos, transmitindo exemplarmente o redemoinho de sensações suscitadas pela árdua empreitada, fruto das turbulências de um país convulsionado. – por Marcelo Müller
O conceito do poliamor está mais difundido nos dias atuais, embora cause muita polêmica ainda. Para muitos é difícil aceitar que uma mulher divida sua vida com dois ou mais homens – e vice-versa. Imagine então no começo da década de 1990, quando este filme foi lançado, como a opinião do público em geral se apresentou. Na trama, Antônio Fagundes vive o farmacêutico machão Xavier. A sua vida em casa não poderia ser melhor. Dividindo o lar com duas mulheres apaixonadas, Carmem (Marieta Severo) e Bia (Cláudia Jimenez), Xavier tem o que muitos homens gostariam. Mas para ele, isso não é suficiente. As confusões começam quando suas duas esposas descobrem que ele tem uma amante, a prostituta Monique (Carla Camurati). Como escapar dessa? Comédia divertida baseada livremente no conto A Via-Crúcis do Corpo, de Clarice Lispector, O Corpo foi dirigido por José Antônio Garcia, um ano antes do cinema nacional ter parado quase que completamente durante o governo Collor. Fagundes faz muito bem o papel do garanhão, fugindo um pouco da sua aura de galã que tanto repetia na televisão. Aqui, ao lado de Jimenez, Severo e, principalmente, Camurati, conquista o espectador com dobradinhas memoráveis. – por Rodrigo de Oliveira
Esta produção foi um presente de Bruno Barreto para sua então esposa, Amy Irving. O filme é o legítimo produto que tenta vender uma imagem da perfeição das paisagens cariocas para o exterior como se o Rio de Janeiro representasse todo o Brasil. Isso não chega a ser uma crítica negativa, pois não é preciso injetar realidade a todo momento no cinema. Esta comédia romântica é uma ode à paixão e trata seus personagens com tanto carinho que é impossível não abrir um sorriso ao final da sessão. E muito se deve aos seus protagonistas. Irving ganha um protagonismo merecido há muito tempo e sua professora americana ganha mais créditos ainda pela química com o nosso homenageado. Na pele do advogado que está se separando da esposa, Antônio Fagundes faz rir ao mesmo tempo que nos emociona. Mesmo que seu papel repita muito do que já havia sido visto de outros personagens seus de telenovelas, aqui ele ganha mais espaço para desenvolver uma outra persona, sem maniqueísmos. Um feito e tanto para uma produção que poderia passar despercebida não fosse tão deliciosa de assistir. – por Matheus Bonez
Quando a retomada do cinema nacional estava recém dando seus primeiros passos, Carlos Diegues voltou-se a tramas consagradas, primeiro em Tieta do Agreste (1996), depois com Orfeu (1999). Ambos somaram menos de um milhão de espectadores, números muito distantes dos 3,1 milhões que foram conferir a história de Xica da Silva (1976). Faltava um elemento nacional mais original, portanto, e este só foi, de fato, encontrado nesta aventura ficcional estrelada por um Antônio Fagundes dono de toda a propriedade do personagem e um Wagner Moura ainda em início de carreira, dando seus primeiros passos rumo ao estrelato. A fórmula funcionou tão bem que Cacá conseguiu aqui seu segundo maior sucesso de bilheteria – 1,6 milhão – e ofereceu a Fagundes a oportunidade de incorporar um Criador dono de um jeitinho bem brasileiro, mal-humorado e ranzinza, que se diverte às custas dos outros, mas que precisará do olhar de um homem da terra (Moura) para redescobrir sua sensibilidade. Um outro ator poderia ter tido seu espaço ofuscado por este novato tão à vontade, mas Fagundes é dono de um show próprio, e o Deus que aqui oferece está tranquilo em sua posição, confirmando-se como a versão definitiva do todo poderoso em nossas telas. – por Robledo Milani
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Inspirado em A Arte de Produzir Efeito Sem Causa, de Lourenço Mutarelli, Marco Dutra arriscou ao lançar um suspense psicológico descolado dos padrões estético-narrativos nacionais. Próximo da visão de mundo opaca percebida em O Cheiro do Ralo (2006), também baseado em Mutarelli, Quando Eu Era Vivo enquadra Júnior (Marat Descartes), que pelos seus trinta anos se separa da mulher e volta a morar com o pai, Sênior (Antônio Fagundes), no apartamento onde cresceu. Em crise existencial, Júnior busca afeto paterno enquanto se interessa por Bruna (Sandy), estudante que aluga um quarto no local onde a trama se passa quase integralmente. Neste lócus inanimado, porém repleto de vivências e memórias palpáveis, Júnior desenvolve uma obsessão mezzo paranormal com a mãe morta. O clima tenso e obscuro, marcado por claustrofobia e paranoia articuladas em excelente geografia de cena, só faz aumentar com o desconforto de Sênior acerca da falência de Júnior e de sua misteriosa conexão com o passado. Angustiado, dividido entre o amor ao filho e a aversão à sinistra derrocada do rapaz, Sênior vê horrorizado Júnior vagar no limite entre o abismo psicológico e as sombras do oculto. No filme, Fagundes apresenta mais uma atuação memorável em sua extensa filmografia. – por Danilo Fantinel